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PEC da Previdência é injusta com brasileiros

Linha fina
Eduardo Fagnani, coordenador da pesquisa Previdência: reformar para excluir?, sugere uma reforma tributária progressiva para financiar a seguridade
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Rute Pina, do Brasil de Fato   
16/2/2017


Brasil de Fato – A reforma da Previdência, que tramita esta semana em uma comissão especial na Câmara dos Deputados sob a forma da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, vai impor parâmetros mais duros que os praticados em países que inspiraram a medida, segundo o estudo Previdência: reformar para excluir?, publicado nesta segunda-feira 13.

A avaliação é de que o texto proposto pelo governo de Michel Temer (PMDB) é injusto ao comparar a realidade de um trabalhador rural do nordeste brasileiro à de um trabalhador urbano de países como os da Escandinávia.

"Uma proposta de reforma que se pretenda justa deve considerar a experiência histórica de cada país, seu estágio de desenvolvimento e das condições materiais de vida do seu povo", afirma trecho do documento, que expõe 12 indicadores sobre desigualdade de renda, mercado de trabalho, gênero, expectativa de vida ao nascer, a probabilidade de não se atingir 65 anos.

A reforma da Previdência propõe a idade mínima de 65 anos e tempo mínimo de 49 anos de contribuição para que os brasileiros possam receber integralmente o benefício.

A referência do texto da PEC é a média de 64,6 anos dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No entanto, na prática, a idade para receber o benefício é uma referência, que pode chegar a quase oito anos de antecipação em alguns locais.

Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit), coordenou a pesquisa e destacou que a PEC 287 é ainda mais estrita e desigual porque não há "comparação possível" entre os indicadores sociais e econômicos dos países da Europa e as estatísticas brasileiras.

"Não tem como sequer pensar em inspirar a reforma brasileira na OCDE porque há um oceano que separa estas nações do Brasil, que ainda é um país escravocrata", afirma o economista.

Mais de 20 técnicos e especialistas nas áreas de economia, direito, previdência e mercado de trabalho colaboraram com a pesquisa, que detalha como a PEC 287 promove e agrava desigualdades sociais e econômicas existentes no Brasil.

O documento, organizado pela Plataforma Política Social, é uma iniciativa da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Desigualdades regionais - O presidente da Anfip, Vilson Romero, pondera que, por mais que o Brasil tenha evoluído em diversos indicadores sociais, as diferenças entre as cidades ainda são muito grandes.

"A heterogeneidade das nossas unidades da federação e das nossas comunidades é muito grande para uma proposta tão autoritária que diz que, a partir de agora, todo mundo se deve se aposentar em uma determinada faixa etária", declara Romero.

O estudo indica que apenas 40 dos 5.561 municípios brasileiros são classificados com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado "muito alto", patamar próximo das nações da OCDE. Por outro lado, 2.230 municípios, o que equivale a 40% do total, têm um IDH "médio" — índice semelhante ao de países como Botsuana, Gabão, Indonésia, Uzbequistão, Bolívia e Iraque.

Alternativas - Romero pontua que a proposta do Governo Temer é orientada por um olhar "austero, orçamentário e fiscalista" da Previdência. "Muito antes de ser impor uma ditadura demográfica de se cortar benefícios e alongar prazos, é momento de discutirmos as fontes de financiamento do sistema", propôs.

Já a argumentação de que o envelhecimento da população brasileira vai pressionar as contas "não é o fim do mundo", diz Fagnani. "Diversos países europeus enfrentaram esse problema no século passado e não destruíram seu sistema de proteção social. Hoje, eles gastam cerca de 14% do PIB com a Previdência e, nós, gastamos por volta de 7,5%", afirma.

O economista aponta que o caminho é uma reforma tributária progressiva para financiar a proteção e Seguridade Social. "Temos que fazer essa transição: sair da tributação da base salarial para a taxação do patrimônio, riqueza, da produtividade e dos ganhos do capital", diz.

Segundo ele, o texto da reforma da Previdência tem como base três "premissas equivocadas". A primeira é que o país vive uma catástrofe demográfica; a segunda, que há um déficit da Previdência; e terceira é a falácia de que as aposentadorias no país são "precoces e generosas".

Sem reconhecer a importância de distribuição de renda e proteção social, as mudanças, em vez de equilibrarem financeiramente o sistema, vão desestimular a entrada dos jovens no sistema público da Previdência e, em contrapartida, contribuir para "uma queda de receita brutal" a médio e longo prazo.

"O marketing correto do governo deveria ser 'reformar hoje para quebrar a Previdência amanhã'", diz o economista em alusão ao slogan do governo federal, "Reformar hoje para garantir o amanhã".

Calendário - A publicação da pesquisa ocorre na mesma semana em que a Comissão Especial da Reforma da Previdência da Câmara começa a definir seu roteiro de trabalho. O relator Arthur Maia (PPS-BA) pretende apresentar o parecer na comissão até março.

O estudo da Anfip e Dieese vai ganhar uma versão impressa, que será distribuída nas sessões do Plenário até o final desta semana. Romero acredita que a publicação vai "contribuir para minimizar as perdas das conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras, do campo e da cidade".

Esta não é a primeira publicação da Anfip sobre o tema. A associação lançou uma cartilha em setembro do ano passado para esclarecer detalhes sobre a Previdência.

Com textos curtos e linguagem simples, o novo documento pretende embasar e subsidiar a ação parlamentar e dos movimentos sindicais e populares contra o andamento da proposta do governo de Temer.
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