São Paulo – Já são 60% os paulistanos que relatam ter sofrido ao menos um episódio de falta de água em 30 dias. Os números, de pesquisa realizada pelo Datafolha, revelam que eram 35% em junho e 46% em agosto.
A situação alarmante poderia ter sido evitada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) (foto), independentemente da escassez de chuvas. A avaliação é do geólogo Delmar Mattes, um dos principais estudiosos sobre o assunto. A principal medida seria a aplicação de um plano de contingência que evitasse essa crise e que empresa de abastecimento do estado de São Paulo, a Sabesp, já possui, mas não colocou em prática.
Também é possível determinar a racionalização em residências e condomínios com sistemas que possibilitem o reúso da água para outros fins que não seja o consumo. “A água recebe tratamento para que seja usada na limpeza de uma calçada, para regar o jardim, lavar o automóvel”, critica o geólogo, falando também do armazenamento da água das chuvas. “Muitos países fazem isso. Temos períodos de chuvas intensas que dão enchentes e essa água evidentemente não é aproveitada.”
Delmar atenta, ainda, para a falta de políticas públicas para a preservação de mananciais. “A construção da parte sul e norte do Rodoanel dentro de áreas de proteção de mananciais, como as represas Guarapiranga e Billings e na Serra da Cantareira impactou as nascentes. Obras como essas estimulam a urbanização o que é incompatível com a preservação de áreas para produção de agua.”
Sem falar no racionamento evitado em tempos de eleição. “Teríamos que privilegiar escolas, creches, hospitais. Essas áreas são prioritárias. Hoje mais de 40 escolas estão sem agua só na cidade de São Paulo.”
Desperdício – A penúria hídrica tem ainda outra causa de responsabilidade direta da Sabesp: os vazamentos e rompimentos na rede de distribuição. De acordo com relatório da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), a companhia paulista desperdiça cerca de 32% de toda a água captada nos mananciais. Somente no ano passado foram perdidos 924,8 bilhões de litros, o que equivale à capacidade máxima do Sistema Cantareira.
O diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto, e Meio Ambiente do Estado de são Paulo (Sintaema), Antônio da Silva, atribui esse desperdício à falta de investimentos e diminuição do quadro de trabalhadores. No final dos anos 1980, a Sabesp contava com 24 mil empregados. Hoje são pouco mais de 14 mil, grande parte terceirizados, informa o dirigente.
Além disso, com a privatização da Sabesp, os interesses dos donos das ações da empresa se sobrepõem ao da sociedade. “Hoje a empresa tem ações em Nova York, e os acionistas fazem parte do conselho deliberativo. Eles preferem fazer mais ramais, porque isso significa mais contas de água para serem pagas, do que contratar trabalhadores para fazer reparos ou investir na captação e tratamento da água.”
Remédio amargo – Com o problema instalado, o governo tenta remediar a situação com a retirada do volume morto de água, que estava abaixo do nível das bombas. A medida pode acarretar na irrecuperabilidade do Cantareira e foi definida pelo presidente da ANA, Vicente Andreu, como uma pré-tragédia. “Se não chover a média nos próximos meses, a Sabesp vai tirar água do “lodo” para abastecer a cidade de São Paulo.”
O remanejamento de água de outros sistemas, como Billings e Alto Tietê para os consumidores antes abastecidos pelo Cantareira, e a aplicação de bônus para quem economizar também estão sendo tentados. Conta que deve sair cara para os consumidores nos próximos meses.
É possível – Muitas grandes cidades de outros países sofrem com a escassez hídrica causada não pela incompetência governamental, mas sim por fatores climáticos. Uma delas é Los Angeles, no sudoeste estadunidense.
No período de estiagem, a prefeitura permite que os abundantes jardins residenciais sejam regados durante uma hora em dois dias da semana, mas é proibido lavar carros sob pena de multa. A maior parte da população utiliza água de reúso. Pobre em potencial hídrico, Los Angeles retira a maior parte da água para consumo urbano de uma enorme usina de dessalinização, erguida à beira do Oceano Pacífico.
Para Gabriel Kogan, arquiteto formado pela Universidade de São Paulo e mestre em gerenciamento hídrico, é uma vergonha discutir escassez de água em um estado como São Paulo, em um país como o Brasil, com a maior disponibilidade hídrica do mundo. “Não há escassez de água aqui. O problema é que as águas estão poluídas, e as redes de captação obedecem critérios econômicos de curto prazo e para poucos. Lugares como Singapura conseguiram fechar o sistema: ou seja, tratar todo o esgoto e reaproveitar novamente para abastecimento. Precisamos usar essa crise como uma oportunidade para termos uma gestão de águas sustentável, economicamente e ecologicamente.”
Rodolfo Wrolli - 22/10/2014
(Atualizada às 12h35 de 23/10)