O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, vai discutir com o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), 13 temas de interesse exclusivo dos ruralistas. O encontro consta da agenda oficial do ministro do dia 23.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
Entre pontos elencados em ofício encaminhado pelo dirigente da FPA, que foi vazado, estão a articulação política para aprovação do PL 6.299/2003 – mais conhecido como Pacote do Veneno–, a revisão da composição, competências e perfil dos integrantes do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e do tempo de julgamento de processos de autos de infração do do Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). A pauta inclui ainda rever o Decreto 6.514 de 2008, que trata das infrações e sanções administrativas por agressão ao meio ambiente, estabelecendo processo administrativo federal para apuração dessas infrações.
Na prática, isso significa que o agronegócio está sendo recebido pelo titular do Meio Ambiente para tratar de assuntos que não são de interesse ambiental e muito menos da sociedade. O Pacote do Veneno tem a missão de afrouxar ainda mais as atuais regras para registro, produção, comercialização e utilização de agrotóxicos.
Esses produtos são reconhecidamente causadores de câncer, malformações congênitas e uma infinidade de problemas graves, incapacitantes e que podem matar a médio e longo prazo. Sem contar a contaminação de rios, lagos e aquíferos. Sem contar o risco de perda de negócios no comércio exterior.
A mudança da configuração do Conama está associada ao controle do agronegócio também nessa instância, responsável entre outras coisas pela aprovação de políticas ambientais. Para isso, pretendem esvaziar a participação da sociedade e de especialistas, eliminando assim o controle social.
Ministério e ruralistas pretendem também modificar todas as regras envolvendo a fiscalização ambiental, afrouxando normas para facilitar a vida de desmatadores e poluidores e endurecer penalidades contra servidores que vierem a multar.
Na segunda-feira, reportagem da Folha de S.Paulo informou que o ministro Salles estuda a criação de regras que permitam punir fiscais que apliquem multas consideradas inconsistentes pela pasta. O plano é responsabilizar os servidores que tenham autos de infração revertidos em outras instância.
Articulação
Representante do Ministério Público Federal no Conama e coordenadora adjunta do Fórum Nacional contra os Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, a procuradora regional da República Fátima Borghi considera extensa a pauta discutida entre ruralistas e o Ministério do Meio Ambiente (MMA).
“Abarca uma rede de modificações que me parece vaga e daí para pior. Vai precisar de um estudo aprofundado de cada item. Há itens que precisam de reformas, mas para maior proteção ao meio ambiente ou para acabar com a falsa imagem de proteção quando o que ocorre hoje em dia é a proteção insuficiente", disse a procuradora, que pretende levar a discussão, ponto por ponto, à Quarta Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal. "Precisamos conversar com especialistas na área, de forma a apontar as melhorias necessárias e buscar impedir retrocessos".
Fátima defende ainda a imediata articulação com toda a sociedade civil, com apoio das mídias sociais, já que o Congresso está muito diluído, com atenção voltada principalmente à eleição de mesa diretora. “Toda a sociedade precisa abrir um campo de resistência, pressionar seus deputados".
Formação de milícias
A movimentação entre ruralistas e o ministro não chega a surpreender, conforme avaliação do coordenador da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Alan Tygel. "Ricardo Salles é diretamente ligado ao agronegócio. Já trabalhou para a Sociedade Rural Brasileira (SRB), e sua indicação foi comemorada pelo Nabhan Garcia, presidente da UDR (União Democrática Ruralista) envolvido com porte ilegal de armas e formação de milícias", destaca.
Tygel considera que, ao atender o chamado da bancada ruralista, Salles comprova o temor de que representaria um "anti-ministério do Meio Ambiente, ou um ministério anti-Meio Ambiente, cuja única razão de existir é não atrapalhar os latifundiários do agronegócio responsáveis pelo desmatamento no Brasil".
Além disso, a agenda da reunião não foge ao que vem sendo a pauta dos ruralistas, com a liberação de agrotóxicos, a flexibilização do licenciamento ambiental e fim das multas, através de mudanças no Conama.
"No caso da primeira agenda, referente aos agrotóxicos, a colaboração de Salles se dará em duas medidas: liberação geral do registro de agrotóxicos dentro do MMA, e apoio político para aprovação pelo Congresso do Pacote do Veneno, para que o MMA nem precise mais opinar no registro", afirma.
No entanto, conforme destaca Tygel, é muito grave alteração no Conama, já que o órgão está inserido na estrutura do Ministério. "Assim, este órgão que é responsável por criar e aplicar normas ambientais, poderá ficar bastante fragilizado. O Conama, entre várias atribuições, é responsável por decidir em última instância sobre multas impostas pelo Ibama, e estabelecimento de critérios para o licenciamento de atividades poluidoras".
A expectativa, segundo ele, é das piores: um ministério contra o meio ambiente, que fará de tudo para limpar o caminho de poluição, doença e morte para o agronegócio.
Apesar da importância da questão ambiental no campo internacional, que poderia se reverter em pressões contra o governo de Jair Bolsonaro (PSL), a base ruralista tem grande força. Tanto que foi fundamental na eleição do ex-deputado federal e mais ainda na sua sustentação, conforme lembra o coordenador da Campanha Permanente.
"A marca deste governo, sem dúvida, é a completa confusão e desorganização. Mas caso ele recue em relação às demandas históricas dos ruralistas, pode ser o tiro de misericórdia. Seguiremos acompanhando atentos, especialmente em relação à tramitação do Pacote do Veneno e da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, ambas prontas para ir à votação no plenário da Câmara".
Gravado na Granja do Torto, logo após a eleição de Bolsonaro, o vídeo abaixo circulou nas redes sociais. Mostra o então futuro ministro junto com o dirigente da Sociedade Rural Brasileira, deputado federal eleito Frederico D’Ávila (PSL-SP) e o “comandante em chefe das forças agrícolas”, o presidente da União Democrática Ruralista (UDR) Luiz Antônio Nabhan Garcia, atual secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura.