Na reportagem "Crise da Covid-19 reforçou novo papel do BNDES", publicada em 3 de janeiro na seção de Economia do “O Estado de São Paulo”, o jornal não se furtou de tecer em suas linhas uma alegoria entusiástica sobre a atuação do BNDES nesta pandemia com as micro e pequenas empresas (MPEs).
Não vejo problema em abraçar ideologicamente o ufanismo ao liberalismo econômico, ideologia que está em todas as páginas de economia daquele jornal. Entretanto, a reportagem esquece de falar que os R$ 150 bilhões em desembolso, nesse momento de pandemia, vieram de um grande BANCO PÚBLICO, fomentador nacional de políticas de crédito.
O BNDES e seus funcionários sempre desempenharam um papel de análise criteriosa de desembolsos, atuando em momentos de crise econômica para inibir a contaminação sistêmica internacional. Esse é o papel de um banco de fomento, mais ainda de um banco público, pois a própria reportagem mostra a retração do crédito vindo de bancos privados.
Segundo a reportagem, embora tardiamente a entrada neste segmento econômico, o desembolso, com programas como o Pronampe, fez crescer em 27,8% o desembolso para este segmento das MPEs, ante 11,1% das grandes empresas. Este recurso do Pronampe foi disponibilizado em créditos cedidos via BNDES para todos os grandes bancos comerciais. Enquanto alguns internalizaram esses recursos e reforçaram seus caixas, os bancos públicos atuaram junto a economia mais fragilizada, nas micro e pequenas empresas.
No terceiro trimestre do ano 2020, através do Pronampe a Caixa Econômica Federal havia desembolsado R$ 12,064 bilhões. O Banco do Brasil desembolsou R$ 6,2 bilhões, beneficiando 110 mil empresas. O saldo total da carteira de crédito para Micro, Pequenas e Médias Empresas, do Banco do Brasil, teve alta de 17,9% em relação a setembro de 2019 (aumento de R$ 11,2 bilhões). Para efeito de comparação, o Itaú, que também operou o PRONAMPE, atingiu 47 mil micro e pequenas empresas com valores correspondentes a R$ 3,9 bilhões.
No caso do BB, este aumento da carteira de crédito para as MPEs é significativo se levarmos em consideração que, em 2015, o banco público promoveu uma reestruturação que tirou a atuação dos gerentes de relacionamentos em contato direto com esses clientes, concentrando sua atuação através do sistema digital. Essa reestruturação, segundo dados do balanço, operou uma perda 51% da carteira de crédito de clientes MPEs da instituição. Já em fevereiro de 2020, o banco anunciava novamente uma reestruturação que devolveu a atuação desses gerentes de relacionamento de forma direta com os clientes pessoas jurídicas, nas áreas de Micro, Pequenas e Médias Empresas.
A importância dos bancos públicos na atuação contra crises econômicas é fundamental para sustentabilidade no pequeno, médio e longo prazo, com políticas de juros mais baixos, permitindo aumento de geração de emprego, como crescimento da atuação dessas empresas na economia direta.
Vejamos: com base em dados do Banco Central do Brasil, no início de 2009, o saldo de crédito dos bancos públicos crescia a taxa de 31,5% ao ano acima da inflação. Enquanto no mesmo período o crédito nos bancos privados crescia a taxa de 17,8% acima da inflação. Ao final daquele ano, com o agravamento da crise econômica internacional, os bancos privados no Brasil reduziram brutalmente os novos desembolsos de crédito e, em dezembro, a taxa de crescimento em 12 meses havia despencado para 1,2% acima da inflação, enquanto nos bancos públicos os desembolsos foram sustentados por uma decisão política do governo e, em dezembro de 2009, o crédito nas instituições estatais ainda crescia a elevada taxa de 27% acima da inflação.
Segundo dados do Dieese, entre janeiro de 2008 e janeiro de 2016, a participação dos bancos públicos no crédito total no país passou de 33,8% para 56,5% e a participação dos bancos privados caiu de 66,2% para 43,5%. Por outro lado, desde 2016 a participação dos bancos públicos vem caindo sistematicamente chegando a 45,7% em outubro de 2020, ante uma participação crescente de 54,3% dos bancos privados. Outro dado, de dezembro de 2019, por exemplo (portanto antes da pandemia), mostra que o crédito nos bancos públicos apresentava queda real de 6,2% em 12 meses enquanto nos bancos privados o saldo de crédito apresentava elevação de 11,4% acima da inflação.
Voltando ao teor da reportagem, o BNDES (banco público) expandia sua carteira de crédito a uma média de 32% acima da inflação em 2009 e manteve tendência crescente até que em 2016 tem início o desmanche do banco. Ao final daquele ano a carteira de crédito do BNDES caiu 18% em termos reais, seguido de queda real de 14,3% em 2017, 12,1% em 2018 e 17,5% em 2019.
Um dos principais problemas do sistema financeiro brasileiro é a ausência de mecanismos de financiamento de projetos de longo prazo como, por exemplo, infraestrutura. Esvaziar o mais poderoso instrumento de política econômica de financiamento de longo prazo no país significa renunciar a um universo de projetos que garantiriam maior soberania nacional, maior desenvolvimento industrial e tecnológico, com geração de empregos de qualidade e renda.
De fato, a reportagem mostra que a mudança na orientação da política econômica de crédito, via bancos públicos no governo Temer e continuado no Governo Bolsonaro, não somente contribuiu para um desmonte dos bancos públicos, como jogou a economia para créditos diretos e com custo maior nos bancos privados. Em contrapartida, se recorre agora aos bancos públicos para atuarem onde os bancos privados não têm interesse econômico.
A matéria do Estadão, portanto, cria uma alegoria fictícia em que essa guinada de atuação foi o melhor resultado possível. Mas, como os dados apontados acima evidenciam, o fortalecimento dos bancos públicos é uma necessidade constante. Contudo, infelizmente, assistimos a uma tragédia econômica anunciada com o desmontes das instituições financeiras de caráter público.
Defender os bancos públicos é bom para o Brasil, e não é simplesmente um jargão da “esquerda comunista”, afinal de contas a atuação dessas instituições é fundamental no desenvolvimento econômico do país, como puderam ver as Micro, Pequenas e Médias Empresas.
João Fukunaga - Secretário de Organização e Suporte Administrativo do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e coordenador nacional da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil (CEBB)