São Paulo - O acesso à saúde na cidade de São Paulo é um problema recorrente e que atinge milhões de cidadãos. Segundo levantamento realizado pelo especialista em saúde pública da USP, Paulo Puccini, a zona sul é a que mais sofre com a carência de hospitais na capital. O estudo aponta que são necessários 3.436 leitos hospitalares na região para abrigar uma população de aproximadamente 2,6 milhões de pessoas.
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Para cobrar do poder público respostas no investimento em saúde na região, alguns moradores se juntaram na Rede Extremo Sul. Para o líder comunitário da região do Grajaú Antonio Felix Silva, além das reivindicações serem antigas, o que agrava a situação é a falta de profissionais nas estruturas já existentes, como as Unidades Básicas de Saúde (UBS). Em Parelheiros, por exemplo, no extremo da cidade, não há nenhum hospital. O mais próximo fica no Grajaú, cerca de 15 quilômetros de distância. “Há anos estamos na luta para construir o hospital de Parelheiros. No governo da Marta Suplicy já estava tudo certo para ser concluído. Mas depois veio o Serra e o Kassab, que prometeram e não construíram”, relata Felix.
Promessas – De acordo com o Programa de Metas da Prefeitura, conforme estabelece a Lei Orgânica do Município, além do hospital em Parelheiros, estava prevista a construção de duas novas unidades nos distritos de Brasilândia e Vila Matilde. Entretanto, todas as promessas ainda estão em processo de licitação.
Para este ano, foram destinados à Secretaria Municipal de Saúde R$ 5,6 bilhões. Além desse recurso, foram repassados pelo governo federal, somente para atendimento na rede básica de saúde do estado de São Paulo, R$ 37 bilhões.
De acordo com Cid Carvalhaes, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, apesar de os recursos terem aumentado nos últimos anos, falta planejamento e política de estado para a saúde na cidade. Porém, os problemas enfrentados, segundo ele, não podem ser uma ameaça ao Sistema Único de Saúde. “O SUS é uma das mais significativas conquistas da sociedade brasileira”, destacou.
Terceirização – No município de São Paulo, a atuação das organizações sociais (OSs) representa a transferência da gestão pública do SUS para empresas privadas.
Segundo o deputado estadual Gerson Bittencourt (PT), as OSs significam, na verdade, a representação de empresas gerindo a saúde pública, com o repasse do dinheiro público mal investido. “Infelizmente, é o sistema econômico que está ganhando com essa administração das OSs, pois, além de não serem fiscalizadas, pegam toda a estrutura pronta do hospital público e apenas gerenciam”, explica.
O deputado, que também participa da comissão que analisa os repasses de verbas às OSs, explica que os contratos são frágeis. “São milhões de reais investidos e não tem como fiscalizar, por exemplo, quanto ganha um médico ou quais as principais despesas materiais. Além disso, as OSs podem deixar de atender uma margem de 15%. Por exemplo, ela tem a meta de atender 100 pessoas, mas se atende 85 está dentro daquilo que especifica o contrato. O relatório, além de ser frágil, não demonstra na prática o que lemos no papel.”
De acordo com o estudo do especialista Paulo Puccini sobre a atuação das OSs, alguns acordos firmados no contrato com o município ferem os princípios do SUS de universalidade, integralidade e equidade, além de permitir que a operação do hospital público possa ser utilizada pela organização social para gerar receita via venda de serviços. “O hospital público vira um negócio e o cidadão, portador de direito, é expulso da cena”, ressalta o estudo.
As OSs fazem a subcontratação de empresas para administrar hospitais, como no caso do M’Boi Mirim, que tem o serviço realizado pelo Albert Einsten, que, por sua vez, é contratado pela organização social Cejam (Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim).
A organização social teve o seu credenciamento junto a Secretaria Municipal da Saúde em 2006, através de um contrato de gestão. A partir de então, assumiu a administração direta de 17 unidades básicas de saúde, 79 equipes de saúde da família, sete assistências médicas ambulatoriais (AMAs), uma AMA de especialidades e um ambulatório de especialidades, segundo informações da entidade.
“Como já vivido no município de São Paulo, determinadas opções táticas aparentemente sintonizadas com maior produtividade e agilidade podem ter consequências de grande envergadura no colapso de determinados princípios e sobre a natureza da coisa pública”, alerta o estudo de Paulo Puccini.
E completa: “A ideia então hegemônica da saúde como direito, agora, tomou uma rasteira, ensaiada e preparada por todos que adotaram pragmática ou ingenuamente a propaganda dos feitos das organizações sociais”.
Tatiana Melim - 25/7/2012
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Prefeitura transfere administração da saúde para organizações sociais e se exime de responsabilidade; promessas de novos hospitais não saíram do papel
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