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Desafios da política para mulheres em São Paulo

Linha fina
Denise Motta Dau, na secretaria municipal desde sua criação, há um ano, fala sobre projetos de prevenção à violência contra a mulher
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São Paulo – As mulheres de São Paulo contam com um espaço institucional na prefeitura para ajudar a superar as desigualdades de gênero historicamente presentes na sociedade: a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM), criada no primeiro dia de gestão do prefeito Fernando Haddad, em 2013.

Somente em São Paulo, vivem cerca de seis milhões de cidadãs. Um ano depois da criação da pasta, o maior desafio da secretária Denise Motta Dau é colocar em prática projetos em parceria com outras secretarias. Oriunda do movimento sindical, Denise recebeu a reportagem do Sindicato em seu gabinete, em um prédio próximo à prefeitura, para falar sobre o andamento de algumas propostas em pleno Mês da Mulher.

Qual a função primordial da SMPM?
A missão principal é a formulação e execução de políticas voltadas para as mulheres, que dialoguem com suas necessidades nas mais diversas áreas: no enfrentamento à violência, na área da autonomia econômica implementando e potencializando a geração de trabalho e renda, na participação social. E uma missão que achamos estratégica é a intersetorialidade das ações, que, embora a SMPM tenha seus serviços e programas, mantenha interface com as secretarias, inserindo propostas nos programas de governo. Nosso trabalho tem sido no sentido de a Secretaria da Educação ter metas voltadas para as mulheres, o que passa muito pela questão do aumento da escolaridade e pelo acesso à creche. Da Secretaria de Serviços ampliar a iluminação da cidade a partir dos pontos onde há mais violência contra a mulher. Que a Habitação priorize as mulheres vítimas de violência no acesso ao aluguel social. Que a Secretaria do Trabalho pense programas específicos para a capacitação profissional e inserção das mulheres no mundo do trabalho inclusive em profissões que não são tradicionalmente femininas. Então, nosso desafio é além de estruturarmos nossas próprias ações, que no conjunto das políticas de governo, as demais áreas estejam também pensadas em conjunto conosco.

São Paulo recebe trabalhadores e trabalhadoras de outras cidades e estados. Como você vê a luta da mulher trabalhadora em São Paulo na busca por igualdade de salários e tratamento e o que a SMPM faz nesse sentido?
Acho importante levar em conta que ainda, no nosso país, as mulheres dedicam 22 horas semanais para a execução de tarefas domésticas enquanto os homens dedicam apenas 10 horas. Ainda há uma divisão sexual das tarefas que interfere nas relações de trabalho. Para nós, é fundamental que a área da autonomia econômica seja potencializada, pois se trata do empoderamento real da mulher, é o que garante que ela não tenha dependência financeira do seu companheiro ou da sua família. Então, estamos implementando projetos que pensem ações no âmbito da economia solidária, estimulando o cooperativismo, para garantir alternativas de renda.

E essa autonomia financeira também é importante para a mulher que sofre violência em casa se livrar desse problema, não é?
Sim, esse também é um componente importante para a mulher que depende exclusivamente economicamente do agressor. Mas temos aprendido que é preciso muito mais para que elas rompam efetivamente com a situação de violência. É preciso acompanhamento não só jurídico, para que ela saiba dos seus direitos e possa acessar plenamente o que a Lei Maria da Penha prevê. Não simplesmente essa questão da autonomia econômica, embora ela seja estratégica, mas é fundamental um acompanhamento psicológico e social.

Recentemente foi divulgado o relatório da comissão do Senado sobre a violência contra a mulher no Brasil. Qual o papel da SMPM no combate a esse tipo de violência no município?
O papel do município é a ampliação da rede de enfrentamento da violência contra a mulher e a qualificação dessa rede, que são os centros de referência, os centros de cidadania, defensoria pública, delegacia da mulher. Aqui em São Paulo está em processo de licitação pelo governo federal a construção de uma Casa da Mulher Brasileira, que é parte do programa da presidenta Dilma, o Mulher, viver sem violência, lançado aqui em São Paulo em agosto de 2013. Teremos também ao lado da Casa Eliane de Grammont a construção da primeira casa de passagem, que hospeda mulheres ameaçadas, por 15 dias renováveis por mais 15 dias, diferente da casa abrigo, que é para mulheres com risco iminente de morte. Até o final da gestão teremos mais uma casa abrigo além da Eliane de Grammont.

Essas medidas são todas para quem já enfrentou violência. E na prevenção, como vocês estão atuando?
No dia 24 de março vamos lançar a campanha Quem Ama Abraça. Uma estratégia importante no trabalho de prevenção é que as ações neste mês serão descentralizadas, em diversas regiões da cidade, todos os sábados do mês, com tendas, com oficinas de gênero e distribuição de cartilhas. A chave de tudo isso é informação, também dirigida para os homens, sobre assédio sexual nos meios de transportes, por exemplo. A ideia é fazer a prevenção à violência nos próprios centros de referência. Muitas mulheres vão até os centros para fazer oficinas de artesanato, por exemplo, e quando se sentem confortáveis se abrem sobre problemas de violência física ou psicológica.

Vinda do movimento sindical, como a secretária avalia a atuação do setor na luta pelos direitos da mulher trabalhadora? Em especial a luta da Central Única dos Trabalhadores e do Sindicato dos Bancários.
O Sindicato dos Bancários foi pioneiro ao debater questões de gênero com os bancos. Isso é uma prática muito importante no movimento sindical, ter garantia de direitos e igualdade na convenção coletiva, por exemplo. O Sindicato dos Bancários é o único que conheço que fez abordagens das relações compartilhadas e que debate o assunto. É um sindicato de vanguarda, uma referência.

O movimento sindical como um todo, e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), historicamente com sua Comissão e agora Secretaria da Mulher Trabalhadora, sempre teve essa marca de orientar seus sindicatos pela luta por salário igual por trabalho de igual valor, além da reivindicação de ascensão profissional na carreira e por cargos de maior comando. Isso tudo ajuda a mudar esses indicadores que ainda apontam a mulher com remuneração desigual ao salário do homem. Os sindicatos também devem mover essa agenda e levar as reivindicações aos empregadores. É uma missão de todos, inclusive das empresas.

É notável o crescimento dessa igualdade?
Cresceu. Vemos muito mais mulheres nas instâncias partidárias, no sindicalismo, nas empresas e governos, cotas nos partidos, muitas centrais sindicais têm cotas. A CUT aprova desde 1994 cotas de gênero de no mínimo 30% e recentemente aprovou a paridade, mínimo de 50% de mulheres. Fizemos um projeto de lei em São Paulo e estamos trabalhando para aprovar. Ele garante 50% de participação das mulheres nos conselhos de controle social, então, essa agenda ganhou mais visibilidade, mas não o suficiente para erradicar a violência. A discriminação no mundo do trabalho ainda é muito presente.

Qual o compromisso da sua gestão com direitos de lésbicas e transexuais?
Trabalhamos algumas ações voltadas às mulheres lésbicas, pois a discriminação, preconceito, também é violência. Além disso, a violência física e psicológica também acontece entre casais homoafetivos. Também estamos trabalhando para o público transexual e travesti o direito ao uso do nome social, uma campanha com a secretaria de Direitos Humanos. Se a pessoa é travesti ou transexual ela não pode ser chamada pelo nome da identidade de gênero biológico masculino, mas sim pela identidade de gênero que ela tem emocionalmente, psicologicamente, que leva o nome social.

Formulamos o projeto TransCidadania Brenda Lee, coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos. Esse programa é para pensar o aumento da escolaridade, a qualificação profissional e a empregabilidade desse público. A luta é para que essas pessoas, de forma voluntária e consciente, saiam do que elas chamam de “fazer a noite”, que é exploração sexual.

O objetivo do projeto é garantir empregabilidade, pois muitas empresas não empregam esse público. E quando empregam é em atendimento de telefone, na retaguarda, no telemarketing. A palavra para esse público é visibilidade, é se afirmar com uma nova identidade de gênero, então é muito delicado você querer fazer um programa para essas pessoas trabalharem onde elas não são vistas. Portanto, a ação pensa uma série de políticas de saúde, educação, trabalho. Muitos meninos do interior, do norte e do nordeste vêm para São Paulo e caem nas mãos de exploradores, que prometem implante de cabelo, de silicone, por troca de eles “fazerem a noite”. Às vezes são meninos de 15 anos. Eles fogem do preconceito da família, do bairro deles, deixam a escola, e muitos caem nessa rede de exploração. Que profissão ele vai ter? Quando esse jovenzinho estiver com 40 anos de idade você o emprega num telemarketing para ele ganhar um salário mínimo por mês? Um salário mínimo não paga o aluguel dele e não se equipara ao que ele ganha numa noite. Então, a ideia é ter abordagem para os jovens que chegam aqui e não têm essa oportunidade. Deve ser um programa específico em parceria com as empresas. É um projeto muito bonito. Assim como o programa Braços Abertos que tem uma abordagem inédita é uma tentativa que está dando certo, o TransCidadania também é muito inovador.

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Gisele Coutinho – 7/3/2014

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