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Chapéu
crime de estado

Bancário assassinado e desaparecido na ditadura é identificado

Linha fina
Restos mortais de ex-funcionário do Banco do Brasil estavam entre as ossadas encontradas em uma vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, em São Paulo; segundo testemunhas, prisioneiro sofreu as piores torturas
Imagem Destaque

Mais uma vítima fatal da ditadura civil-militar (1964-1985) tida como desaparecida foi identificada. Trata-se do bancário Aluísio Palhano Pedreira Ferreira. Seus restos mortais estavam enterrados juntos com cerca de mil ossadas em uma vala clandestina descoberta em 1990 no Cemitério de Perus, na Zona Noroeste da cidade de São Paulo.

O anúncio da identificação foi feito nesta segunda-feira 3, durante Encontro Nacional de Familiares promovido pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), realizado em Brasília, com o apoio do Ministério de Direitos Humanos.

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Palhano é o segundo identificado na vala de Perus. O primeiro foi Dimas Antônio Casemiro, militante e dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), morto em abril de 1971 em São Paulo, aos 25 anos, e enterrado como indigente em Perus.

De acordo com o Dossiê dos Mortos e Desparecidos a Partir de 1964, baseado em testemunhos de ex-presos políticos, Aluísio Palhano foi preso em 9 de maio de 1971 e assassinado no dia 21 do mesmo mês pelo torturador Dirceu Gravina, no COI-Codi de São Paulo, órgão encarregado da repressão a grupos de oposição à ditadura civil-militar e a organizações de esquerda que atuavam na região. O DOI-Codi estava sob o comando do então major Carlos Alberto Brilhante Ustra.

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“É uma notícia chocante e devastadora que comprova os horrores daquele período no qual a democracia e os direitos individuais foram eliminados. Esse caso reforça a importância de lutar e defender o regime democrático a qualquer custo”, afirma Ivone Silva, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. 

Bancário perseguido, torturado, morto e desaparecido

Aos 21 anos, Palhano ingressou no Banco do Brasil, onde trabalhou até ser cassado pelo Ato Institucional número 1, em 1964. Formou-se advogado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Por duas vezes foi presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. Em 1947 casou-se com Leda Pimenta e tiveram dois filhos: Márcia e Honésio. 

Em 1963, foi eleito presidente da Contec (Confederação dos Trabalhadores dos Estabelecimentos de Crédito) e vice-presidente da antiga CGT (Central Geral dos Trabalhadores). Com o golpe militar de 1964, Aluísio teve seus direitos políticos cassados e passou a ser perseguido pelos órgãos de repressão. Em fins de maio de 1964 asilou-se na Embaixada do México, indo posteriormente para Cuba. 

Em 1970, regressou clandestinamente ao Brasil. Manteve comunicação com familiares por ocasião do casamento de sua filha. Em 24 de abril de 1970 fez o último contato com os parentes. 

Em 1976 surgiram os primeiros boatos de sua morte, confirmados em 1978 através de carta de Altino Dantas Junior, seu companheiro de prisão, encaminhada ao ministro do Superior Tribunal Militar, general Rodrigo Otávio Jordão Ramos, denunciando o assassinato de Aluísio Palhano nas Dependências do DOI-Codi da rua Tutoia, em São Paulo, na madrugada de 21 de maio de 1971. Segundo esse relato, Aluísio esteve prisioneiro durante 11 dias sofrendo as piores torturas. A Anistia Internacional confirmou esse depoimento. 

O preso político Nelson Rodrigues Filho também denunciou que esteve no DOI-Codi/RJ com Aluísio Palhano. Apesar de todos estes testemunhos, os órgãos de segurança nunca reconheceram a prisão e morte de Aluísio.

A ex-presa política Inês Etiene Romeu afirmou que Aluísio foi levado para a “Casa da Morte”, em Petrópolis, em 13 de maio de 1971. Informou que quem o viu pessoalmente naquele aparelho clandestino da repressão foi Mariano Joaquim da Silva, também desparecido desde aquela época, que presenciou sua chegada, narrando o seu estado físico deplorável.

Única sobrevivente da “Casa da Morte”, Inês conta ter ouvido a voz de Aluísio várias vezes, quando interrogado naquele local onde pelo menos 20 pessoas foram assassinadas durante a ditadura civil-militar.

Os relatório dos ministérios da Marinha, Exército e Aeronáutica não fazem referências à sua morte. O nome de Aluísio Palhano foi encontrado, em 1991, no arquivo do Dops/PR (Departamento de Ordem Política e Social do Paraná), em uma gaveta com a identificação “falecidos”.

Crime de Estado reconhecido

As autoridades da ditadura nunca reconheceram a prisão e morte de Palhano. Porém, o seu nome foi incluído pela Comissão Especial no anexo da lei 9.140/95, que reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988. 

A identificação – a segunda ocorrida em 2018 – é resultado do trabalho do Grupo de Trabalho de Perus – GTP, laboratório criado pela Unifesp, em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (SMDHC) – por meio do Departamento de Educação em Direitos Humanos – e Ministério de Direitos Humanos.

O material genético e as amostras ósseas foram enviadas para a International Commission on Missing Persons, laboratório parceiro em Haia, Holanda, que no último dia 27 de novembro apontou as conclusões da análise que revelaram a identificação do desaparecido político pelo cruzamento com o DNA de sua filha.

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