São Paulo - A exposição de trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, durante a jornada de trabalho é considerada assédio moral. No entanto, nos últimos 30 anos, a prática ganhou novos contornos e características, principalmente por conta de um novo modelo organizacional das empresas com objetivo para lucrar, colocando o indivíduo em um plano muito inferior.
“O sentimento de injustiça pode ser causado quando existe iniquidades na divisão da carga de trabalho, nas formas de recompensas ou quando as avaliações ou as promoções não são decididas de um modo transparente e apropriado”, expôs Ângelo Soares (foto à esquerda), sociólogo do trabalho e professor da Universidade do Quebec, em Montreal.
Ao lado de outros especialistas, Ângelo palestrou durante o 1º Ciclo de Debates sobre Assédio Moral e Discriminação nas Relações de Trabalho, que ocorreu nesta quinta-feira 18, com organização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Estado de São Paulo (SRTE/SP).
O evento lotou os auditórios do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo (Sindpd) e contou também com a presença de dirigentes sindicais bancários.
A médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Margarida Barreto, falou sobre o que ela considera ser a armadilha do assédio moral. “É tudo de bom para um empregador afirmar que o ‘João’ assediou a ‘Maria’, e que a empresa não tem nenhuma relação com isso”. Ela explicou que, realmente, o maior desafio, é perceber as subjetividades no comportamento dos trabalhadores vítimas de assédio.
Metas x Saúde – Para Margarida Barreto, são muitos os itens que geram conflitos e podem se desdobrar em assédio moral: metas variáveis, flexibilidade de jornada, ampliação de jornada pelo medo do desemprego, entre outros pontos bem comuns na rotina da categoria bancária. “O medo é um sentimento potente que mobiliza e intimida o trabalhador”.
A médica (foto ao lado) ainda criticou o que chama de “gestão do medo, da desconfiança, da insegurança e das normas sem limite”.
A especialista destacou que o ‘corpo gritou’ quando os trabalhadores faziam tantos esforços repetitivos em suas rotinas, com a projeção das LER/Dorts, e que hoje, a ‘cabeça grita’, com o crescimento de tantas doenças psíquicas e mentais desenvolvidas no local de trabalho.
“Por conta do medo, o presenteísmo hoje é um fenômeno no Brasil. As pessoas vão ao trabalho mesmo doentes”. Outra crítica de Margarida foi à falta de solidariedade dos próprios trabalhadores. “´É banalizar a violência”, comentou, ao exemplificar que muitos funcionários adotam o discurso da empresa ao concordar que o trabalhador adoecido está nesta situação por conta de fragilidades do indivíduo. “Existe uma seleção de ‘guerreiros da produção’. São pessoas com saúde perfeita, selecionadas para trabalhar até morrer”, ressaltou.
Os motivos do limite – Luciana Veloso (foto abaixo), auditora fiscal do trabalho na SRTE/SP e mestre em Direto Político e Econômico do Trabalho, salientou que, normalmente, assédio moral começa em casos de discriminação, seja por gênero, raça, orientação sexual ou outros motivos.
Em outros casos, a própria militância da pessoa, que se interessa pelo sindicalismo para defender os direitos da sua categoria, também se desdobra em perseguições que culminam em assédio moral.
A auditora também utilizou como exemplo o fato de que no local de trabalho, alguns gestores realmente sentem prazer em assediar o funcionário, mas que, em diversos casos, esse gerente também está sendo assediado e, por medo, passa a praticar o assédio moral institucionalizado.
E é essa frustração por não poder fazer um trabalho de qualidade e com responsabilidade que, para a médica Margarida Barreto, leva tantos ao adoecimento mental. “Quando um trabalhador tem depressão, não é fossa, nem baixo astral, é uma pessoa que não sente mais prazer e pode resolver acabar com a sua própria vida. Isso não é suicídio, e sim assassinato corporativo”.
Conquista do bancário – Com organização e mobilização, os bancários conseguiram incorporar o tema assédio moral às lutas cotidianas. Na Campanha Nacional de 2010, após 15 dias de greve, a categoria conquistou a inclusão da cláusula de combate ao assédio na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), renovada na campanha de 2012 e que já faz parte das prioridades para a Campanha 2013, quando 85,3% dos bancários que responderam a consulta querem discutir metas abusivas e 83,2% o combate ao assédio moral.
Desde 2011, quando o instrumento passou a funcionar, o Sindicato recebeu 860 denúncias. Do total, 602 foram resolvidas com ação sindical (reunião no local de trabalho ou protestos), outras 224 foram enviadas ao banco e 181 foram resolvidas. Somente 34 foram recusadas por falta de argumentos. Além disso, há casos de bancários demitidos e que foram reintegrados devido ao programa.
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A denúncia precisa estar bem fundamentada, de forma que possa ser checada pelo Sindicato antes de ser encaminhada ao banco. Os nomes dos empregados, denunciante e denunciado são preservados. O Sindicato tem prazo de dez dias úteis para apresentar a denúncia ao banco, que, por sua vez, tem 60 dias corridos para apurar o caso e prestar esclarecimentos ao Sindicato.
Gisele Coutinho – 18/7/2013
Linha fina
Males causados fazem com que funcionários de empresas cometam até o suicídio, chamado por especialista de “assassinato corporativo”
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