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Chapéu
Calote trabalhista

Dívida com demitidos é apenas 1% da fortuna dos donos da Abril

Linha fina
Família Civita acumulou fortuna de pelo menos R$ 10 bilhões com o trabalho de funcionários da editora, e agora dá calote em 1.500 trabalhadores demitidos. Centenas fizeram protesto em frente à gráfica da empresa, na Marginal Tietê, na sexta 14
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Foto: Cadu Bazilevski/SJSP

Cerca de 300 jornalistas, administrativos, distribuidores, gráficos demitidos em massa pela Abril, além de profissionais freelancers dispensados, fizeram um protesto contra as demissões e o calote dado pela editora, em ato público na sexta-feira 14 em frente à portaria da gráfica da empresa, próxima da Marginal Tietê, na zona oeste da capital paulista. A manifestação, organizada pelos sindicatos das categorias, começou ao meio dia e, no mesmo horário, trabalhadores da Abril no bairro do Morumbi, na zona sul, desceram do prédio em solidariedade aos colegas demitidos e dispensados.  

Mesmo sob a chuva que não deu trégua, os trabalhadores e trabalhadoras, junto com seus familiares, criticaram a dispensa coletiva e o calote da Abril, que atinge cerca de 1.500 pessoas. Do total, são 804 celetistas demitidos no último dia 6 de agosto e que não receberam verbas rescisórias nem a multa de 40% do Fundo de Garantia. Outras centenas foram demitidos desde dezembro passado, com verbas rescisórias parceladas em dez vezes. E ainda vários profissionais freelancers que foram dispensados também em agosto último. Todos tiveram seus direitos trabalhistas desrespeitados pela editora, que empurrou os pagamentos devidos ao incluir os valores na dívida da recuperação judicial, no último dia 15 de agosto, sem prazo para quitação.

Com faixas, cartazes e palavras de ordem, os manifestantes caminharam ocupando duas faixas da Marginal Tietê até a portaria principal da editora, na Avenida Otaviano Alves de Lima nº 4400. Em frente ao prédio, todos gritaram “Paga Civita!” e outros cantaram “Gianca caloteiro, cadê o meu dinheiro?”, referindo-se a Giancarlo Civita, um dos herdeiros e ex-presidente do Grupo Abril.

Uma comissão tentou protocolar com um representante da empresa uma carta aberta à família Civita, mas o documento só foi recebido formalmente por um segurança. No documento, lido em voz alta em frente ao prédio durante o protesto, as categorias cobram que os herdeiros do Grupo Abril paguem o que devem aos trabalhadores o mais breve possível, e que a família Civita assuma pessoalmente a dívida trabalhista de R$ 110 milhões tornando-se credora da recuperação judicial. A dívida com os trabalhadores representa cerca de 1% da fortuna de R$ 10 bilhões que os Civita acumularam ao longo dos anos e à custa dos que se dedicaram à editora. 

Com a inclusão da dívida trabalhista na recuperação judicial da empresa, até que ocorra todo o processo, não há prazo certo para que os demitidos e dispensados recebam tudo a que têm direito.

Veja reportagem da TVT sobre o protesto

#AbrilComFome

“Temos filhos, temos família e os donos da Abril estão passeando no exterior enquanto não temos dinheiro para colocar comida em casa. Isso é uma imoralidade, uma vergonha e estamos aqui sob a chuva protestando porque a família Civita não paga o que deve. Exigimos que a Abril honre seus compromissos pagando imediatamente os trabalhadores demitidos”, cobrou Paulo Zocchi, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e também jornalista da editora.

Enfrentado a chuva com o filho de um ano e seis meses nos braços, o jornalista Fernando, ex-editor de uma das publicações fechadas pela Abril, afirma que as demissões eram esperadas devido à má gestão da editora, mas conta que recebeu a notícia do calote com muita indignação, depois de 18 anos nos quais se dedicou à empresa.

“O que foi imoral por parte da empresa foi o comunicado do RH dizendo que iam parcelar as verbas rescisórias e a Abril dizer que ia ‘dar’ um salário a mais, quando na verdade ela tinha que fazer isso por lei devido ao atraso de pagamento. Depois, soubemos do pedido de recuperação judicial, ou seja, a Abril mentiu para 800 funcionários. O calote foi uma coisa muito grave, assim como a maneira como foi feito, na calada da noite”, critica o jornalista.

O jornalista Bruno Favoretto trabalhou durante 12 anos na Editora Abril, “virando noites, trabalhando fim de semana e nunca recebi nada por isso”. Ele relata que há três meses o ex-presidente Giancarlo Civita conversou com os trabalhadores da empresa prometendo uma ‘nova fase’.

Na ocasião, ao ser questionado sobre a dívida da editora, o herdeiro do Grupo Abril comentou que “dívida grande não se paga. Quem tem que pagar são vocês, que têm que pagar conta de luz”. Agora, com a recuperação judicial, critica Favoretto, “a Abril nos enquadrou como credores, quer dizer, eu sou a mesma coisa que o Itaú. Essa recuperação judicial foi um golpe. Mentiram e a filha do Giancarlo mora no bairro mais caro de Londres, fica ostentando nas redes sociais e esse cara dorme à noite, ele e os outros Civita. O lucro é dele, mas o prejuízo não é”.  

Mobilização continua

Presidente da CUT Estadual São Paulo, Douglas Izzo, acompanhado do secretário geral, João Cayres, e do secretário de Mobilização, João Batista Gomes, destacou que o momento de dificuldade deve ser de unidade entre os trabalhadores de todas as categorias que estão sendo prejudicadas, pois é o caminho para fortalecer a luta por direitos.

Sobre os donos do Grupo Abril, o sindicalista afirmou: “São péssimos empresários, que fazem matéria em suas revistas como se fossem paladinos da verdade, da justiça e da ética no Brasil, mas, na verdade, são caloteiros que não pagam os direitos dos trabalhadores”.

Mídia comercial apoio o golpe

Para o presidente da CUT São Paulo, “está muito claro porque a Abril e os grandes conglomerados da comunicação no Brasil apoiaram o golpe à democracia e, a partir daí, as ações do Congresso Nacional que abriram a possibilidade de arrancar e precarizar direitos dos trabalhadores. Está claro porque empresas como essa publicaram matérias defendendo a terceirização, a reforma trabalhista e políticas para que eles apliquem a retirada e a precarização de direitos de seus próprios trabalhadores”, concluiu.

O deputado estadual Carlos Giannazi (Psol) esteve no protesto em apoio aos trabalhadores e se comprometeu a realizar uma audiência pública na Assembleia Legislativa, no dia 25 de setembro (terça-feira), às 19h, na qual a direção da Abril será convocada a explicar as demissões em massa seguidas do calote.

“Estamos acionando a Comissão de Direitos Humanos e de Relações do Trabalho, e a audiência terá transmissão ao vivo pela TV Assembleia para dar visibilidade, pois a imprensa não está cobrindo esse movimento”, pontuou o parlamentar.

O ato público ainda teve a participação de Leandro del Roy, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria Gráfica, da Comunicação Gráfica e dos Serviços Gráficos, dos Gráficos de Barueri, Osasco e Região (Sindigráficos) e dos Gráficos de Cajamar, Jundiaí, Vinhedo e Região e do Sindicato dos Radialistas de São Paulo.

Os sindicatos dos Administrativos, dos Distribuidores, dos Gráficos e dos Jornalistas de São Paulo estiveram reunidos nesta quinta-feira (13) com representantes da Delloite Touche Tohmatsu Consultores, administradora judicial da recuperação da Editora Abril (saiba mais). As reuniões continuarão para que as entidades pressionem pelo pagamento da dívida.

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