Por uma vida sem cortes. Familiares e amigos do cinegrafista Leandro Caproni estão em campanha para que a Justiça reconheça o crime violento que tirou a vida do jovem de 27 anos, no dia 22 de outubro.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
Leandro voltava para casa, na zona leste de São Paulo, após reunir-se com um amigo arquiteto. Dividia com ele a concretização de mais um sonho realizado: a casa que comprou no bairro da Lapa, onde funcionaria também sua produtora de vídeos, a Sem Cortes Filmes.
Mas tudo isso acabou. Por volta das 22h30 Leandro foi atingido por uma BMW dirigida em alta velocidade pelo jovem Gustavo Amaro Silva. Com 18 anos recém-completados, Silva, que não tinha habilitação, cruzou a Avenida Radial Leste, passou por cima do canteiro central, atingiu outros dois carros e a moto de Leandro. A morte foi instantânea.
“A cada 21 minutos, um jovem negro morre no Brasil”, lembra a página criada no Facebook, para a campanha. “No dia 22, infelizmente, nosso querido Leandro Caproni entrou para as estatísticas e teve sua vida abreviada por conta de terceiros. Não se trata de um problema que se restringe aos seus conhecidos, mas que se refere à sociedade como um todo. Trata-se de um problema social que, a cada 21 minutos, atinge mais uma família.”
Os organizadores do movimento #PorUmaVidaSemCortes fazem questão de deixar claro que não querem vingança, mas justiça. “É necessário lutar para encerrar esse ciclo de violência. É necessário lutar por uma vida sem cortes para todos os Leandros pelo Brasil”, informam sobre a luta contra a impunidade.
“A família de Leandro fica com a saudade eterna de um homem guerreiro, companheiro, trabalhador e sonhador”, diz a irmã, Karina Caproni. “Vamos lutar por ele até o fim”, avisa. “Somos pessoas simples, mas juntos com todos os amigos e familiares vamos atrás da justiça para o nosso Leandro e para todos os outros Leandros do Brasil que tiveram suas vidas encerradas.”
Na noite da sexta-feira 25, uma missa em homenagem ao jovem cinegrafista foi realizada na faculdade São Judas, no bairro da Mooca, onde ele estudou.
Outras duas missas marcaram os sete dias da morte. No dia 28, na Igreja Santo Antônio (Praça do Patriarca, centro de São Paulo) e na Paróquia São Pedro Apóstolo (Rua Moisés Marx, 848, Vila Aricanduva).
Futuro brilhante destruído
Leandro era apaixonado pelo seu trabalho. Em 2013, criou a Sem Cortes Filmes e se tornou referência no audiovisual negro e periférico da cidade de São Paulo. Também era responsável pelos trabalhos de audiovisual da Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e de outras entidades representativas da luta dos trabalhadores.
Suas produções ganhavam espaço no Brasil e outros países.
Reportagem de Lucas Veloso, da Agência Mural, destaca a relação próxima com as lentes e com a arte, que já vinha de longe. “A primeira produção do cinegrafista foi a obra O Complexo de Vira-Latas, quando ainda estava faculdade de Rádio e TV, na Universidade São Judas Tadeu, onde se formou em 2014.
Depois vieram outros trabalhos, como Morada, sobre a vida de moradores de cortiço; o documentário Fotografar, sobre os caminhos da fotografia em novas plataformas; e o documentário Resisto, que conta a influência dos Black Panthers no movimento negro brasileiro. Em 2018, Leandro foi diretor de fotografia do documentário Negrum3, que contou as diversas trajetórias de jovens negros e gays da cidade de São Paulo.” O trabalho rendeu-lhe prêmio de Melhor Fotografia para Curta Documentário pelo Júri da Crítica no 13º Encontro de Cinema e Vídeo dos Sertões.
O produtor Arthur Santoro conta que Leandro Caproni foi responsável por registrar a Batekoo – tradicional festa preta de São Paulo. “Ele foi uma das primeiras pessoas a acreditar em nós e se oferecer para trabalhar de graça no começo. Nós crescemos juntos profissionalmente e viramos grandes amigos.”
Viajaram juntos para Nova York para a realização do Afropunk Brooklyn, importante evento norte-americano de punk. “Brincamos que há poucos anos estávamos gravando festa no Morfeus (espaço tradicional do rock em SP), mas que, agora, estávamos fora do país gravando vídeos”.
Com a carreira em ascensão, Leandro nunca abandonou a periferia e suas lutas. No domingo (20), dividiu com o jornalista Igor Carvalho a cobertura do Festival de Várzea da Cooperifa, na zona sul.
“Nos aproximamos e um assunto era recorrente: a luta de classe. Conversávamos e o papo sempre terminava em lembrar de nossa infância, nossa adolescência e onde estamos hoje e sobre o nosso incômodo em estar em determinados espaços ou com determinadas pessoas”, lembra o amigo.
E conta que Leandro estava começando a realizar mais um sonho: um curso para aprender a velejar. “Até no mar vou incomodar os playboys”, brincou com o amigo. “Combinamos que eu ia ser cobaia dele no primeiro passeio de barco. Não deu tempo”, lamentou Igor Carvalho, em uma mensagem nas redes sociais. “Os ‘boy’ não prestam mesmo, Lê, você tinha razão.”