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Bancários foram às ruas logo após o golpe de 1964

Linha fina
Testemunha da luta do Sindicato contra a ditadura, ex-presidente da entidade conta que panfletagem na madrugada de 1º de abril chamava para greve geral em apoio a Jango
Imagem Destaque

São Paulo – A madrugada de 1º de abril de 1964 não foi de sono para muitos cidadãos brasileiros, entre eles um grupo de sindicalistas bancários de São Paulo que circulava pelas ruas da capital deixando, nas portarias dos bancos ainda fechados, panfletos em apoio ao presidente deposto, João Goulart. O documento convocava assembleia para dali a dois dias e defendia a adesão dos bancários a uma possível greve geral dos trabalhadores em defesa da democracia. O golpe militar havia ocorrido apenas algumas horas antes, mas a categoria já se organizava.

O panfleto defendia as reformas de base propostas pelo governo Jango e que apontavam para mudanças estruturais como reforma agrária, tributária, educacional e controle das remessas de lucro ao exterior, entre outros pontos. “Como era de se esperar, o avanço democrático do nosso povo e suas mais recentes conquistas, consubstanciadas nos patrióticos decretos do presidente João Goulart (...) levaram ao desespero as camadas minoritárias de eternos privilegiados, responsáveis pelo sofrimento do povo brasileiro. Inconformados com o início das limitações à sua ganância, articulam-se publicamente com o objetivo de depor o Presidente da República, de anular aquelas conquistas, de impor um regime que restrinja as liberdades democráticas e sindicais, sob a hipócrita alegação de defenderem a ‘legalidade’”, afirma o documento, assinado pelo bancário Pedro Francisco Iovine, então presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo.

O golpe que instituiu o regime militar, e que completa 50 anos no dia 31 de março, determinou a intervenção do Sindicato, a deposição de sua diretoria e a prisão de várias lideranças, entre elas o presidente. Pedro passou 56 dias detido no Dops de São Paulo. “Sofri tortura psicológica. O delegado dizia que eu seria colocado em um navio e jogado aos tubarões. Também me prometeram o pau de arara (método de tortura), mas de fato não sofri tortura física, como aconteceu com muitos companheiros”, conta o bancário aposentado, hoje com 91 anos.

Os relatos do ex-dirigente sindical foram colhidos pela Comissão da Verdade do Sindicato, projeto iniciado no final de 2013 com o objetivo de “resgatar a memória desse período e dar voz a quem foi calado”, como explica o historiador Tiago Hilarino Christophe da Silva, que compõe o grupo junto com o diretor do Sindicato e coordenador da Rede Brasil Atual, Paulo Salvador, a fotojornalista Camila de Oliveira e o estudante de Comunicação, Cainã Vidor.

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Com memória e lucidez impressionantes, Pedro relembrou sua militância, a partir de sua sindicalização, em 1941, cinco anos após ter sido aprovado em concurso do Banespa. “De 1946 a 1964 participei de todas as greves da categoria, inclusive a de 1951, que durou 69 dias”. Iniciada em 28 de agosto – data que iria se tornar o Dia do Bancário –, a paralisação, mesmo isolada em São Paulo, conquistou 31% de reajuste. Os bancos ofereciam pouco mais de 15%.

As histórias contadas pelo ex-dirigente reafirmam o papel fundamental do Sindicato não só na luta contra a ditadura e pela redemocratização do país, mas também na organização de toda a classe trabalhadora, nas duas décadas anteriores. “O Sindicato participou de tudo quanto foi campanha: ativamente da campanha pela defesa do petróleo, da campanha pela paz, contra a carestia, ajudávamos nas greves de jornalistas, metalúrgicos, marceneiros, gráficos, vidreiros... Eram os bancários que comandavam o movimento sindical”, lembra Pedro, que se elegeu presidente em 1959 e se reelegeu em 1963, até ser deposto e ter seus direitos políticos cassados em 1964.

“Me aposentei logo depois do AI-5 (Ato Institucional nº 5, que ampliou a repressão) e fui trabalhar como contador. Apesar de ter passado mais de 30 anos no banco, me aposentei como escriturário, sem nunca ter sido promovido.” A retaliação patronal aos anos de militância não abalam o ex-dirigente: “Não me arrependo de nada do que fiz”.

Resgate – Os relatos de Pedro e de outros militantes do movimento bancário de São Paulo ouvidos pela Comissão da Verdade do Sindicato serão posteriormente divulgados e publicados. “Ainda estamos pensando nos desdobramentos possíveis desse projeto, mas em um primeiro momento devemos lançar uma revista. É importante que a história seja recontada”, diz Tiago Hilarino.


Andréa Ponte Souza - 19/3/2014

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