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Sindicato busca arquivos desaparecidos na ditadura

Linha fina
Documentos podem resgatar história da categoria e ajudar nos trabalhos da Comissão da Verdade instaurada para esclarecer fatos ocorridos durante o regime militar
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São Paulo – O Sindicato estabeleceu uma Comissão da Verdade que busca esclarecer fatos obscuros envolvendo a perseguição estatal ao movimento bancário e seus trabalhadores durante a ditadura militar. O objetivo é resgatar a memória dos bancários e dirigentes presos, torturados e mortos no período.

A pesquisa é baseada nos depoimentos de trabalhadores e dirigentes que viveram o regime militar. A partir deles, a comissão vai traçar uma linha do tempo que jogará luz sobre os acontecimentos entre 1964 e 1985.

A entidade também está à procura de arquivos e documentos que possam recuperar partes esquecidas da história da entidade e da classe bancária. Muitos deles se perderam durante os 21 anos de ditadura militar, quando a entidade viveu acorrentada pela falta de liberdade sindical e sob ameaça constante de intervenção estatal.

No final do ano passado, uma série deles retornou à entidade numa história que será contada nas próximas linhas. Você também pode colaborar encaminhando ao Centro de Documentação do Sindicato (Cedoc) documentos que contam a história da entidade e da categoria. Caso tenha informações sobre arquivos dessa natureza, ligue para 3188-5200.

Era do medo – Década de 1970. O Brasil vivia o ápice do regime militar. Prisões arbitrárias, desaparecimentos e assassinatos de militantes ocorriam com frequência assustadora. Nenhuma entidade ou organização de trabalhadores escapava da vigilância do regime autoritário e do cerceamento atroz das suas atividades. O Sindicato não foi exceção à triste realidade daqueles anos.

Por conta das perseguições políticas, em muitos momentos a necessidade de se esconder os fatos documentados foi crucial. Simples arquivos como atas de reuniões, fichas de formação sindical ou fotos eram suficientes para levar à prisão um trabalhador ou um militante sindical.   

Essa atmosfera ameaçadora, aliada às duas intervenções estatais que o Sindicato já havia encarado – a primeira em 1964 e a segunda em 1970 –, fez com que documentos importantes e potencialmente incriminadores fossem retirados da entidade. Essa tarefa ficou a cargo de diversas pessoas entre bancários, dirigentes sindicais e militantes. Pessoas como a então bancária Maria Elisabete Pereira, conhecida como Bete Campos Elísios (foto).

Militante do PCB na região da Vila Carrão, zona leste, Bete começou sua carreira bancária em setembro de 1974, após passar em concurso do Banco do Brasil. Sua primeira ocupação na instituição pública foi em agência localizada na Alameda Nothman, no bairro Campos Elísios, onde também começou sua atuação sindical.

A então bancária buscou a sindicalização em março de 1975, com o pretexto de querer fazer um tratamento dentário, já que o Sindicato tinha um departamento odontológico naquela época. “Passei por um verdadeiro interrogatório. Um diretor da entidade me encheu de perguntas do tipo por que eu queria me sindicalizar, quem eu conhecia etc. Em cima da sua mesa havia uma metralhadora. Alguns dias depois, o gerente regional do Banco do Brasil já sabia que eu tinha estado no Sindicato e também me questionou o motivo”, conta Bete, descrevendo o clima da época e a atuação da entidade, aprisionada pelos atos institucionais ditatoriais.

Herzog – Alguns meses depois, em outubro de 1975, jornais do mundo inteiro noticiaram a morte do jornalista Vladimir Herzog, nas dependências do 2º Exército, em São Paulo, junto com a famosa fotografia em que aparece pendurado por um cinto no pescoço, mas em uma altura em que poderia perfeitamente se apoiar com os pés, caso estivesse vivo. A versão oficial alegava suicídio.

Movimentos sociais de resistência à ditadura militar contestaram a versão fornecida pelo Estado. Uma semana após a morte do jornalista, cerca de oito mil pessoas participaram de um ato ecumênico organizado por D. Paulo Evaristo Arns, pelo reverendo James Wright e pelo rabino Henri Sobel.

“Com a morte do Herzog, começa uma série de manifestações, os estudantes, a classe artística, organizam muitas passeatas, e há muito choque com a polícia. Os crimes da ditadura ficam mais visíveis. Isso acaba impulsionando a luta, mas ao mesmo tempo há o temor de um recrudescimento do regime”, avalia Bete.

Temor da reação – Foi nesse cenário que, segundo Bete, uma série de documentos que contam a história da entidade e da categoria foram deixados sob sua responsabilidade. Muitos desses arquivos estavam em posse de um militante do PCB, o advogado Rubens Vasconcellos. “Com a morte do Herzog e o receio de um recrudescimento do regime, optaram por deixar esses arquivos nas mãos de militantes menos visados pelo regime, como eu”, conta Bete, que à época tinha 23 anos.

Pouco tempo depois, ela e seus companheiros de oposição foram proibidos pela diretoria pelega da época de frequentar o Sindicato. Ao mesmo tempo começa a surgir o debate de que a sindicalização era o caminho ideal tanto para enfrentar o regime quanto criar condições para que se pudesse eleger nova diretoria e restabelecer a democracia na entidade. “Começamos a pressionar o Sindicato até que conseguimos montar uma frente de oposição, ainda em 75, com o Augusto Campos encabeçando a chapa”, recorda Bete.

Tesouro recuperado – A democracia se restabeleceu. Primeiro no Sindicato – mas apenas em 1979, com a vitória da chapa liderada por Augusto Campos –, e depois no Brasil, em 1985. Os anos passaram e os documentos em posse de Bete foram esquecidos.

“Acho que é até um efeito subliminar, porque era para a gente se esquecer mesmo deles. Anos depois eu até me lembrei, mas já estava no processo de participar da composição do governo Lula”, conta Bete, que integrou a Secretaria de Políticas para as Mulheres.

Os documentos compõem verdadeiro tesouro como a ata de fundação do Sindicato, datada de 1923, com os nomes da primeira diretoria, os primeiros jornais do Banespa, documentos sindicais de formação e de negociação, as primeiras bandeiras de defesa da categoria bancária, minutas de reivindicação, dentre outros. “Guardei esses arquivos consciente de que qualquer história deve ser preservada, seja ela boa ou ruim. Mas a trajetória da nossa categoria é muito importante e tem de ser protegida, porque relata fatos de pessoas que lutaram por avanços e direitos da classe”, afirma Bete.


Rodolfo Wrolli - 13/1/2014

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