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Debate

Reforma trabalhista escraviza e empobrece os trabalhadores

Linha fina
Pesquisadores e parlamentar afirmam, durante mesa da Conferência Nacional dos Bancários, que nova legislação aprofundará desigualdades; diante do cenário, é preciso repensar a luta a fim de revogar os retrocessos
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Foto: Anju

São Paulo – “As últimas pesquisas mostram que o projeto neoliberal do governo Temer tem apoio de 5% da população. Quando vamos nos convencer que 5% não são imbatíveis diante de 95% da população brasileira?” Com essa provocação, o senador da República Roberto Requião (PMDB-PR) abriu a mesa sobre reforma trabalhista durante a 19ª Conferência Nacional dos Bancários, na tarde de sábado 29.

Para Requião, a sociedade não se mobiliza porque está frustrada com a classe política, dominada pelos empresários. Como exemplo, citou a votação da reforma trabalhista. “Foi uma votação de patrões; 198 patrões de uma votação de 212 parlamentares na Câmara. Eles não se identificam com o trabalhador. E como nós chegamos a isso?”

O parlamentar respondeu argumentando que após o fim de Segunda Guerra Mundial, a fim de evitar o avanço do socialismo, foi implantado na Europa o Estado de bem-estar social, que priorizava os direitos do trabalhador em detrimento do poder do capital. Ainda segundo o parlamentar, com o fim da União Soviética, passou a predominar o projeto econômico de globalização que se suporta em um tripé: subjugação dos governos frente às políticas promovidas pelo bancos centrais; enfraquecimento dos legislativos, capturados pelo poder econômico, e que financia as campanhas políticas dos parlamentares; e precarização dos direitos do trabalho.

”São ataques aos direitos trabalhistas que visam transformar o trabalhador em um semiescravo, sem nenhum direito, numa fantasia de liberalismo econômico falida completamente na Europa. A falência do liberalismo econômico não é uma esperança da esquerda. É um fato consolidado de forma absoluta nos últimos anos.”

Empobrecimento dos trabalhadores - A pós-doutora em Sociologia do Trabalho Daniela Muradas Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais, corroborou a argumentação de Requião argumentando que reformas trabalhistas semelhantes à que foi sancionada no Brasil por Temer foram implantadas em países como Reino Unido e Espanha nos últimos anos, o que levou ao empobrecimento da classe trabalhadora e não gerou empregos.

De acordo com a acadêmica, no Reino Unido, o contrato intermitente – que a reforma trabalhista de Temer aprovou no Brasil – levou a quantidade de trabalhadores que recebem menos de US$ 1 por hora aumentar de 3,8% para 8,7% desde 2008. Na Espanha, chegou a 14%. E nos Estados Unidos, 24% dos trabalhadores submetidos a contratos de trabalho temporários – também legalizado pela reforma trabalhista no Brasil – não conseguem ganhar mais porque foram substituídos por plataformas tecnológicas.

“Contratos intermitentes, contratos temporários, têm criado a pauperização de empregados. Nós temos hoje um exército de trabalhadores que são pobres e que está submetido à escassez de postos de trabalho por causa do avanço da tecnologia, sem a presença de sindicatos. A reforma trabalhista é racista, misógina, ataca fundamentalmente as mulheres, os jovens e aprofunda as desigulades ja existentes de gênero e de raça. É um projeto neocolonial.”

Conivência do STF - Muradas afirmou que o golpe contra os direitos dos trabalhadores e que atinge diretamente os bancários teve início no Supremo Tribunal Federal (STF), salientando a reestruturação do Banco do Brasil. “Temos de por o dedo na ferida. Foi o STF que, em primeiro lugar, permitiu a substituição do trabalho bancário pelo autoatendimento. A ministra Carmen Lúcia teve a coragem de, com duas linhas de fundamentação, dizer que a inovação tecnológica não está alcançada, pelo sentido dado pela Constituição, de proteção do trabalho em face da automação. Então, para que serve esse dispositivo constitucional?”

 

 

“A flexibilização da legislação de trabalho [que está sendo implantada no Brasil] se mostrou ineficiente inclusive do ponto de vista do desenvolvimento econômico", continua a professora. "Ou seja, ela não só atrapalha a classe trabalhadora, como também atrapalha a própria classe do capital. Tanto que o Banco Mundial e o Banco Central europeu já mostraram que são necessárias mudanças na legislação espanhola, porque a flexibilidade das relações de trabalho levou a um crescimento econômico bastante tímido frente a outros países que retrocederam nessas políticas."

“Estamos na contramão do que se faz na Europa”, afirmou Requião. “A saída decididamente não é dar asilo ao moribundo neoliberalismo econômico que falece no mundo inteiro, mas que no Brasil promoveu um golpe e destituiu uma presidente. A solução para isso é que nós, 95% da população, nos convençamos que 5% não são imbatíveis. Eleições diretas e referendo revogatório de todas as barbaridades votadas até agora”, conclamou.

Concentração de renda - O diretor técnico do Dieese, sociólogo Clemente Ganz Lúcio, destacou que o golpe no Brasil e a guinada neoliberal por que passa o mundo são consequências de um projeto de concentração de renda no planeta. “De 2008 para cá, cada vez mais a organização econômica visa gerar formas de transferência de riqueza para os já detentores da riqueza. Nos últimos 10 anos, 95% da riqueza gerada nos EUA foi transferida para 1% da população, e 50% dos norte-americanos perderam renda. É dessa desigualdade que estamos falando. Desde 2008, o capital financeiro tomou a decisão de comandar politicamente o mundo. Gramsci [filósofo marxista morto em 1937] dizia: é preciso dar conta de se transfomar de 'classe em si' a 'classe para si', e a burguesia está se transformando em 'classe para si'.” E esse não é um projeto transitório: “É um projeto para ficar”, afirmou.

Clemente destacou que a deposição da presidenta Dilma se deu para viabilizar esse projeto. “Um projeto que não permite a democracia.” E que a reforma trabalhista “é perfeita” para essa estratégia de concentração de renda. “Desde 2008, 110 países promoveram 642 alterações na legislação trabalhista no mundo. A próxima ocorrerá na França, onde o presidente recém eleito já chamou movimento sindical para comunicar, não para negociar. Essa reforma, portanto, é no mundo e segue dois eixos: onde tem legislação forte, revisa-se; onde tem sistema de negociação forte, revisa-se. No caso brasileiro, está-se fazendo as duas coisas”, disse.

Ele reforçou que a reforma no Brasil viabiliza, do ponto de vista institucional, a redução do custo do trabalho no país. “Dá, ou pretende dar, plena segurança jurídica às empresa, sem que elas criem passivo trabalhista e sem resistência. Reduz o poder da Justiça do Trabalho e quebra a coluna do movimento sindical. Torna legal um menu de formas de contratação segundo a necessidade de horas de trabalho de cada setor e, assim, reduz salários. Institui a possibilidade de criação de comissões antissindicais nas empresas com direito de substituir os sindicatos e negociar com os patrões. Deixa o indivíduos desprotegido para negociar diretamente com a empresa. O trabalhador será obrigado a dar quitação de próprio punho ao patrão e terá duas alternativas: assinar e voltar para a produção ou não assinar e receber seu últimos pagamento naquela empresa”, resumiu.

Unificar a luta - Para Clemente, a estratégia frente a isso é a unificação dos trabalhadores. “Temos mil motivos para brigar entre nós e é o que fazemos em 99% do tempo. Nos organizamos para desqualificar o outro e em geral o outro é nosso companheiro. Vamos ter que aprender a lutar e não é isso que a gente faz no dia a dia. Não sabemos fazer a união de classe no nível em que essa realidade nos exige. Temos de resignificar o papel da luta.

Acordo de dois anos - O diretor do Dieese citou o acordo de dois anos conquistado pela categoria bancária na Campanha 2016. “Vocês são uma categoria de 'sorte'. O acordo de dois anos lhes permitirá, neste ano, um tempo necessário para repensar estratégia. As campanhas salariais terão de ser outras. Talvez a data base não seja mais a principal referência. Esta reforma nos coloca o imperativo de uma profunda reorganização sindical”, concluiu.

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