Pular para o conteúdo principal

Pesquisador associa trotes violentos a preconceito

Linha fina
Sociólogo e aluna vítima de estupro prestaram depoimento na CPI na Assembleia Legislativa que investiga abusos nas universidades de São Paulo
Imagem Destaque

São Paulo – O trote, um ritual de passagem usado para acolher e igualar pessoas a um determinado grupo, foi totalmente deturpado por alguns veteranos das universidades paulistas, que, sob esse pretexto impõem superioridade com sadismo e malevolência.

A opinião é do sociólogo Antonio Ribeiro Almeida Jr. (foto ao lado), professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq), de Piracicaba, que falou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa (Alesp) de São Paulo sobre violações dos direitos humanos nas universidades paulistas, em sessão realizada na sexta 9.

Ribeiro realiza pesquisa sobre o assunto desde 2002 e, em uma delas, elaborou um questionário para saber sobre a aceitação do trote. “Os que aceitam as práticas trotistas são os mais preconceituosos; essa correlação é bastante forte”, concluiu.

Para ele, há duas categorias de trotes: quando ocorre de maneira eventual, ou seja, um aluno humilha e provoca o outro ocasionando situações graves em que pessoas ficam feridas ou humilhadas; e o trote recorrente e violento, que faz parte da cultura da instituição de ensino, envolvendo docentes, alunos e funcionários.

Sobre o recorrente, relatou o de um aluno que teve creme dental aplicado no ânus. A vítima fez boletim de ocorrência e acusou o presidente do centro acadêmico da época. Também foi aberta sindicância. Apesar disso, no ano seguinte, Ribeiro contra que o acusado estava sendo premiado pelo então reitor da USP, Adolpho José Melfi, com menção honrosa por ter promovido trote solidário.

O sociólogo defende que as universidades se afastem de qualquer atividade cultural ou solidária que remeta ao universo do trote. “O trote leve funciona como uma cortina de fumaça para os mais violentos.” Ele lembrou que em 1997, um aluno da Esalq suicidou-se, jogando-se nos trilhos do Metrô. A psicóloga desse aluno relatou, à época, que a principal queixa do estudante era sobre os trotes que sofria nessa instituição.

Estupro na Esalq – Além do professor, também foi ouvida uma aluna da Esalq, vítima de estupro.

Segundo ela, em outubro de 2002, com apenas 18 anos, foi violentada por oito colegas na república Senzala. Passados mais de doze anos, somente na CPI, acompanhada dos pais, resolveu falar sobre o caso.

A estudante (na foto, com identidade preservada) relatou que em uma tarde de outubro fora convidada para um grupo de estudos na Senzala. Lá se encontravam oito meninos de várias repúblicas. Ela era a única menina. A cerveja rolava solta. “Depois de um determinado momento, apaguei. Saí, já era madrugada, fui andando para a república onde morava”, narrou.

Na manhã seguinte, soube que sua avó havia falecido e foi para a cidade onde se realizaria o velório. Quando voltou, começou o pesadelo. “Falavam que eu havia transado com oito meninos... as meninas com quem eu morava fizeram uma reunião e pediram para eu sair da casa sob a alegação de que me chamavam de vagabunda; na Esalq comentava-se o caso, inclusive os professores... consultei um psicólogo indicado pela direção da escola, mas, soube depois, o que expunha nas sessões tornava-se público.”

A aluna recorda-se de estar tão atordoada que acabou saindo da casa. Pensou, mas não abandonou a Esalq. Voltou a estudar, viajando para Piracicaba todos os dias. Ignorou os comentários e tocou a vida.

Os pais afirmam não terem dúvida de que a filha foi dopada e, durante a sessão, entregaram ao presidente da CPI, Adriano Diogo (PT) (foto ao lado), um papel com os apelidos dos estudantes que estiveram na república Senzala naquela tarde. Ao se confrontar com fotos de dois deles, a estudante os reconheceu.

A estudante contou sobre alguns trotes da Esalq, como o “ralo monstro”, realizado à noite nos quintais das repúblicas. Os meninos são separados das meninas. Todos são obrigados a praticar exercícios físicos, mas os meninos apanham muito com ripa de estrado de cama. São obrigados a fazer flexão nus, com o nariz no ânus do colega da frente. Enquanto isso, tomam cerveja e “reforço”, uma mistura de vômito e comida estragada. Depois, os meninos são abandonados em algum canavial, longe e têm de voltar à noite, nus e bêbados. Esse ritual começa na semana de recepção e termina em 13 de Maio, quando se comemora a libertação dos escravos.


Redação - 12/1/2015

seja socio

Exibindo 1 - 1 de 1