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Reforma na Previdência para quem?

Linha fina
Especialistas afirmam que implantação da idade mínima para aposentadoria é desnecessária e injusta: sistema de seguridade social opera com superávit e mudança prejudicaria quem começou a trabalhar mais cedo
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São Paulo – “Não precisa de reforma na Previdência, mas se o governo acha que politicamente tem de dar resposta ao mercado e fazer reforma, que faça, mas que não dê a justificativa que é por falta de recurso, porque a Previdência tem superávit.” A afirmação é da professora e pesquisadora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil.

Ela sustenta que o cálculo do déficit previdenciário do governo e divulgado pela mídia não está correto, e sob um argumento difícil de refutar, já que se baseia na Constituição Federal. O artigo 195 determina as fontes de receita do sistema de seguridade social, que além da Previdência abrange o Sistema Único de Saúde e os programas sociais, como o Bolsa Família. Segundo o artigo 195, são quatro as fontes de receita para a seguridade social: tributações sobre a folha salarial, sobre o faturamento e lucro das empresas, sobre as importações e sobre as receitas de concursos de prognósticos (as loterias).

“O governo isola e retira a Previdência de dentro desse sistema de seguridade social, pega uma só fonte de receita, que é a tributação sobre a folha de pagamento e faz a conta receita menos despesa, que dá déficit, mas esse cálculo não esta previsto na Constituição Federal”, reforça.

Segundo Denise Gentil, se for calculado como rege a Constituição, o sistema de seguridade social como um todo apresentou superávit de R$ 56 bilhões em 2014.

Idade mínima – Para Rosa Maria Marques, professora titular de economia da PUC São Paulo, a discussão sobre a introdução de idade mínima para aposentadoria se dá porque a população brasileira está envelhecendo, e isso pode criar um problema financeiro, caso não se altere nada. Mas ela salienta que a idade já é considerada, tanto no fator previdenciário – criado na gestão de Fernando Henrique Cardoso e que diminui o valor das pensões por tempo de contribuição – quanto na fórmula 85/95. O que está sendo pensando, no entanto, vai além disso: a introdução de uma idade mínima igual para todos.

“A discussão da idade mínima não é a solução mais adequada, porque prejudica quem entrou no mercado de trabalho mais cedo.  Além disso, se a realidade mudou, por que não se pensar em outros tipos de contribuição, taxando o capital financeiro, por exemplo?"

A professora da PUC ressalta ainda que por meio do mecanismo chamado Desvinculação de Receitas da União (DRU), cerca de 20% do orçamento da seguridade social são destinados para outros fins, sobretudo para o pagamento dos juros da dívida pública. O governo pretende aumentar para 30% esse montante. Rosa ainda alerta para o fato de que setores políticos, sobretudo dentro do PMDB e do PSDB, pretendem a total desvinculação dos recursos destinados à seguridade social.

Para ela, o mais justo é manter a combinação entre idade e tempo de contribuição, como ocorre atualmente, com a fórmula 85/95.

> Câmara aprova soma 85/95 para aposentadoria

Rosa Maria Marques defende também a mudança no financiamento das aposentadorias rurais. “Quem deveria bancar a contribuição é o Estado, como é na França ou na Espanha, mas no Brasil são os contribuintes urbanos que pagam os rurais”, explica.

Sem prejuízo – Denise Gentil ressalta que muitos dos que se aposentam por idade acabam voltando ao mercado de trabalho, portanto continuam contribuindo para a Previdência e por isso não causam prejuízo ao sistema, pelo contrário.

“O governo fez uma política de desonerações tributárias que atingiu fortemente as receitas da Seguridade Social. Atingiu [as contribuições] Cofins, PIS/PASEP, CSLL e a folha de salários. Isso representou, ao ano, uma renúncia de receita estimada em 2,1% do PIB. Essa perda de receita não pode servir para justificar, hoje, o argumento de corte de gasto na Previdência”, argumenta a pesuisadora da UFRJ.

O pacto para o financiamento do setor foi feito nos anos 1950 com base na relação empregado e empregador, explica Rosa. “O mercado de trabalho era diferente e as pessoas viviam muito menos do que hoje. É preciso um novo pacto onde a sociedade discuta o que ela quer e como vão financiar isso. Certamente uma reforma na Previdência é necessária, mas que não caia nas costas do trabalhador e que não sirva para pagar os juros da dívida pública.”

Pilares da cidadania social - A Previdência Social do Brasil completa 93 anos no dia 24 de janeiro e é, atualmente, uma das principais indutoras do combate à desigualdade no país.

Entre 2001 e 2012, o total de benefícios diretos do segmento urbano cresceu 48% (passando de 11,6 milhões para 17,2 milhões de beneficiários), enquanto na Previdência Rural o acréscimo foi de 38% (de 6,3 milhões para 8,7 milhões). Segundo a Pnad (Pesquisa por Amostra de Domicílio) de 2001, do IBGE, para cada beneficiário direto há 2,5 indiretos (membros da família). Em 2012, a Previdência Social beneficiou, direta e indiretamente, mais de 90 milhões de brasileiros.

A maior parte desses benefícios corresponde ao piso do salário mínimo. Em dezembro de 2012, 46% dos benefícios pagos aos segurados urbanos (7,9 milhões de beneficiários diretos) e a totalidade paga aos rurais (8,7 milhões) tinham valor equivalente ao piso. A expressiva política de valorização do salário mínimo elevou a renda desse contingente em mais de 70% acima da inflação.

Os dados da Pnad 2011 revelam que 82,1% dos idosos brasileiros estavam protegidos pela Previdência Social (a média dos países da América Latina gira em torno de 30% da sua população).

Estudos do Ipea mostram ainda que, entre 2001 e 2011, a Previdência Social contribuiu com 17% para a queda da desigualdade medida pelo índice de Gini. No entanto, no subperíodo 2009-2011, pela primeira vez, os rendimentos da Previdência apresentaram a maior contribuição (55%) para a queda da desigualdade, superior à contribuição do mercado de trabalho (Ipea, 2012).


Rodolfo Wrolli – 22/1/2016
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