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Leão não morde R$ 200 bilhões dos mais ricos

Linha fina
Rendimentos de grupo de 70 mil brasileiros que ganham mais de 160 salários mínimos estão isentos de tributação graças a lei sancionada por Fernando Henrique Cardoso
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São Paulo – No dia 26 de dezembro de 1995, o topo da pirâmide social brasileira recebeu um generoso presente de Natal do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso: a criação de dispositivos legais que permitiram a isenção da cobrança do imposto de renda sobre o lucro que o empresário recebe da empresa.

Na segunda-feira 10, com a liberação de dados da própria Receita Federal, foi possível mensurar o tamanho desse presente. Um exclusivo grupo de 71.440 brasileiros ganhou em 2013 quase R$ 200 bilhões livres de imposto de renda de pessoa física (IRPF). Foram recursos recebidos por eles principalmente como lucros e dividendos das empresas das quais são donos ou sócios. É este o tipo de rendimento isento de cobrança de IRPF no Brasil, graças aos artigos 9º e 10º da lei 9.249, criados um dia depois do Natal de 1996.

“Com a tributação desses lucros, teriam sido arrecadados cerca de R$ 85 bilhões só no ano passado”, afirma Paulo Gil, auditor da Receita Federal e integrante do Instituto Justiça Tributária. Ele considera esta a maior injustiça do sistema tributário brasileiro. “Se eu tivesse uma bala de prata só, acabava com isso.”

São as 70 mil pessoas mais ricas do país, que ganham mensalmente mais de 160 salários mínimos. Esse grupo privilegiado de cidadãos, paga ao Leão apenas 6,51% de sua renda total. Na base da pirâmide, a realidade é outra. Em 1996, 28% daquilo que ganhavam as famílias com até dois salários mínimos era gasto com o pagamento de impostos. Em 2003, esse percentual subiu para 48,9%.

> Leia a íntegra da cartilha sobre reforma tributária

Isso porque a tributação no país incide em sua maior parte sobre o consumo e a renda do trabalhador assalariado: 56% dos impostos recaem sobre a base de consumo, 30% sobre a renda e somente 4% sobre o patrimônio.

A tributação sobre o consumo é considerada injusta porque cobra as mesmas alíquotas de quem ganha muito ou quem ganha pouco.  Por exemplo, o ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços) cobrado da conta de luz representa 25% do seu valor. Mas quem ganha 160 salários mínimos vai sentir muito menos o peso desse imposto do que aquele que ganha dois salários mínimos.

> Vídeo: Tributação justa passa por desoneração de consumo e salário

A taxação da renda também é desigual e injusta. Atualmente existem quatro alíquotas de imposto de renda que cobram diretamente da folha salarial do trabalhador entre 7,5% e 27,5%. O sistema recolhe essa última porcentagem de quem recebe ao menos R$ 4.463,81 ou de quem ganha, por exemplo, R$ 500 mil por mês, ao invés de aplicar alíquotas progressivas (quem ganha mais paga mais).  

Sobre patrimônio a tributação é praticamente inexistente para os mais ricos. Um imposto que incide sobre posses é o IPVA (Imposto sobre Propriedade Veicular Automotivas), mas jatinhos, iates, jet skys e outras propriedades veiculares automotivas características das camadas mais abastadas simplesmente não pagam esse imposto. A taxação sobre herança é irrisória no país, com alíquotas em média de 4%, variando de estado para estado. No Japão cobra-se 55% do valor da herança.

O Imposto Territorial Rural, outra tributação sobre patrimônio, cobrada dos grandes latifundiários de terra, representa apenas 0,04% de toda arrecadação tributária. Isso em um país com enorme concentração fundiária. Segundo o último Censo Agropecuário do IBGE (de 2006), os imóveis rurais com mais de mil hectares (que representam essa grande concentração) ocupam mais de 43% das terras. Todas essas terras pertencem a menos de 1% dos proprietários rurais.

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Rodolfo Wrolli – 11/8/2015
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