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Um terço do PIB do país está em paraísos fiscais

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Ricos brasileiros detêm a quarta maior fortuna em contas offshore, ou seja, sem tributação; dados reforçam necessidade de uma lei para a taxação de grandes fortunas, prevista na Constituição
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São Paulo – Os milionários brasileiros estão entre os que mais têm dinheiro em paraísos fiscais. É o que aponta o estudo The Price of Offshore Revisited, levantamento inédito sobre os valores depositados nas chamadas contas offshore, aquelas sobre as quais as autoridades tributárias dos países não têm como cobrar impostos.

Os brasileiros, segundo o documento, tinham até 2010 cerca de US$ 520 bilhões (ou mais de R$ 1 trilhão) em paraísos fiscais. Naquele ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do país somou cerca de R$ 3,6 trilhões. Ou seja, os milionários mandaram quase um terço da riqueza nacional para fora, sem pagar impostos.

Outro estudo, realizado pela PwC (PricewaterhouseCoopers), mostra que a elite brasileira reclama dos “altos impostos no país” sem nenhum motivo, pois os ricos daqui pagam menos tributos em comparação aos demais países do G20 (grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo, entre elas o Brasil, mais a União Europeia).

Os dois estudos reforçam a necessidade da taxação sobre grandes fortunas no Brasil, bandeira do movimento sindical, defendida também por especialistas como o economista Paulo Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), e Amir Khair, mestre em Finanças Públicas.

Amir Khair afirma que cobrar mais impostos de quem tem mais renderia R$ 100 bilhões todos os anos aos cofres públicos. Ele sugere taxar patrimônios de cerca de R$ 1 milhão com alíquotas de 1% no máximo. "Se aplicado com uma alíquota média de 1% sobre aquilo que são os bens das pessoas, teria uma arrecadação semelhante àquela que tinha a extinta CPMF. Hoje eu estimo em cerca de 100 bilhões de reais/ano. Portanto, bem acima até do ajuste fiscal pretendido pelo governo", disse, em entrevista para a Carta Capital.

> Vídeo: Khair detalha taxação das grandes fortunas
> Taxar grandes fortunas "renderia R$ 100 bi por ano"

Já Paulo Feldman, em entrevista à Rede Brasil Atual, sugere aumentar a taxação das heranças. O chamado Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), tributo estadual, é de 4%. "Isso é um décimo do valor da alíquota do Reino Unido, onde o imposto sobre herança é um dos tributos mais importantes", observa. No Brasil, os governos estaduais arrecadaram R$ 4,5 bilhões com o ITCMD em 2013. Seriam R$ 45 bilhões com uma alíquota de 40%.

> 'Chegou a hora de mexer com os mais ricos'

Vale ressaltar que o imposto sobre grandes fortunas é o único dos sete tributos previstos na Constituição que ainda não foi regulamentado em lei. O que dificilmente será feito pelo atual Congresso, segundo Amir Khair, cuja maioria dos parlamentares é formada por detentores de vultosas somas. “Por que o Congresso não aprova? Porque os congressistas quase sem exceção seriam atingidos por essa tributação. Essa é a razão central pelo fato de, ao longo de todos esses anos, não ter sido regulamento o imposto", diz ele.

Buraco negro – Para chegar aos números apresentados no documento The Price of Offshore Revisited, seu autor, o economista James Henry, cruzou dados do Banco de Compensações Internacionais, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e de governos nacionais de 139 país. “A riqueza privada offshore representa um enorme buraco negro na economia mundial", disse Henry em entrevista à BBC Brasil.

O levantamento foi encomendado pela Tax Justice Network (organização que combate os paraísos fiscais) e mostra ainda que o dinheiro de contas offshore tem origens principalmente na exploração mineral (acionistas de empresas exportadoras de minério e petróleo), no segmento farmacêutico, de comunicações e de transporte. Revela também que quatro países da América Latina – Brasil, México, Argentina e Venezuela – aparecem entre os 20 do mundo que mais enviaram recursos a paraísos fiscais.

“As elites fazem muito barulho sobre os impostos cobrados delas, mas não gostam de pagar impostos", afirma o diretor da Tax Justice Network, John Christensen. "No caso do Brasil, quando vejo os ricos brasileiros reclamando de impostos, só posso crer que estejam blefando. Porque eles remetem dinheiro para paraísos fiscais há muito tempo". O estudo analisa os valores desde a década de 1970.

Pobres pagam mais – A segunda pesquisa destaca que no Brasil são justamente os mais pobres que mais contribuem para custear os serviços públicos no país.  

Para chegar a essa conclusão a consultoria PwC comparou três faixas de renda anual: 70 mil libras (R$ 116.354,00), 150 mil libras (R$ 249.330,00) e 250 mil libras (R$ 415.550,00) – os valores em real estão de acordo com a cotação do dia 14 de março de 2014.

Nas três comparações os brasileiros pagam menos impostos de renda do que a maioria dos contribuintes dos outros 18 países pesquisados (além do Brasil os membros do G-20 são África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, mais a União Europeia). O brasileiro que ganha anualmente R$ 415.550, por exemplo, fica com 73,3% desse valor após descontar o imposto, enquanto que a média do G20 é de 65%.


Redação, com informações da BBC Brasil e do InfoMoney - 23/3/2015

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