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Terceirização sem limites legitima barbárie

Linha fina
Acidentes, baixos salários, insegurança e adoecimento são apontados como consequência do projeto defendido pela classe empresarial para o país
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Brasília – Trabalhadores adoecidos mental e fisicamente, executando suas tarefas em locais precários e inseguros, mortes e baixa remuneração. São algumas das consequências da terceirização sem limites na sociedade. Os problemas foram apontados por juízes, procuradores e auditores do Trabalho, sindicalistas e pesquisadores acadêmicos, durante as mesas de debate do seminário A Terceirização no Brasil: Impactos, Resistências e Lutas, realizado na quarta 14 e quinta-feira 15, em Brasília.

“Os efeitos são terríveis para diversas categorias como bancários, petroleiros, da construção civil, do setor elétrico... São números estarrecedores de acidentes e mortes, mais as doenças laborais. É um quadro geral de adoecimento e mutilaçao dos trabalhadores”, disse o juiz do Trabalho Grijalbo Coutinho (foto à direita).

O magistrado destacou que caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida de forma desfavorável aos trabalhadores no caso Cenibra, permitindo a terceirização até mesmo nas atividades-fim das empresas, estará contradizendo a Constituição do país. “Tornará a Constituição vazia, sem valor, desrespeitará seus compromissos. O dever da empresa é garantir um ambiente saudável a seus empregados, mas que ambiente é esse que mutila?”, questionou, salientando que a questão é fundamentalmente política e que a classe trabalhadora tem de se organizar para combater essa ameaça. “Se a sociedade não se unir e denunciar a terceirização, mostrando à população que se essa ameaça for aprovada, vamos legitimar a barbárie. E a barbárie fatalmente virá, pois a terceirização é hoje o mais selvagem dos mecanismos do capitalismo.”

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Setor bancário – O juiz se debruçou sobre o setor bancário, segundo ele, um dos mais prejudicados. “No setor financeiro a precariedade radical, principalmente no que se refere a salários e à invisibilidade social do trabalhador. O terceirizado, a quem chamamos de bancário informal porque executa as tarefas bancárias mas não é considerado como tal, recebe menos da metade da remuneração de um bancário formal, e não tem uma série de direitos previstos na CCT (Convenção Coletiva de Trabalho) da categoria como PLR, vales refeição e alimentação. Sua jornada é no mínimo um terço maior que a jornada o bancário formal.”

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Grijalbo também ressaltou que o Banco Central legitima a terceirização ao permitir a ampliação dos correspondentes bancários. “Trata-se de um agente do Estado que acaba exercendo o poder de legislar.” E citou números que mostram o crescimento dos correspondentes: eram 13,7 mil em 2000 e em 2013 saltaram para 405 mil, crescimento de 285%.

O diretor da Contraf-CUT Miguel Pereira acrescentou números que mostram o crescimento da terceirização no setor financeiro. “Dados da Pnad mostram que, em 2002, 586 mil trabalhadores se intitulavam do sistema financeiro, e a taxa de sindicalização era de 50%. Em 2011, última Pnad, mais de 1 milhão se diziam no setor financeiro e nossa taxa de sindicalização caiu para 36%. Estima-se que atualmente o número de bancários formais seja de 470 mil. Isso significa que mais da metade dos que trabalham no setor não são reconhecidos como bancários. Isso é fruto do crescimento da terceirização nos bancos.”

Dimensão subjetiva – O procurador do Trabalho Cristiano Paixão destacou o papel da precariedade na subjetividade do terceirizado. “Somos seres históricos, temos planos para o futuro. Nos colocamos também no espaço, temos a casa, o espaço privado, o espaço de socialização. O terceirizado é desprovido dessas condições: o tempo do trabalho é um tempo aterrorizante e que planos para o futuro ele pode ter? Ele não enxerga formas de subir na carreira. O futuro existe como terror, como receio, como incerteza, ele se pergunta se vai ter seu emprego, se vai mudar de atividade, se vai ter verbas rescisórias caso perca o emprego. Até se seu empregador vai continuar existindo.”

Por outro lado, perde sua dimensão espacial. “Ele pode trabalhar um mês em uma empresa, em seguida ir para outra empresa qualquer. O trabalhador terceirizado é um trabalhador extirpado de sua relação com o espaço. A consequência disso não é apenas de precarização do trabalho, mas do próprio sujeito.”

E também citou a repercussão geral, no STF, no caso Cenibra: “Se sob a genérica forma da ‘liberdade de contratar’ está inserida a liberdade de coisificar o homem, seria muito irônico se depois de tantos anos de conquistas, de tantos projetos de lei, um só judiciário composto por 11 ministros viesse a destruir toda essa estrutura de direitos construída em décadas.”

Acidentes e trabalho escravo – O auditor fiscal do Trabalho Vitor Filgueiras citou dados de uma pesquisa organizada por ele, segundo a qual 90% dos resgatados de condição análoga a trabalho escravo em 2013 eram terceirizados.

O dirigente do Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Cartarina, Anselmo Ruoso, também traçou um painel desanimador de seu setor. “Hoje a holding Petrobras tem 62 mil trabalhadores diretos e 320 mil terceirizados. A relação é de um para cinco. Dos acidentes na Petrobras, 84% são com terceirizados.”

Mobilização – A pesquisadora Maria da Graça Druck, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Bahia, citou as propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para flexibilizar as relações trabalhistas. “A proposta da CNI é de prevalência do negociado sobre o legislado, significa o fim do direito trabalhista e de sua função de proteção aos trabalhadores. É um perigo enorme e nós não podemos deixar que isso aconteça. Se não nos reunirmos, formos para as ruas, sairmos em verdadeira campanha usando todos os canais, não conseguiremos fazer frente à ofensiva patronal. Temos que fazer isso para evitar inclusive que o Supremo intervenha naquilo que ele não tem competência para intervir.”

Outra pesquisadora, Magda Biavaschi, do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), ressaltou que “pactos justos só são possíveis entre iguais, no mundo da desigualdade isso é impossível. No capitalismo a desigualdade é estruturante. Então, sem os limites que o Estado constrói, prepondera a lei do mais forte e a guerra de todos contra todos. A CNI construiu suas propostas apostando na supressão da lei.”

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Andréa Ponte Souza - 15/8/2014
 

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