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Trabalhadores da Petrobras propõem "reestatização"

Linha fina
Representante eleito dos funcionários no Conselho de Administração, Deyvid Bacelar sugere ampliar presença do Estado contra a investida privatista do mercado e aponta falhas de comunicação da estatal
Imagem Destaque

São Paulo – Em 12 de maio, o técnico de segurança Deyvid Bacelar, 34 anos, completará nove na Petrobras, onde entrou por concurso. É funcionário da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), a primeira refinaria nacional de petróleo, instalada no Recôncavo Baiano. "Surgiu antes da Petrobras", lembra Deyvid, baiano de Feira de Santana. A RLAM foi criada em 1950, enquanto a empresa veio três anos depois, em meio a campanhas nacionalistas pela produção de petróleo no Brasil e a descrença de muitos.

Assim, a crise atual não surpreende Deyvid. "Isso acontece desde que a Petrobras é Petrobras", lamenta, criticando o que considera falhas de comunicação da empresa no esclarecimento à sociedade e atacando o papel da mídia tradicional na cobertura das denúncias. Tudo isso, para ele, atinge moralmente os funcionários da empresa, que acabam incluídos na vala comum da corrupção.

Maior participação dos trabalhadores nos processos de decisão poderia evitar, talvez, a ocorrência de parte dos recentes episódios envolvendo a Petrobras. Mas há também muita omissão de informação sobre os resultados obtidos pela companhia, que, muito longe de "quebrar", como afirmam opositores, segue apresentando bom desempenho.

Eleito com 6.864 votos (57,83% dos válidos), Deyvid Bacelar será a partir de abril o representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da empresa. Coordenador do Sindicato dos Petroleiros da Bahia, ele teve apoio da Federação Única dos Petroleiros (FUP). O atual representante, Sílvio Sinedino, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), teve 5.006 votos. No total, 12.246 funcionários participaram do processo eleitoral. O CA tem dez integrantes, sete indicados pela União. Dois representam os acionistas e um é eleito pelos empregados.

Em momento de maior pressão política e do mercado financeiro envolvendo a companhia, Deyvid levará ao Conselho uma proposta que vai na contramão do que gostariam de ouvir os chamados analistas, que já se decepcionaram com a indicação do substituto de Graça Foster na presidência, Aldemir Bendine. "Vamos pautar a reestatização da Petrobras", diz. Ele lembra que já existe uma proposta nesse sentido parada no Congresso: o Projeto de Lei 5.891, de 2009, assinado pelo deputado Fernando Marroni, do PT gaúcho, e mais 21 parlamentares, que restabelece o monopólio estatal no setor.

O próprio Deyvid tem ações da empresa. Muitos outros petroleiros também têm, acreditando, como ele diz, que "a Petrobras é maior do que tudo que está na mídia".

O técnico pertence à "geração Lula", como ele mesmo diz. Funcionários que entraram depois de 2003, quando o ex-presidente iniciou o seu primeiro mandato. Foi quando os concursos foram retomados. De acordo com o relatório social da companhia, em 2013, de 62.692 funcionários da Petrobras, 62% tinham menos de dez anos de empresa. Incluindo controladas, subsidiárias e coligadas, a companhia fechou o ano com 86.111 empregados. Deyvid passou em outros quatro concursos, inclusive de nível superior – é graduado em Administração, com especializações em SMS (Saúde, Meio Ambiente e Segurança) e Gestão de Pessoas –, mas disse preferir o cargo técnico na Petrobras.

A nova leva de funcionários é um dado relevante na companhia, mas Deyvid demonstra preocupação com a saída de mais de 8 mil trabalhadores, após um programa de demissões voluntárias na empresa, em 2014. Não há garantia de reposição. Ele teme, na verdade, ampliação da terceirização. Hoje, a proporção é de aproximadamente quatro terceirizados para um funcionário próprio. E quase 90% das mortes decorrentes de acidentes acontece entre funcionários de empresas terceirizadas, como aconteceu nesta semana, em um navio-plataforma no Espírito Santo.

Deyvid critica os ataques especulativos à Petrobras, mas avalia que a própria empresa não se comunicou como deveria. Ele considera que a ex-presidenta Graça Foster não deu as informações necessárias sobre a refinaria de Pasadena e a respeito do último balanço trimestral da campanha. "Eu pessoalmente fiz essas críticas. Cada declaração era uma desgraça. Às vezes (ela) solta uma informação não incorreta, mas sem os detalhamentos necessários", comenta.

A FUP lançou recentemente um manifesto em que defende o patrimônio representado pela companhia, ao mesmo tempo em que pede punição de corruptos e corruptores, com a ressalva de que esse processo "não pode significar a paralisia da Petrobras e do setor mais dinâmico da economia brasileira". O próximo representante dos trabalhadores no Conselho de Administração pede transparência e mais participação. E no lugar do "deus mercado", como ele diz, o Estado.

Leia alguns tópicos da entrevista

Clima entre os funcionários - É importante destacar que isso, infelizmente, acontece desde que a Petrobras é Petrobras. É claro que se intensifica nos governos militares, Collor, Sarney, FHC. A grande diferença foi o trabalho sujo que a mídia faz, dando ênfase demasiada a um problema que sempre existiu, com algumas informações distorcidas. Devido a isso, os trabalhadores petroleiros se sentiram afetados. Eles sabem que estão em uma grande empresa, que participam do desenvolvimento do país. Mas ele teve a moral atingida. Ouve piadinhas na rua, teve até marchinha, como se todos fossem corruptos.

Esse desgaste, essa moral ferida, se deu também pela falta de comunicação da própria empresa. Para o público interno e, muito mais ainda, externo. Somente agora ela vem com uma campanha de defesa, e mesmo assim dando dinheiro para a Globo e para as mídias que sempre a atacaram. O blog Fatos e Dados (mantido pela Petrobras) também já teve uma utilização muito maior.

Participação dos trabalhadores na governança - A lei (12.353, de 2010, sobre participação dos trabalhadores nos conselhos das estatais) dá pelo menos esse espaço. Mas a Petrobras não divulga da maneira que poderia a importância dessa participação. Que poderia ser maior, já que hoje o trabalhador não pode participar de reuniões que discutam pautas trabalhistas e previdenciárias (existe na Câmara um projeto de lei, o PL. 6.051, de 2013, que acaba com essa restrição). Além disso, a gente tem um viés (criado pelo atual coordenador da FUP, José Rangel) de um comitê SMS. É uma linha para aumentar o interesse e a participação das pessoas.

(Na quinta 12, a FUP solicitou uma reunião extraordinária com o novo presidente da empresa, Aldemir Bendine, para discutir mudanças na política de SMS da companhia.)

Acidentes - Tivemos um em janeiro na Bahia (uma explosão na RLAM deixou três feridos), e agora esse no Espírito Santo (explosão em navio-plataforma, com cinco mortes e 25 feridos confirmados até agora). Isso tem de ser discutido pela alta administração. Só em 2014, foram 15 mortes. Isso demonstra a falta de compromisso dos gestores.

Terceirização - A relação é de quatro para um dentro da empresa. São 85 mil funcionários e mais de 300 mil terceirizados. De 85% a 88% das mortes são de trabalhadores terceirizados. A terceirização destrói a relação de trabalho.

Transparência - É um pleito antigo nosso. Há uma proposta antiga dos sindicatos de terem acesso aos processos de contratação. Além de proteger o trabalhador e a trabalhadora, a gente estaria ajudando na fiscalização. Infelizmente, a empresa não dá espaço. Algumas gerências permitem, mas é algo muito pontual. O Conselho poderia criar um comitê específico que se debruce sobre os relatórios. Temos bons auditores internos. Talvez a gente pudesse evitar (alguns dos episódios que agora estão sendo investigados).

Reconstrução - A gestão em si da Petrobras é muito fechada. As decisões acabam sendo muito concentradas. É o que se chama de top-down, sempre de cima para baixo. Essa linha hierárquica é muito pesada. Mas aquilo que vem de cima não tem participação da base, daqueles que estão construindo a empresa todos os dias. E a empresa moderna prevê isso. A gestão deveria ser mais participativa, mais democrática. Tem ferramentas para isso. Para que o trabalhador participe do planejamento estratégico da companhia. É notório que essa estrutura não se sustenta mais. Quem conhece de fato os problemas é o trabalhador na ponta. Essa construção se dá, a nosso ver, na maior participação dos trabalhadores na gestão.

Novo presidente - Há uma falta de participação nas questões decisórias. Para uma indicação dessas, deveria se ouvir o mínimo possível as pessoas que trabalham na companhia. Nesse caso, da forma como foi escolhido, não há participação  nenhuma. Deveria pelo ser feito de uma forma que um perfil fosse direcionado pelos trabalhadores. Mas esse é o mundo ideal. Como a gente não tem, (a outra alternativa) eram os acionistas minoritários, com o deus mercado, impondo seu presidente. Apesar de não haver essa participação (dos trabalhadores), a categoria sentiu um alívio por não ter sido o deus mercado que indicou o presidente. Foi pelo menos uma sinalização positiva.

Governança/nova diretoria - Infelizmente, as sinalizações até então foram todas essas. Primeiro, a gente já questiona a direção de Governança (em janeiro, o Conselho de Administração aprovou a indicação de João Adalberto Elek Junior para o cargo recém-criado de diretor de Governança, Risco e Conformidade). Segundo, a forma de escolha, de buscar uma pessoa de fora, ligada ao mercado, para tratar da segurança de informações estratégicas. Nossa esperança (com Bendine) é que se tenha um maior equilíbrio em relação a isso.

Exclusão de empresas - Se for para punir alguém, tem de ser os gestores. Se tem um problema de contratos, que se melhore a fiscalização. Toda uma cadeia produtiva está sendo afetada. É uma decisão absurda (excluir empresas brasileiras). A gente espera que a nova diretoria, o novo conselho, mude essa decisão. Se vierem a parar os estaleiros, vai atingir de 70 mil a 80 mil pessoas. Se a decisão for mantida, é muito ruim para o país.

No Conselho - Uma proposta que a gente vai pautar é a da reestatização da Petrobras. Agora que o valor das ações está baixo, o governo deveria estar comprando ações do jeito que fosse necessário. Basta ter interesse e não ceder às pressões do mercado. Até porque tem um projeto de lei de iniciativa da FUP, construído com as centrais, que não anda (o PL 5.891). Se a sociedade tomar consciência da importância disso, de uma reserva de 23 bilhões de barris, do retorno que o pré-sal vai trazer, esse projeto estaria sendo aprovado. Na capitalização da Petrobras, o governo comprou muitas ações. Eles (opositores) veem a possibilidade de o Congresso acabar com o regime de partilha. Petroleiros têm comprado ações. Essas 85 mil pessoas que acreditam na empresa, que sabem que ela é mais do que está na mídia. É hora do governo fechar o capital da empresa, 100% estatal.

A empresa "quebrou"? - Tem a questão política. Mas é omissão de informação, na verdade. Em 2002, a empresa tinha 36 mil empregados. Não se fazia concurso há 15 anos. Em 2014, chegou a 85 mil.  Saiu de um valor de mercado de US$ 15 bilhões (2002) para US$ 108 bilhões. O pior é que a sociedade acaba se contaminando. As pessoas não sabem que o pré-sal já produz 700 mil barris por dia, que a empresa bateu recordes de produção nos últimos três anos (em 2014, a Petrobras obteve marca histórica na produção total de petróleo e gás). Nenhuma petrolífera do mundo faz isso. Mas o trabalhador sabe que tudo isso não passa de um grande jogo político. E sabe que o que está por trás de tudo isso é o financiamento empresarial de campanhas políticas. Não adianta a gente fazer todo essa discussão agora se não vai no cerne da discussão, que é a reforma política.


Vitor Nuzzi, da Rede Brasil Atual - 13/2/2015

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