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Chapéu
Contra o setor produtivo

Novo presidente confirma enfraquecimento do BNDES

Linha fina
Dyogo Oliveira defende nova taxa de juros sem subsídios, o que beneficiará setor financeiro privado e diminuirá o nível de investimento, acentuando a desindustrialização e projetos de infraestrutura
Imagem Destaque
Arte: Marcio Baraldi

São Paulo – Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o novo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Dyogo Oliveira, defendeu a TLP (Taxa de Longo Prazo), nova taxa de juros sem subsídio operada pela instituição. 

O resultado do fim do subsídio operado pelo BNDES é a diminuição ainda maior do nível de investimento no Brasil, prejudicando a infraestrutura, acentuando a desindustrialização e, consequentemente, o desemprego. A avaliação é de Arthur Koblitz, doutor em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES). 

“Subsídio hoje parece uma coisa ilegal, mas o mundo inteiro faz. Onde os americanos conseguiram vantagens competitivas? Na aviação, por exemplo. A Boeing é subsidiada pelos gastos militares americanos. Ela produz um avião militar e o projeto depois é utilizado para a produção de um avião comercial. É uma vantagem que a Embraer não tem”, afirma Koblitz.

“É só olhar o caso da China, do Japão. Ninguém esconde isso”, continua o economista. “No mundo inteiro você tem bancos públicos, mesmo países ricos como Alemanha subsidiam áreas prioritárias. Se você tira isso, o que sobra? Os países que crescem e se desenvolvem contam com instituições como o BNDES para incentivar sua indústria, para viabilizar infraestrutura, exportação das suas empresas. Se Alemanha, que é um dos maiores centros industriais do mundo desenvolvido, precisa de um banco de desenvolvimento, como que o Brasil não vai precisar do BNDES?”, questiona Arthur. 

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A TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) era a taxa de juros subsidiada administrada pelo BNDES, portanto mais barata. Via Medida Provisória promulgada por Michel Temer (MP 777), foi substituída pela TLP (Taxa de Longo Prazo) em contratos de financiamento firmados a partir de 1º de janeiro de 2018. 

A TLP é definida de acordo com a remuneração de título pós-fixado do Tesouro Nacional indexado à inflação – mais próxima das taxas de mercado e, portanto, mais cara e suscetível a variações. 

Nova taxa prejudica setor produtivo

“O uso da TLP nas operações do BNDES, com o alegado objetivo de reduzir o custo do capital, não foi percebida pelas empresas fabricantes de máquinas e equipamentos devido aos altos spreads cobrados pelos bancos comerciais”, enfatiza José Velloso, presidente-executivo da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

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Enterrar a competição

Para Koblitz, o fim da TJLP foi idealizado para diminuir a competição contra os bancos privados. “O que o governo Dilma conseguiu mostrar claramente é que o Estado brasileiro tinha mantido algumas armas muito poderosas do ponto de vista financeiro via bancos públicos. Tinha o poder de reduzir a TJLP e o spread [diferença entre quanto os bancos pagam ao tomar empréstimo e o quanto cobram para emprestar ao consumidor] do Banco do Brasil, tinha os programas de [financiamento da] casa popular da Caixa Econômica. São programas que podem botar uma pressão competitiva nos bancos privados. A meu ver, querem enterrar isso.”

Submetido às vicissitudes do mercado 

Na mesma entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, o novo presidente do BNDES também disse que sem o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e o Tesouro Nacional – fontes de financiamento do BNDES – o banco terá que buscar dinheiro no mercado. Segundo ele, a primeira captação será feita nos próximos meses, e se tornará rotina.

Para Koblitz, a intenção é estimular o governo e o BNDES a tomarem empréstimos no exterior. “Mas isso vai submeter as contas públicas brasileiras às vicissitudes do movimento cambial no mundo globalizado, que tem crise toda hora, e que as taxas de câmbio variam loucamente”, avalia.

Encolhimento

Levantamento realizado por Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec) da Fipe, mostra que o peso do BNDES nos investimentos do país é o menor em mais de 10 anos. 

Em 2017 os desembolsos do banco responderam por 5,3% do financiamento da formação bruta de capital fixo (FBCF, conta que mede os investimentos na economia). Os desembolsos do BNDES representavam 15,2% dos investimentos em 2014. Naquele ano, as liberações somaram R$ 187,8 bilhões, lideradas pela infraestrutura. 

O espaço deixado pelo BNDES vem sendo ocupado por outras fontes de financiamento. De acordo com o jornal Valor Econômico, os mercados de capitais e de ações representavam 10,2% dos financiamentos dos investimentos de empresas e famílias em 2014. Essa fatia chegou a 13% no ano passado. Também de 2014 para 2017, o peso somado do investimento estrangeiro e fontes de financiamento internacional passou de 30,5% para 32,4%

“O que o Dyogo Oliveira está fazendo no BNDES é dar prosseguimento a uma politica de enfraquecimento dos bancos públicos e redução do Estado com o agravante de que está sendo feito de uma maneira ilegítima, por um governo que não teve voto popular. Do ponto de vista objetivo, ninguém se beneficia com isso. No entanto, no horizonte que se coloca, o sistema financeiro privado vai reinar sozinho”, reforça José Antonio Alves Junior, economista da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.  

Junto com João Sicsú, também professor de economia – mas da Universidade Federal do Rio de Janeiro –, Alves Junior é autor da cartilha produzida pelo Sindicato Em Defesa dos Bancos Públicos – Verdades e Mentiras

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