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Promessa de emprego frustra moradores de rua

Linha fina
Anunciado por João Doria (PSDB) como fato consumado, vagas ainda não se confirmaram. “Muitos se controlaram para não expressar a revolta com palavras pesadas”, afirma candidata
Imagem Destaque
Luciano Velleda, para a Rede Brasil Atual
3/2/2017


São Paulo – Por meio de um vídeo postado em seu Facebook no dia 30, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou a formatura da primeira turma do curso de capacitação comportamental para pessoas em situação de rua. No vídeo, o prefeito afirma que 58 participantes formados “já ganharam emprego no setor de limpeza e manutenção”. Da rede social para a realidade, entretanto, a situação é bem diferente.

As 50 vagas na empresa Guima Conseco, prometidas no primeiro dia do curso, já não existiam mais cinco dias depois, quando os participantes foram receber o certificado. A situação causou grande revolta nas pessoas em situação de rua que durante uma semana frequentaram o curso.

“O pessoal ficou muito bravo, teve um senhor que começou a chorar, você está mexendo com as emoções de uma gente sofrida. Uns demonstraram sua revolta sabendo trocar uma ideia, mas outros não”, lamentou uma participante do curso, cuja identidade prefere manter em sigilo.

Questionada sobre as vagas de emprego prometidas no primeiro dia do curso e dadas como fato consumado pelo prefeito João Doria em seu vídeo, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) manteve a posição de que a empresa Guima Conseco contratará as pessoas em situação de rua.

“Quando estiverem capacitados, os participantes desta primeira etapa serão contratados para trabalhar na área de limpeza da empresa Guima”, diz a nota.

“Todo mundo chegou cheio de esperança, acreditando que o novo prefeito iria fazer alguma coisa”, afirma a candidata, destacando a frustração sentida quando ficou claro que as vagas prometidas não existiam mais. “Muitos se controlaram para não expressar a revolta com palavras pesadas.”

Até recentemente, a moradora, que já trabalhou na área de produção de uma empresa industrial, e o namorado moravam embaixo do Viaduto do Chá, na região central. Há dois meses, ambos estão abrigados na casa de Róbson César Correia de Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua.

Para o namorado, o curso anunciado por Doria não foi nada do que ele estava imaginando. Segundo relatos, durante a semana em que durou o treinamento, os monitores trabalharam apenas técnicas de respiração e relaxamento.

“Achei que era um curso de capacitação para o trabalho”, disse o jovem, que se define como artesão e pintor. “Não treinaram nossa mente para o trabalho, ficaram fazendo exercícios para sermos pessoas tranquilas e sem estresse." Para ela, a estranheza foi semelhante. “Não entendi o intuito deles. O pessoal chegou cheio de sonhos e expectativas e aquela respiração não ajudou em nada.”

Trabalho voluntário - O curso de capacitação comportamental foi ministrado por Fernando Alves, diretor-executivo da ONG Rede Cidadã, com sede em Belo Horizonte. A entidade não tem convênio firmado com a prefeitura.

Segundo a SMADS, a Rede Cidadã está atuando de modo voluntário. Em nota, a secretaria afirma que a entidade “é especialista em geração de emprego para pessoas em vulnerabilidade social”. A situação inusitada tem causado estranheza entre funcionários da prefeitura que atuam diretamente com o tema.

Até o fechamento dessa reportagem, a secretaria não explicou como foi feita a escolha da entidade sediada em Belo Horizonte.

De acordo com a prefeitura de São Paulo, a meta é empregar 20 mil pessoas em situação de rua até dezembro de 2017. O número é praticamente a totalidade dessa população na capital paulista, incluindo crianças e idosos, segundo o último censo, realizado em 2015.

Enquanto isto, o casal que até há pouco morava embaixo do Viaduto do Chá diz que, apesar da frustração, seguem aguardando uma definição positiva. “Eu sei da minha capacidade. Posso começar na faxina, mas vou à luta”, afirma.
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