São Paulo - Em 1979, baiano de Serrinha, Gilmar Carneiro entrou para a diretoria do Sindicato, após concluir o curso de Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Assumiu a vice-presidência da entidade em 1982 e viveu o difícil período da intervenção de 1983. Presidiu o Sindicato de 1988 a 1994 e só deixou a diretoria da entidade em 1997, mas permanece conectado ao movimento sindical e considera a sede dos bancários a sua casa. Atualmente, Gilmar é assessor do presidente da CUT, Vagner Freitas. Apaixonado por comunicação, mantém um blog com atualizações diárias sobre política e economia. Gilmar - na foto, à esquerda de Luiz Gushiken - toca clarinete, frequenta ao menos uma vez por mês a Sala São Paulo e estufa o peito para dizer que foi para combater a ditadura que entrou para o Sindicato.
> Página especial com as entrevistas dos 90 anos
Quem apresentou você ao movimento sindical?
Tita Dias (diretora do Sindicato na década de 1970). O marido dela fazia Administração Pública. Eu e o Luiz Gushiken cursávamos Administração de Empresas. Ela trabalhava no Banerj comigo (depois no Real). Eu atuava no movimento estudantil desde 1974 e no banco. Em 1973, antes de eu entrar na universidade, mataram o Alexandre Vannucchi (preso pelo DOI-Codi e torturado até a morte). Em 1974, prenderam 19 alunos da USP. Era jogo duro. Em 1976, fiz campanha para o Eduardo Suplicy para deputado estadual. Minha família já era militante na Bahia.
Quando você veio para São Paulo? E para o Sindicato?
Em janeiro de 1970 [para São Paulo]. Fui trabalhar na Nova Cantareira, na área administrativa de uma loja de panela. Eu tinha 16 anos e era office boy. Só não vendi remédio e tecido, o resto eu vendi de tudo. Já no Sindicato, foi quando (1979) o Gushiken me chamou e eu fiquei com muita dúvida se eu vinha. Perguntei, “qual é a vantagem de eu ir para o Sindicato?”. E ele disse que tinha espaço para derrubar a ditadura. Foi essa a política que me fez entrar.
Qual era o maior desafio de aproximar os trabalhadores do Sindicato?
Eram 24 mil bancários trabalhando à noite. Eu chegava cedo, mas à noite, pegava uma Kombi e ia distribuir a Folha Bancária. Na eleição de 1982 eu propus que tivesse diretor à noite. O banco funcionava 24 horas.
Como foi assumir a presidência do Sindicato?
O difícil não foi assumir a presidência, foi sair. Você acostuma a ser comandante de tropa, vai fazer outra coisa e o papel de incendiário e movedor de montanhas você perde. Cuidei de boletim, regionais, pegava a FB da semana e perguntava para os funcionários o que tinha saído no jornal de tal dia. Sempre fui linha dura, sempre trabalhei muito, mas sempre exigi que as pessoas trabalhassem muito também.
Como os banqueiros reagiam diante da organização do Sindicato?
Chamando a polícia, chamando o Deops, demitindo bancários. Em alguns bancos tentavam corromper dirigentes sindicais, com dinheiro e festas para os pelegos. Na ditadura isso era muito comum. Quando não conseguiam, colocavam a polícia para perseguir o trabalhador. Entramos para arrepiar os patrões, para arrepiar o governo, para organizar uma central sindical, um partido político. Naquela época, ou a gente ia brigar muito ou então bancário não seria ninguém.
Em que período a precarização do trabalho foi mais latente no país?
Agora. Por conta das terceirizações. Na nossa época tínhamos um milhão de bancários. Hoje três milhões de pessoas trabalham para banco e só tem 500 mil bancários [no Brasil].
Como você avalia a atuação do movimento sindical bancário?
É muito mais difícil ser sindicalista agora do que na nossa época, quando a gente era preso. Mas do ponto de vista da relação com a massa, com a sociedade, era muito mais agradável e motivador.
Quais você considera serem as principais conquistas da sua gestão?
A principal foi aumento do piso. Assim como no governo Lula, uma das principais conquistas foi o aumento do salário mínimo, a valorização. Nada foi mais importante para a classe trabalhadora que isso. O tíquete também ajudou, mas o piso foi essencial.
Na época do Plano Collor, clientes com dinheiro bloqueado “iam pra cima” do bancário nas agências. Como o Sindicato lidava com isso?
A gente fazia muita campanha de esclarecimento para conscientizar a população. O Collor foi uma estrela cadente, ele se desfez muito rápido, foi fácil “bater no governo”. As privatizações na época do Fernando Henrique Cardoso, os salários que ele congelou durante 10 anos, foi mais difícil [enfrentar]. Muitos funcionários do BB se suicidaram. Foi uma coisa perversa, foi mais difícil que a era Collor para todas as categorias.
Que momento você considera mais importante na democratização do país?
Do ponto de vista histórico, os três momentos fundamentais na história do Brasil que a direita não reconhece: a organização da Teologia da Libertação da igreja católica, a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e a criação da Central Única dos Trabalhadores. A CUT é a primeira central sindical da história do Brasil. O tempo do Brasil é agora, é o século XXI. Acabaram com a teologia da libertação, mas não acabaram com o PT e com a CUT.
Como foi sua participação na criação da CUT?
Para fazer a CUT nós fomos pedir autorização para o Dom Paulo Evaristo Arns, na casa dele, em 1983. O Lula aprovou, Franco Montoro, então governador do estado, aprovou e Ulysses Guimarães foi a favor. Então fizemos a CUT, que começou com uma autorização da igreja, a igreja de Dom Paulo. O que mais marcou foi que a CUT deu voz e vez à classe trabalhadora brasileira. A morte de Margarida Maria Alves (sindicalista rural morta em 1983 na Paraíba) causou grande repercussão na mídia. Depois, a morte de Chico Mendes (em 1988), membro da CUT e da direção nacional, teve grande repercussão. Os patrões começaram a ficar preocupados.
E sua história com a comunicação? Você foi o primeiro diretor de comunicação nacional da CUT.
Quando eu era diretor de comunicação da CUT eu dizia que nossa missão era fazer com que a sociedade visse a Central como algo importante pra ela. Da mesma forma que a categoria via o Sindicato como a lei, a CUT teria de ser a lei. Hoje, 30 anos depois, somos a quarta maior central sindical do mundo e a maior da América Latina.
Como foi levar suas experiências sindicais no Brasil para outros países quando você foi do Comitê Mundial da UNI (Union Network Internacional)?
Foi uma guerra. O pessoal me via como um comunista doido, como esquerda radical. A CUT era vista como algo radical. Mas hoje temos o Marcio Monzane (UNI Finanças) que representa os bancários e abriu muitas portas.
Qual o maior desafio para o movimento sindical hoje?
Não perder seu papel histórico: o avanço da democracia. Nós tivemos um papel importante que foi acabar com a ditadura. Não demos o passo qualitativo após a ditadura. Tem de se fazer uma nova Constituição, pois essa não presta para o Brasil de hoje, ela é nociva, ela tem imposto sindical, representa o medo da ditadura. Nós não temos que ter uma Constituição que olhe pra trás, e sim que olhe para o Brasil moderno.
Traduza a sua historia de militância em uma palavra.
Ousar. Se perder a ousadia é melhor ir embora.
Jair Rosa e Gisele Coutinho - 22/4/2013
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