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Defender a democracia também é papel do Sindicato

Linha fina
Ataques às conquistas dos trabalhadores e ao Estado de Direito caminham juntos para levar sociedade brasileira ao retrocesso
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São Paulo - A condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento à Polícia Federal levou a protestos de importantes setores da sociedade. E a um questionamento: a quem interessaria o espetáculo por meio do qual cerca de dezenas de policiais chegaram à casa de Lula, em São Bernardo, logo nas primeiras horas da manhã da sexta-feira 4, numa megaoperação que levou a uma cobertura midiática sem proporções.

Paralelamente, uma campanha da legalidade tomou conta das ruas e das redes sociais: era o outro lado da notícia. Blogueiros, juristas, artistas, intelectuais, milhares de pessoas se uniram, inclusive nas redes sociais, para deixar claro: todos estão a favor do combate à corrupção, mas não aceitam golpes contra a democracia, o Estado de Direito, numa indignação seletiva que só traz prejuízos ao país. Se a legalidade foi rompida contra um ex-presidente da República, imagine o cidadão comum. Diante disso, somente no dia 4 houve protestos em quase 1.500 cidades do país, com a participação de mais de 500 mil pessoas.

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Diversos magistrados também criticaram a ação da Polícia Federal. “Não conheço na nossa legislação a figura da condução coercitiva sem que tenha havido antes a convocação. Você (fazer) logo a condução coercitiva é um exagero. E na realidade o que parece é que esse juiz (Sergio Moro) queria era prender o Lula. Não teve a ousadia de fazê-lo e saiu pela tangente”, afirmou José Gregori, ministro da Justiça (2000-2001) e secretário de Direitos Humanos (1997-2000) do governo Fernando Henrique Cardoso.

“É algo surpreendente e preocupante. Essa vergonha está acontecendo no país é uma coisa que precisa ser apurada, mas me preocupa quando tem um desvio de legalidade”, reforçou Walter Maierovitch, ex-secretário Nacional Antidrogas do governo FHC.

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“Minha leitura, tecnicamente, é que nada disso era necessário. Ele poderia ter sido intimado, disse o jurista Alamiro Velludo Salvador Netto, professor de Direito Penal da USP. “Pode parecer tola, para a opinião pública, a defesa dessas garantias legais, mas são estruturas fundamentais. Sem isso, se cria um sistema inquisitorial.”

O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello também fez críticas contundentes. “Nós, magistrados, não somos legisladores, não somos justiceiros.” E afirmou: “Se pretenderem me ouvir, vão me conduzir debaixo de vara? Se quiserem te ouvir, vão fazer a mesma coisa? Conosco e com qualquer cidadão? O chicote muda de mão. Não se avança atropelando regras básicas”.

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Obstáculo - O sociólogo Emir Sader também se posicionou, em artigo na Rede Brasil Atual, questionando quem é obstáculo para a democracia brasileira? “Lula, com sua liderança política, ou os monopólios privados dos meios de comunicação? Lula, com seu prestígio popular, ou quem deseja judicializar a política e impor a ditadura do Judiciário?”

E responde: “depende da concepção que se tenha da democracia. O Brasil saiu da ditadura e retomou um sistema político que o liberalismo considera democrático, com a retomada dos direitos jurídicos e políticos, mas sem tocar no estigma mais profundo que carregava o país: o de ser o mais desigual do continente mais desigual”.

Ataque a um projeto - Não são poucos os dados a reforçar tais mudanças no status quo da sociedade brasileira. Lula representa um projeto reconhecido em todo o mundo no combate à miséria e à desigualdade social, características da nossa história por mais de 500 anos.

País de dimensões continentais e grande influência junto às nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, o Brasil foi elevado durante a era Lula à condição de liderança internacional. Seja por meio do fortalecimento do bloco do Mercosul, a criação do banco dos Brics (que reúne Brasil, Rússia, Índia e China) ou pelo empoderamento da Petrobras como exploradora do pré-sal, o governo democrático e popular abalou estruturas poderosas e incomodou.

Não por acaso, paralelamente, o Congresso Nacional – o mais retrógrado desde os tempos de ditadura militar – promove uma enxurrada de votações que investem diretamente contra os direitos dos trabalhadores. Buscam vender a Petrobras para o cartel internacional do petróleo (via PLS 131/2015, do senador tucano José Serra); acabar com as empresas públicas (via PLS 555, do senador também tucano Tasso Jereissatti); ampliar a terceirização para enterrar direitos trabalhistas (via PL 30/2015, do ex-deputado Sandro Mabel com o apoio de praticamente todos os partidos, à exceção do PT, PCdoB e Psol).

Defesa dos trabalhadores - “Estamos fazendo nosso papel”, afirma a presidenta do Sindicato, Juvandia Moreira, lembrando que o Comando Nacional dos Bancários, que reúne representantes da categoria em todo o Brasil, definiu uma série de resoluções no dia 23 de fevereiro e entre elas, a defesa da democracia. “Tanto o movimento sindical, como o social e o estudantil deixaram claro: não vão aceitar nenhum golpe contra os avanços duramente conquistados em tantos anos de luta. O que aconteceu com o ex-presidente Lula foi um abuso, uma afronta ao Estado de Direito. Gostando ou não da pessoa que estava passando pela situação, não podemos deixar de pensar que o rompimento da legalidade amanhã pode ser com qualquer um, inclusive com você”, ressalta Juvandia. “É só no ambiente democrático, de respeito aos trabalhadores, que todos ganhamos”, reforça, destacando conquistas como os aumentos reais da categoria desde 2004 – que já somam 20,84% nos salários e 42,28% no piso – e a política de valorização do salário mínimo, que proporcionou ganho real de 77,3% acima da inflação acumulada desde 2002.

“Iremos para cima de quem quer que se coloque contra nossa luta pela ampliação de direitos para os trabalhadores, promoção da igualdade, da inclusão social. E esse recado também é para o atual governo. Não aceitamos retirada de direitos, a terceirização ilimitada, o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria”, declara a presidenta do Sindicato. “Estamos preocupados como a crise política e econômica está afetando os empregos. Vamos permanecer mobilizados, nas ruas, em defesa da democracia e contra essa agenda que retira direitos”, conclui Juvandia. 

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Cláudia Motta - 8/3/2016

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