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Chapéu
#CHEGADEAGROTÓXICOS

Pressão aumenta e ruralistas não conseguem votar 'Pacote do Veneno'

Linha fina
Projetos que pretendem facilitar ainda mais registro, venda e utilização de agrotóxicos não foram à votação em comissão, após três horas de debates. Tema poderá ser votado no próximo dia 29
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Foto: Saúde/Cuiabá/MT

Para alívio dos brasileiros que não querem mais agrotóxicos nos alimentos e na água que bebem e decepção dos deputados da bancada ruralista e dos fabricantes, o "Pacote do Veneno" não foi votado na quarta-feira 16, como era esperado. Maioria na composição da Comissão Especial que analisa 27 projetos de lei compilados no relatório de Luiz Nishimori (PR-PR), que pretende facilitar ainda mais o registro, venda e utilização desses produtos, os ruralistas se mostraram acuados em toda a reunião, que durou três horas.

Os defensores de mais venenos na agricultura e no prato até tentaram manipular informações a partir de uma nota técnica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que defende, em certa medida, mudanças na lei. Mas o texto também aponta diversos problemas, relacionados a regras para os registros – o que acabou virando "um tiro no pé". Contra o Pacote, Alessandro Molon (PSB-RJ) passou a ler os pontos da nota que haviam sido ocultados, causando ainda mais mal estar.

> MPF aponta série de inconstitucionalidades no 'Pacote do Veneno'
> O veneno está diariamente no seu prato

Mais de 200 notas técnicas contrárias

O argumento de que o mundo depende do Brasil para produzir mais comida e que essa produção depende de mais agrotóxicos foi desconstruído por notas técnicas e manifestos de mais de 200 organizações, associações (inclusive de trabalhadores do Ministério da Agricultura), fóruns e coletivos na área de saúde, meio ambiente, direitos humanos, trabalho e defesa do consumidor. São essas informações que respaldam a atuação dos deputados contrários ao Pacote, que embora minoria, têm sido firmes na proposição de requerimentos que visam ampliar o debate.

O líder do Psol na Câmara, Chico Alencar (RJ), a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e os deputados do PT Bohn Gass (RS), Nilto Tatto (SP), Patrus Ananias (MG), Paulo Teixeira (SP), João Daniel (SE) e Padre João (MG) já haviam protocolado três textos alternativos ao substitutivo de Nishimori.

O Instituto Nacional do Câncer (Inca), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e Ministério Público Federal (MPF) e do Trabalho (MPT) têm pressionado os parlamentares, listando os problemas causados pelos agrotóxicos que devem se agravar com mudanças, para pior, na atual lei. E defendem medidas de redução do uso desses produtos até seu banimento, a exemplo de muitos países, e o incentivo à agroecologia.

Na segunda-feira 14, o subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho se reuniu com o relator Nishimori. A 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Público do MPF já havia distribuído nota técnica em que aponta uma série de inconstitucionalidades no substitutivo relativas à saúde e meio ambiente.

Sem veneno

O argumento dos ruralistas, de que é impossível produzir em grande escala sem agrotóxicos é desmontado pelos produtores de arroz agroecológico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul.

Sem uma gota de agrotóxico, 501 famílias de 21 assentamentos, em 16 municípios gaúchos, produzem o alimento. Devem colher na safra 2017-2018 mais de 24 mil toneladas e vender por meio da marca Terra Livre. E por isso estão no topo da produção latino-americana de arroz orgânico segundo o Instituto Rio Grandense de Arroz (Irga).

Na quarta 16, deputados, especialistas e ativistas contrários ao Pacote foram recebidos pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (MDB-RJ). O deputado, que já havia engavetado a instalação de uma comissão especial para analisar o PL 6.670/2016 que estabelece a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara), se comprometeu a criar essa comissão, o que deve ser publicado por esses dias no Diário Oficial.

Mobilização

E nesta quarta-feira, no mesmo horário da sessão especial, um tuitaço com a hashtag #ChegaDeAgrotóxicos mobilizou as redes sociais e ajudou na pressão para adiar a votação da matéria. Entre as participantes do tuitaço estava a culinarista e apresentadora de TV Bela Gil.

> Só mobilização popular consegue barrar o 'Pacote do Veneno'
> Plataforma pressiona pela redução do uso de agrotóxicos

Ela utilizou as redes sociais para se manifestar contra a sangria da bancada ruralista que tenta aprovar a todo custo o PL do Veneno. A chef de cozinha explicou aos seus mais de 770 mil seguidores que, apesar de a sociedade civil e as entidades públicas da área da saúde serem contra essa lei, isso não parece ser o suficiente para sensibilizar os deputados relatores do caso.

“A proposta libera o uso amplo de agrotóxicos resultando em mais veneno na nossa comida e mais prejuízo ao meio ambiente”, tuitou.

A cozinheira argentina radicada no Brasil Paola Carosella participou da pressão em Brasília, assistindo à reunião, e também pelas redes sociais. Pelo Twitter, ela se dirigiu a Nishimori e demais ruralistas.

A atriz global Paolla Oliveira também participou do tuitaço convocado pelo Idec, e chamou atenção para a necessidade de atenção ao tema. 

Vitórias parciais

"A instalação da comissão e o adiamento da votação são duas vitórias parciais, mas muito importantes", avalia o agrônomo Ruy Muricy, integrante dos fóruns baiano e nacional de combate aos impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos.

Segundo ele, o adiamento força uma discussão sobre o tema que, até aqui, tem sido tratado de maneira autoritária pelos ruralistas que dominam a comissão especial. "Eles fogem do debate porque seus argumentos são frágeis, respaldados na propaganda da indústria que domina a política agrícola desde o final da Segunda Guerra, quando começou a chamada revolução verde. O discurso foi renovado com o advento dos transgênicos, que reduziriam o uso de agrotóxicos quando, na verdade, aumentaram e muito. Eu, como agrônomo, sinto vergonha alheia de deputados da comissão, também agrônomos, como o Valdir Colatto, que chega a dizer que agrotóxicos são como medicamentos", disse.

Muricy destaca que as chamadas pragas da agricultura são, na verdade, a resposta da natureza desequilibrada pelo modelo de produção baseado na monocultura banhada em agroquímicos, que resiste. "Como disse a grande agrônoma Ana Primavesi, os agrotóxicos são os criadores de pragas". Para o agrônomo, o momento agora é de trabalhar para ampliar esse tempo para aprofundar o debate com a sociedade nos estados.

Também integrante do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, o advogado Cleber Adriano Rodrigues Folgado entende que a sociedade civil está organizada. "Conseguir adiar a votação demonstra que a sociedade não vai aceitar que se coloque de goela abaixo o Pacote do Veneno. O desmonte da Lei de agrotóxicos afeta toda a sociedade, pois tais produtos são um enorme problema de saúde pública e socioambiental".

Ele afirma que será grande a mobilização para barrar o Pacote e para pressionar o avanço da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, que representa o "Pacote Pela Alimentação Saudável e Pela Vida".

"A mobilização da sociedade, até agora, foi o elemento fundamental, juntamente com a bancada dos deputados comprometidos contra o Pacote do Veneno, para barrar a aprovação do texto substitutivo. Porém é preciso que a sociedade, as organizações e pessoas comprometidas com a vida possam ampliar a mobilização e principalmente denunciar na sociedade o mal que representa o desmonte da legislação de agrotóxicos. Continuaremos firmes na luta pela Vida e contra os agrotóxicos".

A deputada Tereza Cristina (PSB-MS), presidente da comissão especial e da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, marcou nova reunião para o próximo dia 29. O substitutivo, que volta a ser discutido dos deputados, poderá ser colocado em votação. 

 

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