Brasília – Em cerimônia marcada pela presença de várias autoridades e por protestos realizados tanto dentro como do lado de fora do teatro onde foi organizada, a engenheira e ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior assumiu, no final da tarde de segunda 23, a presidência da Caixa Econômica Federal. O nome de Miriam, que sempre foi considerada uma técnica da confiança da presidenta Dilma Rousseff, já havia sido anunciado desde o início do ano para o cargo. Substituta de Jorge Hereda, sua chegada ao cargo foi alvo de críticas contra a possibilidade de dar início a um possível processo de abertura do capital do banco público.
Na semana anterior, Hereda disse já ter conversado com a presidenta Dilma Rousseff a respeito da hipótese, ventilada desde o final do ano. “A questão é: no Brasil, cabe ou não cabe uma instituição financeira 100% pública? Em minha opinião, cabe”, disse. “Algum analista econômico já calculou qual teria sido o PIB do país se os bancos públicos tivessem se comportado como os bancos privados nos últimos anos?” O agora ex-presidente enfatizou que sua posição não é movida por preconceito contra o capital privado ou por opção ideológica. “É 100% racionalidade. E a presidenta tem total noção papel social do banco como agente de políticas públicas.”
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O protesto foi motivado pelo fato de, apesar da fala de Hereda, não ter havido nenhuma outra sinalização parte do Palácio do Planalto de que a cogitada abertura de capital estaria descartada. Para setores do movimento sindical e social, negociação de ações da Caixa no mercado de capitais poderia conduzir a uma fragilização do papel social e estratégico da instituição.
Miriam Belchior também assume, por exemplo, com o novo cargo, a coordenação da terceira fase do programa Minha Casa, Minha Vida, que prevê a construção de 3 milhões de moradias populares.
Por causa dos dois temas, o mote dos protestos foi a necessidade de uma reforma urbana e a oposição a qualquer iniciativa de participação de capital privado na banco público. “Não à privatização da Caixa”, afirmaram vários servidores. Em gritos de guerra e cartazes, militantes entoaram refrões como “Da Caixa Econômica eu não abro mão”, “Caixa 100% pública" e "Eu defendo a Caixa". Identificaram-se como responsáveis pela mobilização, representantes da União Nacional por Moradia Popular, Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Central dos Movimentos Populares (CMP) e Confederação Nacional das Associações de Moradores.
“Estamos aqui para lutar por um patrimônio que é de todos. Não podemos ficar calados vendo tudo isso ser posto abaixo com uma privatização”, afirmou Eleonora Rocha, uma das integrantes do grupo de servidores. “A abertura de capital vai prejudicar os programas da Caixa e dificultar ainda mais as ações para os mais carentes”, reclamou Elder Miranda, da CMP.
Parceira estratégica - Em seu discurso, Miriam Belchior afirmou que assume o compromisso de intensificar ainda mais o papel da Caixa como parceira estratégica do governo e, também, de mantê-la como “garantidora do direito de ter direito”, principalmente em relação ao que chamou de “projetos voltados para os mais necessitados”. Ela acentuou que há necessidade de ser continuada “uma nova geração de políticas públicas para a redução das desigualdades”.
A engenheira também disse que a entidade teve o papel, nos últimos anos, de aprofundar um projeto detentor do maior apoio da história política brasileira. “A Caixa enxergou na crise internacional a oportunidade de ganhar mercado, ampliou seu crédito mantendo taxas baixas de inadimplência e, dessa forma, ajudou a proteger o Brasil da crise internacional”, afirmou.
Sobre a possibilidade de abertura de capital, alvo dos protestos, Miriam Belchior enfatizou que apesar do assunto estar em estudo, é necessário levar em consideração várias especificidades, motivo pelo qual não há como ser adiantada qualquer questão em relação ao assunto. “Nada poderemos falar a respeito se não houver uma análise mais aprofundada.”
A posse foi realizada com aproximadamente uma hora de atraso e contou com poucos pronunciamentos – além dela, discursaram, de forma sucinta, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o presidente que deixou o cargo, Jorge Hereda. Levy destacou que o trabalho a ser realizado por Miriam é bastante importante para o país e que o governo está atento para que a Caixa tenha solidez. Ele enfatizou que a entidade foi criada num período de consolidação fiscal, há 150 anos, e vai sobreviver a outros.
"Momento de reorientação" - Mesmo diante de interrupções à sua fala com palavras de protesto, o ministro continuou o discurso ressaltando que “o equilíbrio das contas públicas é essencial para o Brasil continuar melhorando”. “O momento é de ajuste, de reorientação para recuperar a força fiscal da estabilidade e fazer com que a poupança continue valendo”, frisou.
Segundo deixou claro o ministro da Fazenda, “em épocas anteriores, a Caixa e o Banco do Brasil tiveram uma série de ativos poluídos”. “Houve um tempo em que a Caixa esteve em risco. Saiu desse risco porque é muito preciosa e foram tomadas ações certas. É um banco que tem um caminho muito certo para operar e, mantido esse caminho, vai continuar sendo uma empresa que cresce e tem valor agregado”, salientou.
Já o ex-presidente que foi substituído por Miriam, Jorge Hereda, lembrou o papel social da entidade e o fato de serem pagos, pela Caixa, aproximadamente 170 milhões de benefícios sociais. Conforme destacou, o crescimento da Caixa Econômica no mercado nos últimos anos é uma prova de que "atender ao povo brasileiro, nosso maior cliente (numa referência aos benefícios pagos à população), consiste num bom negócio”.
Solenidade concorrida - A solenidade, além de Levy, foi prestigiada pela presença de outros oito ministros: Nelson Barbosa (Planejamento), Arthur Chioro (Saúde), Gilberto Kassab (Cidades), Gilberto Occhi (Integração Nacional), Eleonora Menicucci (Política para Mulheres), Ideli Salvatti (Direitos Humanos), Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário) e Miguel Rossetto (Secretaria-geral da Presidência). Também estiveram presentes representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) e da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae).
A ex-ministra assume, com a presidência da Caixa, sua terceira gestão nos governos federais do PT. Inicialmente, ela foi coordenadora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no governo Lula, cargo que deixou para ocupar o ministério do Planejamento, em 2011. E saiu em dezembro do ministério para ser substituída por Levy, já com a garantia de que permaneceria integrando a equipe do governo Dilma.
Hylda Cavalcanti, da Rede Brasil Atual - 25/2/2015
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Solenidade teve atrasos, tumulto e discurso de Joaquim Levy sobre importância de ajuste fiscal. Nova dirigente afirma que abertura de capital precisa ser estudada e não está decidida
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