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Retrocesso

Com reforma, trabalhador terá de pagar se perder na Justiça

Linha fina
Além de ameaçar direitos como férias e jornada, projeto de Temer muda normas do direito e empregados poderão sair devendo custas judiciais e honorários, caso suas reclamações sejam julgadas improcedentes
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Arte: lightwise 123rf

São Paulo – Que a reforma trabalhista de Temer ataca direitos como férias, jornada, horário de almoço, proteção em locais insalubres, já foi informado diversas vezes. Mas o que poucos sabem é que o projeto de lei 6787/2016, em tramitação no Senado como PLC 38/2017, prevê mudanças no direito processual (que determina as regras do processo judicial) extremamente prejudiciais aos trabalhadores.

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“Se o trabalhador mover uma ação, ele pode sair com dívidas. E isso, no médio e longo prazos, vai fazer com que ele desista de apelar judicialmente por direitos como horas extras, danos morais, adicional por insalubridade etc. Ou seja, o projeto de ‘reforma’ trabalhista, além de reduzir conquistas previstas na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] e de enfraquecer o movimento sindical, quer também inibir o empregado de reivindicar seus direitos na Justiça”, alerta o advogado Camilo Onoda Caldas.

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Uma das mudanças do PLC 38 refere-se ao pagamento de honorários periciais, que passaria a ser de responsabilidade “da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita”. Em outras palavras, prevê que o trabalhador pague o perito, caso o laudo seja contrário a ele.

“Se o sujeito perder a perícia, vai ter de pagar os honorários do perito, que variam em torno de R$ 3 mil a R$ 5 mil. E isso mesmo que ele seja beneficiário da justiça gratuita. Isso de antemão já intimida o sujeito de reclamar em casos de ambientes insalubres ou de doença profissional, pois é difícil saber de antemão qual será o resultado da perícia; geralmente há muita disparidade entre os laudos”, diz Caldas.

O autor da ação também terá de pagar caso falte à audiência com o juiz. “Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável”, diz o texto da reforma trabalhista. E se não pagar, não terá direito a uma nova demanda, segundo o projeto.

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Justiça gratuita – Além de determinar que até mesmo os beneficiários da justiça gratuita pagarão custas nos casos previstos, o PLC 38 também tornará mais rígida a concessão desse benefício. Será concedido somente ao trabalhador com “salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”. Ou seja, hoje esse trabalhador teria que ganhar no máximo R$ 2.212,40, já que o teto previdenciário está em R$ 5.531,31.

Caldas lembra que atualmente a lei não determina a existência de nenhum teto para concessão do benefício, apenas prevê que o reclamante não tenha condições de arcar com as despesas de advogado sem prejuízo do sustento de si mesmo e de sua família. “A alteração na lei não retira a possibilidade de obtenção de justiça gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos, mas ao colocar um teto, o Legislativo sinaliza para que o Judiciário trate com mais rigor trabalhadores com remunerações acima do teto, exigindo deles uma comprovação efetiva de sua necessidade.”

Honorários – A alteração mais significativa, segundo o advogado, trata dos honorários de sucumbência, que é o valor pago pela parte perdedora (sucumbente) ao advogado da parte vencedora em função do êxito da ação. Hoje o trabalhador não paga honorários de sucumbência, mesmo se perder a ação. As empresas, porém, pagam honorários de sucumbência nos casos em que o trabalhador vence a ação sendo beneficiário da justiça gratuita e estando assistido por seu sindicato. Para Caldas, o atual formato “estimula, inclusive, o trabalhador a buscar a assistência jurídica do sindicato, pois muitas entidades não cobram honorários de seus associados”.

A reforma trabalhista de Temer altera essa situação e estabelece que qualquer parte perdedora (não mais apenas a empresa, mas também o trabalhador) deverá pagar de 5% a 15% do valor da causa, do proveito econômico ou do cálculo de liquidação ao advogado da parte vencedora.

A lei veda ainda a compensação recíproca de honorários, portanto, cada parte paga o correspondente àquilo que perdeu. “Na prática, se o trabalhador fizer dois pedidos e perder um, terá de pagar de 5% a 15% do valor pleiteado à parte contrária. Dependendo do caso, se ele vencer apenas uma parte da ação, pode terminar sem nada. Dou um exemplo: se o reclamante ganhar R$ 5 mil em um pedido e, ao mesmo tempo, perder um pedido de R$ 50 mil, sendo condenado a pagar 10% de honorários de sucumbência, terá de pagar R$ 5 mil a título de sucumbência. Ganhando R$ 5 mil de um lado e perdendo R$ 5 mil do outro, o trabalhador não receberá nada ao final. Pelas regras atuais, é impossível que isso ocorra. Pelas novas regras, isso certamente ocorrerá em alguns casos”, diz Caldas.

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Diante dessas mudanças, o advogado classifica o projeto como extremamente nefasto ao trabalhador. “As relações capital e trabalho são assimétricas.

O objetivo dessa mudança é aumentar os riscos do trabalhador litigar e diminuir os ganhos dessa ação. Será uma alteração processual que só prejudica o trabalhador, diminui o acesso à Justiça e intimida o empregado de reclamar. No prazo de cinco, 10 anos vai se criar uma cultura de que não vale à pena entrar na Justiça”, reforça.

Tramitação – A reforma trabalhista teve seu trâmite suspenso logo após a divulgação do áudio da reunião entre Temer e o empresário Joesley Batista, dono da JBS, na noite de quarta-feira 17.

Mas já na segunda-feira 22, o relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado,Ricardo Ferraço (PSDB-ES), anunciou que daria prosseguimento à análise da matéria. Nesta terça-feira 23, em audiência pública sobre o PLC 38, senadores da base de apoio de Temer tentaram votar o projeto, enfrentando resistência de parlamentares da oposição.

Outra ameaça do governo Temer, a reforma da Previdência, que na prática acaba com a aposentadoria pública no país, foi paralisada na Câmara dos Deputados, após o escândalo envolvendo Temer. O relator da PEC 287, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), alegou em nota que “não há espaço para avançarmos com a Reforma da Previdência no Congresso Nacional nessas circunstâncias”.

Resistência – A Central Única dos Trabalhadores (CUT), demais centrais sindicais e movimentos sociais organizam o #OcupaBrasilia contra as reformas, pela saída imediada de Temer e por Diretas Já. 

 

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