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Chapéu
Economista

Lava Jato foi usada para destruir a imagem do BNDES

Linha fina
Thiago Mitidieri, presidente da associação de funcionários do banco público federal, analisa o desmonte do banco público ocorrido após o golpe de 2016
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Foto: Anderson Silva/ Ag. Pará

Curitiba - O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem sido um dos alvos do governo Michel Temer (PMDB) desde o golpe de 2016. Economistas alertam para a retomada de um ciclo de desinvestimentos públicos e privatizações, semelhante ao que ocorreu nos anos 1990.

Para compreender as mudanças nas diretrizes do banco público, o Brasil de Fato Paraná conversou com o economista Thiago Mitidieri, presidente da Associação de Funcionários do BNDES (AFBNDES).

> Cartilha Em Defesa dos Bancos Públicos

Confira os melhores momentos da entrevista:

O golpe de 2016 coincidiu com um período de reconfiguração no papel do BNDES. Quais as mudanças mais importantes?
Sim. O governo Temer entrou com uma proposta de reduzir o BNDES. Foram ventiladas várias possibilidades de se fazer isso. Uma delas, que acabou se concretizando no ano passado, foi a devolução antecipada de R$ 100 bilhões em empréstimos do Tesouro Nacional ao banco.

Agora, a questão mais importante, em meio a isso tudo, é a MP 777. Ela acaba com a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que está em discussão no Congresso. Está em fase de audiências públicas.

A mudança na TJLP mexe na taxa de referência dos empréstimos do BNDES. A TJLP tem todo um mecanismo que permite ao BNDES atuar como um banco de desenvolvimento. Ou seja, dá condições diferenciadas, em relação ao mercado, que permitem a essa instituição incentivar e induzir o investimento em setores que o mercado, por si só, não. Especialmente, o setor de infraestrutura. No mundo inteiro, o mercado tem dificuldade para financiar infraestrutura, e os países onde a estrutura está avançando são justamente aqueles onde há um banco de desenvolvimento por trás, e o Estado atuando para que isso aconteça. 

Nesse novo cenário, em que o mercado financeiro assume um papel preponderante, há possibilidade de se resolver os problemas de infraestrutura e emprego no Brasil?
A ideia de reduzir o BNDES é que o mercado de capitais privados de longo prazo ganharia relevância. Mas o mercado privado de longo prazo no Brasil tem um problema, que é a taxa de juros muito alta. Isso faz com que o mercado de capitais não tenha condições de se desenvolver. Com a taxa de juros altíssima, ele vai continuar subdesenvolvido.

Por isso, o que eu defendo é que o BNDES seja um instrumento para retomar o crescimento. E é claro que, com isso, também vai se gerar novos empregos. O problema mais grave do país hoje é o desemprego. E isso se resolve gerando demanda, fazendo a economia girar novamente, fazendo investimentos. E o banco de desenvolvimento tem um papel importante nisso.

O setor de infraestrutura é um gargalo. Segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura [e Indústrias de Base], o déficit do Brasil em infraestrutura é de R$ 3 trilhões. Perto desse valor, os R$ 100 bilhões que foram devolvidos parecem muito pouco. Mas o fato é que o BNDES está devolvendo recursos que poderiam ser aplicados para essa finalidade, e ao mesmo tempo mudando a taxa de referência de seus empréstimos para uma taxa mais cara, mais volátil. Ou seja, está aumentando o risco e encarecendo o investimento.

Isso significa que o país está criando mais barreiras ao crescimento, retirando instrumentos que o BNDES possui hoje. Estamos criando dificuldades, em vez de facilitar o caminho. É o que eu chamo de inversão de prioridades da política econômica. Não tem racionalidade nessa proposta. Não é o momento de reduzir o BNDES, e nem há condições para isso.

A alternativa que você propõe é, basicamente, retomar as diretrizes que orientavam o BNDES até 2016. Você considera os anos 2000 como uma referência positiva de investimento em infraestrutura?
O BNDES acompanha a evolução da economia e os governos que se sucedem. Desde os anos 1950, com o Plano de Metas, até os anos 1990, com a política de privatização. Nos anos 2000, não havia por trás da atuação do BNDES uma política de desenvolvimento clara, explicitada, com metas e diretrizes.

O banco cresceu muito nos últimos anos, e muito em função dos efeitos da crise de 2008. Existe a crítica de que, nesse período mais recente, os recursos foram excessivos. Esse é um assunto polêmico, com diferentes leituras. O BNDES não acertou em tudo. Mas, se fizermos uma média e colocarmos na balança os erros e acertos, eu considero que o BNDES acertou muito mais do que errou.

A operação Lava Jato investiga várias empresas que foram financiadas pelo BNDES. De que forma isso está relacionado ao desmonte do banco no governo Temer?
A parte criminal está sendo apurada pela Lava Jato. E, até o momento, nenhum funcionário do BNDES foi citado na Lava Jato, como se tivesse recebido propina, ou favorecido alguma empresa, com alguma vantagem ilegal. Isso não aconteceu.

Pelo contrário, o que a gente vê nas delações, tanto da Odebrecht quanto do Joesley Batista [da empresa JBS], é que o corpo técnico do BNDES não estava envolvido em nenhum esquema de corrupção. A parte ética dos funcionários ficou preservada. Acontece que nós vivemos uma guerra política no país. E um lado dessa batalha quer colocar no BNDES o adesivo de “PT”. Com isso, o banco passou a fazer parte dessa guerra.

No ano passado, o banco ficou um ano apanhando, sangrando. Era uma campanha de destruição da reputação do BNDES. E essa tese não é baseada no conhecimento sobre como o banco funciona, ou como o banco atuou. Ela só se baseia no objetivo de destruir a reputação do adversário.

Por que se tornou conveniente, em meio a essa guerra política, usar a Lava Jato para destruir a imagem do banco?
Se a gente pensar a quem isso interessa, se percebe que existe uma questão de oportunismo. Há setores que não concordam com o BNDES, mas quase sempre o que aparece são teses ideológicas. No mundo real, existe uma série de obstáculos que não permitem que o mercado, sozinho, atue e gere desenvolvimento. 

Por não ter o mesmo espaço para responder às críticas, o banco acabou ficando com uma imagem negativa junto à sociedade. Agora, diante de qualquer proposta de mudar o papel do banco, as pessoas tendem a comprar a ideia. 

O senso comum é que “ah, o BNDES está metido naquela confusão toda, do PT”. Ou seja, “o BNDES emprestou dinheiro para grandes construtoras”, “tem que mudar mesmo”. Então, as medidas que estão sendo tomadas vão dificultar muito a atuação do banco, e essa campanha de ataque ao BNDES e aos funcionários favorece que essas mudanças aconteçam. Sejam elas positivas para o país ou não.

A maioria da população não conhecia o BNDES, e fica conhecendo através de notícias negativas. Se a população brasileira quiser conhecer, estudar o banco, vai entender que o BNDES é importante para o país, e prestou grande serviços à economia brasileira.

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