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Pochmann critica fusão das instituições paulistas

Linha fina
Economista faz o alerta: “São Paulo pode perder as joias que se constituíram ao longo do tempo"
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São Paulo - Para garantir a atuação e existência de fundações e institutos públicos de pesquisa no estado paulista, trabalhadores participaram nesta quinta 13, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), do lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa e das Fundações Públicas do Estado de São Paulo.

A iniciativa é dos deputados petistas Carlos Neder e Adriano Diogo, a partir de mobilização dos servidores.

A fusão das fundações Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Prefeito Faria Lima – Centro de Estudos e Pesquisa de Administração Municipal (Cepam) e do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) foi decidida pelo governador Geraldo Alckmin sem qualquer diálogo com os trabalhadores, por meio do Decreto nº 59.327, de 2013, assinado no final de junho, após a série de manifestações públicas que reivindicaram a redução da tarifa no transporte público.

As fundações são órgãos de inteligência, que municiam o governo e a sociedade com dados relevantes para planejamento e gestão de ações do estado e, consequentemente, com impacto no uso do orçamento público. As entidades têm papéis totalmente distintos e Alckmin ainda não esclareceu como a fusão se dará, nem o destino dos trabalhadores.

Na Frente Parlamentar, uma das propostas dos servidores será promover debates com os candidatos que venham a se eleger para o governo do estado, em 2014.

Em entrevista exclusiva à CUT São Paulo, o economista e presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, afirma que a proposta de fusão “é o modo tucano de governar, não tem discussão nenhuma, é imposição. Se não houver mobilização, São Paulo pode perder as joias que se constituíram ao longo de muito tempo”.

Portal da CUT/SP - É prática comum, do governo estadual, propor fusão ou desmonte de instituições públicas?
Marcio Pochmann – Não é a primeira vez que há um movimento do governo tucano de desconstituir instituições comprometidas com a produção do conhecimento na esfera pública. Já vínhamos observando um movimento de enfraquecimento dessas instituições. Basicamente, desde os anos de 1990, há uma compressão de recursos orçamentários para o funcionamento dessas instituições e certa pressão para que elas dependam cada vez mais de recursos provenientes do setor privado, portanto, vendam serviços.

Os trabalhadores das fundações reclamam da falta de recursos públicos e da entrada de capital privado. Qual a sua avaliação sobre o financiamento às instituições?
Isso vem desgastando a efetividade e a qualidade delas. Não é uma especialidade paulista, mas tucana, é o modo tucano de governar. Se formos ver o que acontece em Minas Gerais, veremos que também houve financiamento privado de instituições que viviam de recursos públicos. É óbvio que o financiamento de instituições públicas por recursos privados pode comprometer o interesse público. O setor privado está preocupado com o curto prazo, visa o lucro e fará investigações a partir dos interesses de quem financia.

As fundações remontam a história do Brasil desde o pós-golpe militar e contribuíram para a democracia?
Sim. Se fizermos um levantamento histórico veremos que o Seade certamente é a mais conhecida nesse sentido, até porque na transição da ditadura para a democracia, na virada dos anos 1970 para 1980, com [Franco] Montoro, por exemplo, houve aproximação e engajamento dessas instituições, especialmente ao Dieese, a instituições de trabalhadores. Isso permitiu ao Seade inovar na construção de metodologias voltadas ao funcionamento do mercado de trabalho, como a pesquisa de emprego e desemprego. Já a Fundap, nos anos 1980, construiu um grupo que teve um papel importante na discussão sobre finanças públicas brasileiras, na contribuição de propostas, na qualificação de servidores, na introdução e difusão de uma metodologia de planejamento estratégico.

O senhor aponta que as fundações construíram importantes metodologias que permitiram maior transparência no estado de São Paulo.  Isso tem mudado?
A relevância e a construção desses sonhos [fundações] foram sendo esvaziados ao longo do tempo e agora estamos diante do seu funeral, porque a proposta de integração do governo é como se fizéssemos uma medida forçada de juntar, de forma metafórica, uma padaria, uma mecânica e um cabeleireiro. São serviços, evidentemente, mas não são compatíveis.

E do ponto de vista econômico?
São Paulo tem um dos piores desempenhos econômicos nos últimos 20 anos. É o estado que menos avançou no enfrentamento à pobreza e desigualdade de renda. E quando falamos das fundações podemos ver, de certa maneira, essas instituições que são, na verdade, as possibilidades de você monitorar o estado, perdendo sua eficácia e sendo desconsideradas.

A maioria da população vê isso?
Essas instituições aqui em São Paulo, no Brasil e no mundo, não são perceptíveis para o conjunto da população porque, apesar de realizarem um trabalho fundamental, porém, muito específico, são voltadas à análise, produção de indicadores, sistematização e a população, em geral, não tem muito contato com esses dados.

Como traduzir a importância das fundações para a classe trabalhadora?
Vamos imaginar que um cidadão comum vai ao médico e o primeiro procedimento do médico é solicitar diagnóstico, fazer exames. O paciente não conhece, mas sem aqueles exames, o médico não tem como fazer qualquer tipo de intervenção. Portanto, assemelha-se a essas instituições, responsáveis por capacitar os servidores públicos, que são responsáveis por produzir informações para aqueles que tomam decisões. A qualidade das decisões, muitas vezes, está relacionada ao tipo de informação da qual dispõe. Podemos dizer que não há caminho a seguir para quem não sabe para onde ir.

Trabalhadores das fundações, que pediram sigilo, afirmam que nem todos os dados são divulgados abertamente, pois depende de aprovação e de estatísticas favoráveis ao governo. Isso é esconder informação?
Neste século 21, é paradoxal que tenhamos maior possibilidade de ter conhecimento de como funcionam governos e recursos e, em São Paulo, o governo estadual esteja usando o exemplo contrário. Isso é, sim, esconder informações e evitar o direito mínimo que a Constituição garante, de conhecer a realidade dos que fazem a administração pública. Certamente, se os dados fossem bons, tenho certeza governo teria interesse em mostrá-los. Porque não são bons, há dificuldade em ter acesso.

Com relação ao Brasil, para onde o estado paulista caminha?
São Paulo está convivendo com oportunidades inéditas em relação aos grandes investimentos que estão sendo feitos do ponto de vista da mobilidade, seja do transporte aéreo ou nos investimentos significativos nos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, que vão colocar o estado em outro patamar em termos desse tipo transporte.

Existem possibilidades do estado paulista em relação ao novo modal que está sendo encaminhado, a partir do governo federal. Têm os investimentos que estão sendo constituídos em função da exploração do pré-sal, que significará um impacto grande para São Paulo, além de toda a linha portuária. Evidentemente, abre a perspectiva do estado se colocar em relação ao Brasil, mas não temos visto qualquer interferência do plano estadual compatível com essas oportunidades, a menos que estejam escondidos.

Os trabalhadores dizem não haver amplo debate no processo de fusão. Isso é marca de gestão?
É mesmo o modo tucano de governar, não tem discussão nenhuma, é imposição. Se não houver mobilização, São Paulo pode perder as joias que se constituíram ao longo de muito tempo.


Vanessa Ramos, da CUT/SP - 14/3/2014

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