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Mobilização pode barrar retrocessos, diz professor

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Quatro professores e cientistas políticos da Unicamp avaliam o momento político brasileiro após a lista de Fachin. Dentre as conclusões o poder social para enfrentar as reformas que atingem em cheio direitos dos trabalhadores e a falta de legitimidade da base parlamentar de Temer para aprová-las
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Foto: Paulo Pinto / AGPT

São Paulo – Segundo o cientista político Sebastião Velasco e Cruz, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o andamento das reformas pretendidas pelo governo Temer, entre as quais a da Previdência e a trabalhista, estará condicionado à mobilização da sociedade em defesa dos direitos ameaçados.

"Isto pode ter efeito sobre todo o jogo político. Os deputados e os senadores vão pensar muito antes de aprovar as reformas que os indisponham com o eleitorado, já que correm o risco da cassação pelo voto em 2018, perdendo o foro privilegiado", analisa Sebastião Velasco e Cruz.

A CUT (Central Única dos Trabalhadores) convocou uma greve geral para 28 de abril, em todo o país.

> Desmonte da Previdência é rejeitado por 93% e só 5% aprovam Temer

Velasco e outros quatro professores da Unicamp, em entrevista ao jornal da universidade, avaliam as consequências da divulgação da chamada Lista de Fachin – que traz dezenas de políticos, entre ministros, senadores, deputados e governadores, que agora são investigados a partir das delações de executivos da Odebrecht – para o atual cenário político, agora em xeque. O termo é referência a documento divulgado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

O analista ressalta que a base parlamentar do governo Temer não tem legitimidade para promover alterações constitucionais, como pretendem com os projetos de reforma em discussão na Câmara. "O esforço do governo será sem dúvida o de votar o quanto antes. Alguns membros de sua base parlamentar chegam até a cogitar em fechamento de questão, o que soa como um absurdo, porque as cúpulas partidárias estão mergulhadas em denúncias e não têm legitimidade para decidir por sua conta sobre mudanças na Constituição."

Velasco e Cruz afirma, ainda, que o cenário de crise institucional se agrava porque as leis dependem da "interpretação livre e 'criativa' dos funcionários do Estado encarregados de aplicá-las". Ele acrescenta que o Judiciário, que deveria ser "elemento decisivo" na solução da crise, passou a fazer "parte essencial do problema".

Governo ilegítimo - Eduardo Fagnani, economista e professor do Instituto de Economia, concorda com a falta de legitimidade do atual governo, originado a partir de um "golpe parlamentar" promovido contra a presidenta Dilma Rousseff. "Qual a legitimidade desse governo para fazer essas mudanças? Qual a legitimidade desse Congresso – que tem sob suspeita os presidentes da Câmara e do Senado, 40 deputados e um terço dos senadores – para implantar a toque de caixa um projeto liberal ao extremo, que vai aumentar a pobreza e praticamente interditar o futuro do país rumo a um padrão civilizatório?"

Fagnani avalia que a atual crise aponta para a falência do atual sistema que, segundo ele, opera desde a ditadura. "Os personagens são os mesmos, estão todos aí. Os oligarcas regionais que morreram foram substituídos pelos filhos e netos. Tudo se mantém intacto. Isso que estamos vendo, no meu ponto de vista, revela a questão de fundo: sem reforma política é muito difícil ter qualquer perspectiva daqui para frente", analisa o professor.

Sobre as reformas do governo Temer, em especial a reforma da Previdência, Fagnani diz que, na verdade, o país enfrenta um déficit de democracia. "Quero lembrar que estamos em um país que tem déficit de democracia, não é da Previdência – apenas 50 anos de democracia em 500." 

País em ilegalidade - Para o filósofo Roberto Romano, a atual crise institucional e política, que ele classifica como "descontrole institucional", é uma "tragédia" que vinha sendo anunciada "há muito tempo". 

"O presidente não pode ser questionado por ter o privilégio do cargo, mas o ministério inteiro está se liquefazendo, não tem ministério. Os principais nomes dos ministérios estão implicadíssimos, o que significa a reiteração absoluta da falta de legitimidade e ética, não escapa ninguém, é uma radiografia impiedosa da classe política brasileira". 

"O país está em situação de quase ilegalidade, de muito pouco exercício legítimo do poder, tanto no Executivo e Legislativo, como no Judiciário. Vivemos um estado de anomia. Quando não há normas vigentes, não se obedece a normas e padrões éticos.", analisa.

Soluções "heroicas" - Para o cientista político Reginaldo Moraes, a lista de Fachin não traz "novidades", mas a sensação de crise de legitimidade, com o "desmonte geral" das instituições que pode abrir espaço para soluções "heroicas". 

"Até Poliana moça deveria saber que campanhas eleitorais recebem dinheiro –declarado ou não – de empreiteiras, fornecedoras de governos locais, estaduais, federal. Empreiteiras azeitam dirigentes de governo desde a ditadura", destaca o professor, que diz que "agora é oficial". 

Segundo Moraes, a depender de quem controla a interpretação dos fatos – a mídia tradicional – pode se criar a percepção desmonte geral. "Ou seja, de erosão das principais lideranças políticas e, também, de deslegitimação do conjunto das instituições representativas – executivos, legislativos."

Para o cientista político, tal cenário de "nada se sustenta" não pode durar muito tempo, sob risco do aparecimento de um "salvador da pátria", de fora do sistema político, e contrário a ele. "O desmonte do país abre espaço para soluções ‘heroicas’. Já existe quem as proponha. A cadeia de info-entretenimento fomentará esse 'apelo' ao salvador da pátria?"

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