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“Venezuelanos se apropriaram da renda do petróleo”

Linha fina
Para Igor Fuser, mudança econômica mais importante do governo Chávez foi utilizar a riqueza, antes nas mãos da elite, em benefício da sociedade
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São Paulo – Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, o jornalista Igor Fuser destaca o avanço social pelo qual passou a Venezuela com Hugo Chávez na presidência. Confira a entrevista que ele concedeu ao Sindicato:

> Povo se tornou protagonista na Venezuela

Como o senhor definiria o projeto político de Chávez para a Venezuela?
Chávez batalhou, desde o início, por um novo pacto social entre o Estado e o povo na Venezuela. Não por acaso, sua primeira iniciativa após a posse em 1999 foi a convocação de uma Assembleia Constituinte que tinha o objetivo explícito de "refundar" o país.

Isso significa afirmar que nos quase duzentos anos de vida independente do país, até então, a maioria da população estava excluída de uma verdadeira soberania, enquanto o Estado se voltou para a defesa dos privilégios de uma minoria restrita, constituída pelos herdeiros do poder colonial e, mais tarde, também pelos que se aliaram às transnacionais na exploração do petróleo.

O regime chavista procurou reconciliar o Estado com a sociedade, por meio de um gigantesco projeto de redistribuição da riqueza e do poder. Pela primeira vez, o governo e suas instituições colocaram em primeiro lugar as necessidades da população e se abriram para uma verdadeira participação política da maioria dos venezuelanos.

O que significou esse projeto para a economia do país?
A mudança mais importante, no campo da economia, diz respeito à apropriação da renda do petróleo e ao seu uso pelo Estado venezuelano. Quando Chávez assumiu o governo, a empresa estatal Petroleos de Venezuela (PDVSA) estava na iminência de ser privatizada. De toda a imensa riqueza produzida pela exploração do petróleo, só uma pequena parte revertia em benefício da sociedade venezuelana, já a parte do leão permanecia dentro da própria PDVSA. Os executivos da empresa estatal operavam como um Estado dentro do Estado, sem prestar satisfações às autoridades e fazendo todo o tipo de manobras administrativas para minimizar a arrecadação de impostos sobre a indústria petroleira. Também as empresas transnacionais presentes na Venezuela se apropriavam de uma parcela significativa dessa riqueza, o que, no final, deixava ao orçamento público apenas as migalhas do negócio milionário do petróleo.

Chávez restabeleceu o controle estatal sobre a PDVSA e as reservas venezuelanas de petróleo, aumentou a parcela arrecada pelo Estado sobre os lucros da empresa estatal e revisou os contratos com as empresas petroleiras privadas que operavam na Venezuela, elevando a participação estatal sobre a renda do petróleo.

Com isso, o Estado venezuelano se tornou capaz de financiar um amplo projeto de melhoria das condições sociais do país, diminuindo pela metade os índices de pobreza e viabilizando uma transformação radical do padrão de vida da maioria da população. O aumento do nível de renda dinamizou as atividades econômicas, o que se traduz nos altos índices de crescimento econômico na maior parte do período chavista.

O que do chamado projeto bolivariano foi colocado em prática?
O amplo apoio popular ao governo de Chávez tem a ver com o fato de que as suas promessas têm sido cumpridas fielmente. Nesses 14 anos, a Venezuela eliminou o analfabetismo e viabilizou o acesso de milhões de jovens da classe trabalhadora ao ensino médio e à universidade. Também no campo da saúde, houve uma melhora radical. Milhões de famílias passaram a ter acesso a assistência médica de qualidade, próxima aos seus locais de moradia, e muita gente que nem sabia o que é um dentista agora utiliza os serviços odontológicos oferecidos pelo Estado. Mais de 300 mil moradias, destinadas à população pobre, foram construídas nos últimos dois anos, o que é um número extraordinário num país de apenas 30 milhões de habitantes.

Os venezuelanos da classe trabalhadora e dos bairros populares, que constituem a imensa maioria, passaram a suprir plenamente suas necessidades de alimentação, graças à rede de armazéns que vendem todos os itens da cesta básica pela metade do preço de mercado.

As conquistas incluem ainda os Conselhos Comunitários, instrumento de democracia participativa pelo qual os próprios moradores decidem sobre as obras públicas a ser executadas na região onde vivem.

Em política externa, a Venezuela se tornou pela primeira vez um país respeitado na comunidade internacional, com autonomia em relação aos Estados Unidos e uma postura de solidariedade em relação a toda a América Latina.

Tudo isso são realizações concretas, e não promessas vazias, o que explica o fato de que Chávez tenha sido vencedor em todas as eleições de que participou.

A mídia classifica Chávez como ditador e populista e chama sua política de totalitária. Essas descrições definem a postura do ex-presidente?
É ridículo chamar de ditador a um presidente que ganhou todas as eleições de que participou, sempre com os resultados reconhecidos por observadores internacionais independentes. Quem conhece a Venezuela sabe que lá existe plena liberdade de expressão. Jornais oposicionistas publicam o que querem e as principais emissores de televisão falam abertamente contra o governo, sem sofrer qualquer tipo de censura. Na realidade, a Venezuela é um país muito mais democrático do que o Brasil, na medida em que a participação política dos venezuelanos é infinitamente maior do que a dos brasileiros.

As empresas de mídia, quando atacam Chávez, apenas mostram que seus interesses estão ligados aos da elite venezuelana e do capital transnacional, que preferiam manter a situação injusta que existia naquele país antes da chegada de Chávez à presidência. A mídia de direita só aceita a democracia enquanto prevalecem os interesses das classes ricas. Quando algum governo tenta promover mudanças em favor das classes desfavorecidas, é chamado de autoritário ou de ditador.

Chávez liderou uma tentativa de golpe em 1992. Isso de certa forma reforça a imagem de ditador usada pela mídia.
Quando Chávez liderou um levante militar em 1992, a Venezuela já não podia ser chamada de democracia. O presidente na época, Carlos Andrés Pérez, elegeu-se prometendo uma melhora geral nas condições de vida e a primeira coisa que fez, após assumir o governo, foi assinar um acordo com o Fundo Monetário Internacional que tinha como ponto principal o aumento dos preços dos transportes e dos produtos de primeira necessidade. Isso provocou uma revolta popular, em 1989, que foi esmagada em um banho de sangue, com mais de 3 mil mortes. Esse era o contexto que Chávez se sublevou contra o governo, à frente de um grupo de militares. Uma pesquisa de opinião pública, feita uma semana depois dessa rebelião, apontou que 80% dos venezuelanos queria a saída de Carlos Andrés Pérez.

Ao mesmo tempo, com o pacto entre AD e Copei, que exerciam uma política bipartidária antes de Chávez assumir o governo, pode-se dizer que a Venezuela vivia uma democracia?
Na realidade, a ascensão de Hugo Chávez como líder popular na Venezuela ocorre justamente a partir do naufrágio do regime político existente entre as décadas de 1960 e 1980, quando dois partidos, a Ação Democrática (AD) e a Copei, monopolizam o poder, por meio do Pacto de Punto Fijo. Esse foi um acordo entre as elites políticas do país para compartilhar todos os cargos importantes no governo entre os dois principais partidos e seus aliados, independentemente do resultado das eleições. A Venezuela, naquela época, era uma democracia de fachada, pois o acesso das classes populares ao poder estava totalmente bloqueado pela aliança entre as elites. Esse conchavo desmoronou na década de 1990, quando a crise econômica e política levou o Estado ao colapso. Chávez entrou em cena em um momento em que ninguém mais acreditava nos partidos e nos políticos tradicionais. Representou uma chama de esperança em momento de desespero, de descrença total.

Com a morte de Chávez, seu projeto político sobrevive?
O chavismo é um projeto político que vai muito além da presença do seu fundador. O movimento liderado por Chávez permanece em plena atividade e continuará lutando pelo mesmo objetivo de distribuir a riqueza e o poder na Venezuela, tornando o país mais justo. Esse é o significado do "socialismo do século 21", um esforço coletivo de superação de um sistema baseado na exploração dos trabalhadores – o capitalismo –, por um projeto político, econômico e social voltado para o atendimento das necessidades da maioria.

As mudanças que ocorreram até agora na Venezuela não se devem apenas à vontade de Chávez, mas à mobilização de milhares ou até milhões de militantes, que apoiaram a revolução bolivariana e lutaram em sua defesa em momentos críticos, como o golpe de Estado cometido pela direita em 2002. Nesse processo, surgiram novas lideranças em todos os níveis, local, regional e nacional. A maior parte desses militantes e dessas lideranças está agrupada no PSUV, o partido fundado por iniciativa de Chávez. Em todo esse imenso bloco político existe um consenso em apoiar a liderança de Nicolás Maduro, indicado por Chávez para substitui-lo no comando do processo revolucionário. Maduro conta hoje com o apoio unânime dos partidários de Chávez e já desponta como o grande favorito para as próximas eleições.

* Igor Fuser é jornalista, com mais de 20 anos de experiência em assuntos internacionais. É doutor em Ciência Política pela USP e professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, e pesquisador nas áreas de Política Externa Brasileira, Geopolítica da Energia, Política na América Latina e Política Externa dos EUA. Além de autor de vários livros, entre eles "Petróleo e Poder - O Envolvimento Militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico" (Ed.Unesp, 2008) e "Geopolítica - O Mundo em Conflito" (Ed.Salesiana, 2006).


Andréa Ponte Souza - 15/3/2013

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