São Paulo - O Orçamento Participativo é a experiência brasileira em gestão pública mais famosa no planeta. Não há discussão sobre participação popular nos governos que não cite o exemplo pioneiro de Porto Alegre como um caso a ser estudado com atenção. Apesar do sucesso acadêmico e da aplicação desse instrumento por mais de 300 cidades no Brasil, o OP como bandeira política desapareceu. Nas eleições municipais, palco por excelência para o uso da ferramenta, o assunto não aparece. Mesmo dentro do PT, não há tanta paixão ao redor do tema.
Um estudo realizado pelos pesquisadores Michel Touchton e Brian Wampler, da Boise State University, nos Estados Unidos, mostra que os resultados do Orçamento Participativo dariam argumentos eleitorais consistentes. A pesquisa analisou 253 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes que adotaram o programa entre 1989 e 2010. A análise mostra que, em média, esses municípios gastam 6% a mais do orçamento com saúde e saneamento do que aqueles que não têm o mecanismo. Quando são considerados os municípios com mais de 8 anos de implantação do OP, o aumento no gasto em saúde chega a 23%.
Para medir a efetividade desse investimento, os pesquisadores escolheram a mortalidade infantil como o indicador referencial. Aqui, o resultado é ainda melhor. Nessas cidades, os número de crianças mortas antes de completar um ano é 8% menor. Nas cidades que têm o OP há mais de 8 anos, a mortalidade infantil é 19% menor do que nas cidades que têm o mecanismo há menos de 4 anos.
Outro fator positivo, de acordo com o estudo, é o aumento da organização da sociedade civil nesses municípios. Esse era, aliás, um dos objetivos iniciais do OP tal como pensado e aplicado em Porto Alegre. Só agora, mais de 20 anos depois, os números começam a mostrar esse resultado. Cidades com OP têm um número do ONG's 8% maior do que aquelas sem o programa.
Os números deixam claro que a participação da sociedade nas definições das prioridades dos municípios traz benefícios palpáveis, especialmente para as parcelas mais pobres da população. Fica claro, também, que a continuidade do OP melhora os resultados. Isso ocorre por conta do ganho progressivo de capital social nas localidades que contam com esse instrumento. O número de pessoas e organizações engajados nos processos de decisão aumentam com o tempo, assim como a prática e saber político.
Outro achado da pesquisa mostra que, por mais que vivamos tempos cínicos em relação aos mecanismos de representatividade, a política partidária tem papel na melhoria dos números. Cidades governadas pelo PT, partido que serviu como berço para o OP de Porto Alegre, tendem a ter resultados melhores que os de outras siglas. Prefeituras com prefeitos do PT que usam o modelo têm, em média, uma taxa de 23 mortes para 1.000 nascimentos. Em cidades que usam o OP, mas são governadas por outros partidos, esse número é de 26 por 1000.
Desde a criação, o Orçamento Participativo vem passando por análises e críticas diversas. Há a visão de que a parcela do orçamento disponível para a escolha da sociedade não é suficiente. Esse número varia em cada cidade, mas, em média, é de 15%. Esse valor não seria suficiente para promover uma transformação em escala no território. Outra questão é que as decisões são tomadas dentro das subdivisões criadas para tal, sem diálogo com as outras. Isso significa que uma política mais geral é impossível por esse meio. O fato de apenas o orçamento e, não decisões políticas, seja objeto de escolha, também pode ser criticado. Mesmo assim, o resultado parece ser positivo.
A proposição de mecanismos desse tipo, inclusive, parece estar em consonância com o espírito das manifestações de 2013, que tanta descrença mostraram na representação política. Um fórum para a escolha direta de prioridades faz sentido dentro dessa perspectiva. Esse poderia ser pelo menos um ponto de partida para o diálogo mais franco entre governos e população.
Talita Pires - 10/4/2014
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Instrumento de gestão usado em mais de 300 cidades do país dá ganhos também em organização social
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