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Securitização põe em risco saúde financeira de SP

Linha fina
Além de querer engessar gastos públicos por 20 anos, financistas no poder manobram com títulos da dívida pública para garantir receita hoje, mas com endividamento e desemprego amanhã
Imagem Destaque
Helder Lima da RBA, com edição da Redação Spbancarios
9/1/2017


São Paulo – Operações no mercado financeiro feitas indiretamente pelo governo do estado de São Paulo, por meio de uma empresa de economia mista chamada Companhia Paulista de Securitização (CPSEC), deixarão um duro legado de endividamento para quem assumir o Palácio dos Bandeirantes depois que Geraldo Alckmin concluir o quinto mandato consecutivo do PSDB no estado. É o que prevê o diretor jurídico do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Sinafresp), José Marcio Rielli. "No médio prazo, a dívida do estado vai triplicar. É o meu sentimento. Fiz algumas contas em relação a isso, em três a quatro anos, porque é o prazo do resgate de debêntures no mercado", afirma.

As operações orquestradas pela CPSEC – abrigada no prédio da Secretaria da Fazenda –, chamadas de securitização de recebíveis, são similares a um processo que tomou conta da Europa e que levou a Grécia para o buraco financeiro. No Brasil, no plano federal, a securitização está expressa no Projeto de Lei do Senado (PLS) 204, que aguarda aprovação pelo Congresso. De autoria do senador José Serra (PSDB), atual ministro das Relações Exteriores, o projeto representa um dos tentáculos das mudanças propostas pelo governo de Michel Temer para fazer o neoliberalismo e a regressão social andarem a passos largos por aqui.

Trata-se da "financeirização" da economia, que no caso de São Paulo, com a atuação da CPSEC desde 2009, quando foi criada sob a gestão Serra (PSDB) no governo estadual, significa a tomada do orçamento do governo por esse processo. Ou, como afirmou o senador Roberto Requião (PMDB-PR) em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), "esse projeto surge fundamentalmente para legalizar operações que foram feitas sem o suporte da lei".

Os termos "securitização" e "financeirização" são neologismos. Segundo Rielli, significam o avanço do setor financeiro sobre diversos segmentos da economia, com o denominador comum de concentrar cada vez mais riqueza no próprio setor financeiro, em prejuízo de toda a sociedade.

Complicado – Não é fácil entender o que se passa na companhia. Mas o fato é que a empresa vende ativos da dívida com deságio que pode chegar a 50% do valor de face dos títulos, as debêntures, emitidas sobre as dívidas de contribuintes com a receita estadual. Dependendo da qualidade dessa dívida, é um caminho que o setor público abre para os bancos realizarem lucros, convertendo o que seria dinheiro público em dinheiro privado, ou em ativos de caráter privado. O valor do deságio não é conhecido oficialmente. Os contratos de operação da CPSEC são mantidos sob sigilo.

O mistério em torno das operações, que deveriam ser de caráter público, a suspeita de que a atuação da empresa pode estar lesando o interesse público e a evidência de que o negócio da CPSEC fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) levaram o sindicato dos agentes fiscais a abrir, em setembro, uma ação popular contra o governo Alckmin no Ministério Público do Estado, com pedido de suspensão das operações da empresa. Do ponto de vista da lei, o governo estadual não pode realizar esse tipo de operação de crédito, com a compra por meio do mercado financeiro.

A ação arrola como réus os ex-secretários da Fazenda Renato Augusto Zagallo Villela dos Santos e Andrea Calabi, e o presidente da Companhia Paulista de Securitização, Jorge Luiz Avila da Silva. "O autor busca com a presente Ação Popular anular atos lesivos ao patrimônio público (...) Denuncia também grave burla à Lei de Responsabilidade Fiscal, com potencial efetivo de relevante comprometimento das contas públicas e das finanças das administrações vindouras", afirma o texto.

Em resposta à ação, a promotora Regina Gomes de Macedo Leme, da 12ª ¬Vara da Fazenda Pública, do MP estadual, indeferiu o pedido de suspensão das operações da empresa e restituição dos valores pelo mercado financeiro. Mas manteve a investigação da atuação da CPSEC, uma vitória parcial para os autores da ação popular.

Em nova investida no Ministério Público, os autores da ação solicitaram, em outubro, por meio de uma emenda à petição inicial, que fossem juntados ao processo todos os contratos celebrados pelos réus para a verificação, mediante auditoria, da validade jurídica dos negócios, bem como os valores envolvidos nas operações. A emenda foi motivada pelas declarações dos representantes da empresa, de que suas operações são absolutamente sigilosas. "É preciso que sejam apurados todos os valores indevidamente cedidos à sociedade de economia mista (CPSEC), os valores de comercialização das debêntures no mercado de capitais, os gastos com a escrituração e a emissão das debêntures, com a contratação das distribuidoras de títulos, dos corretores de valores e instituições financeiras envolvidas no negócio", afirma a emenda.

Sete chaves – Em palestra sobre "sociedades com fins específicos" – outra designação dada a essas empresas de economia mista –, em Ribeirão Preto, interior paulista, o presidente da CPCEC, Avila da Silva, chegou a afirmar com todas as letras que os contratos entre a companhia e os investidores só serão exibidos mediante uma determinação judicial, ou da Comissão de Valores Mobiliários. São contratos "fechados" e têm "muitas características", alegou.

O diretor do Sinafresp lembra que desde que a empresa foi criada o governo do estado já captou cerca de R$ 2 bilhões, por meio de três operações. Mas ele também destaca que, para captar esse volume, foram lançados R$ 6 bilhões em debêntures e que a diferença, de R$ 4 bilhões, corresponde a títulos de uma classificação secundária, que o mercado não quer – conforme a qualidade da dívida, os títulos são classificados  em "A" ou "B". Outra questão é o capital social da empresa, de R$ 7 milhões, um valor irrisório diante do volume de recursos com os quais lida.

Modelo em expansão? – A experiência da CPSEC, antecipando em São Paulo um modelo de financeirização da dívida pública que o governo Michel Temer deseja para o país, não é única. Outras operações têm sido feitas com o mesmo espírito, nos municípios de Belo Horizonte e Nova Iguaçu (RJ) e no Distrito Federal. Há ainda iniciativas similares no município de São Paulo, chamada de Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura (FMSAI), criado em 2009, e nos estados de Goiás (Goiasparcerias) e Rio de Janeiro (CFSEC).

"Em que pesem as diferenças de cada modelo adotado, em comum todos eles apresentam a característica de o ente receber um determinado valor de um investidor e, em troca, entregar o fluxo de receitas advindas dos direitos creditórios da dívida ativa", afirma o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) em parecer sobre o tema na CAE.

O senador comenta a questão de fluxo de receitas versus direitos creditórios, apontada por Mauro Ricardo Costa, e entende que não há relevância nessa discussão. "O relevante é verificar se a operação gera ou não passivos para os futuros governantes", sustenta Lindbergh.

A discussão recente em torno do engessamento dos orçamentos de municípios, estados e União por 20 anos, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, é apenas uma das faces da tentativa de amarrar as contas públicas aos interesses do mercado financeiro. Na sequência, virá o embate pelo PLS 204.

Rielli reitera a função estratégica da securitização para que o governo federal ingresse no que ele chama de "canto da sereia do mercado financeiro". Ele também cita o Projeto de Lei Complementar (PLC) 257, que estabelece um teto para o funcionalismo público, além das outras medidas. "Estão todas coligadas, ou seja, eu restrinjo a ação do Estado por meio do aperto fiscal, e jogo isso como títulos no mercado. Simples assim."

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