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Haddad: "impróprio" chamar protestos como greve

Linha fina
Em entrevista à RBA e à TVT, prefeito de São Paulo afirma que atitudes da motoristas e cobradores são 'incompatíveis com a razoabilidade' e diz que 'histeria do mercado' travou debate sobre a dívida
Imagem Destaque

São Paulo – No gabinete do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), é proibido dizer que o dia está tranquilo: “Sempre que alguém fala isso, tudo vai pelos ares”, brinca uma assessora, momentos antes de o prefeito receber as equipes da RBA e da TVT para uma entrevista de 45 minutos. Os desafios da administração não têm sido poucos: a prefeitura luta para cumprir metas com um orçamento apertado, prejudicado pelo adiamento da renegociação da dívida com a União e pela impossibilidade de reajustar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) antes de decisão judicial sobre o assunto, e ainda tem de absorver, de alguma forma, as reivindicações dos sindicatos e movimentos sociais que têm ido às ruas com frequência e intensidade às vésperas do jogo de abertura da Copa do Mundo, que ocorre no dia 12 de junho, em Itaquera, na zona leste.

Em relação aos protestos de motoristas e cobradores de ônibus, que causaram problemas de locomoção em toda a cidade nos últimos dias 20 e 21, Haddad faz questão de marcar que acha “impróprio” caracterizar um ato sem sindicato como uma greve, e ressalta a posição da prefeitura no processo de negociação. “Os motoristas e cobradores não são funcionários da prefeitura, eles são funcionários das concessionarias de transporte público da cidade, e o dissídio tem uma relação privada entre empregadores e empregados, como se estabelece em qualquer empresa. Obviamente, por se tratar de um serviço essencial, a prefeitura acompanha para verificar se está havendo diálogo, se estão chegando a um bom termo, mas sempre como um terceiro observador”, afirma.

O prefeito diz ainda que não acredita que uma nova bateria de protestos esteja para acontecer durante a Copa do Mundo. “Pode acontecer e me surpreender, mas acho que junho do ano passado é um caso muito particular, que ainda vai exigir alguma reflexão para ser elucidado”, pontua, e ressalta que, em sua opinião, as mobilizações, que contam com forte presença de estudantes universitários, são consequência da política de expansão do ensino do governo federal.

Confira a primeira parte da entrevista

A população de São Paulo enfrentou diversos problemas de mobilidade durante a greve de motoristas. O senhor pode fazer uma avaliação desse movimento?
Primeiro que é difícil caracterizar como greve. Acho impróprio. Os motoristas e cobradores não são funcionários da prefeitura, eles são funcionários das concessionarias de transporte público da cidade, e o dissídio tem uma relação privada entre empregadores e empregados, como se estabelece em qualquer empresa. Obviamente, por se tratar de um serviço essencial, a prefeitura acompanha para verificar se está havendo diálogo, se estão chegando a um bom termo, mas sempre como um terceiro observador. Sem nos imiscuir nos assuntos internos aos sindicatos, mas como um observador para garantir que o diálogo prevaleça sobre o desentendimento, a truculência e tudo mais.

Na véspera da terça-feira, eu recebi um comunicado que haviam chegado a um acordo aprovado em assembleia, e como foi o mesmo percentual de acordo do ano passado, me pareceu coerente com as possibilidades do sistema. No ano passado, houve um acordo nesse mesmo patamar de 10%. Então, para nós, a notícia dada é de que haviam chegado a um bom termo, e, no dia seguinte, houve o que todo mundo sabe, uma parcela da categoria se insurgiu contra o acordo.

Na minha opinião, tumulto, medidas completamente incompatíveis com a razoabilidade, você não pode imaginar que pessoas inconformadas com a conduta do sindicato possam prejudicar um contingente enorme da população. Evidentemente que nós tomamos as medidas judiciais cabíveis, notificamos os dois sindicatos e a questão foi parar na Justiça do Trabalho, que determinou a volta do trabalho. Não havia nem como ser diferente. Eu penso que a prefeitura agiu como deveria nesse caso.

Uma das propostas do senhor era a de municipalizar uma das linhas, ou uma das áreas de ônibus da cidade. Com isso, a situação teria sido diferente? A prefeitura teria um poder maior para garantir a mobilidade?
Não. Primeiro porque isso é um projeto de médio e longo prazo. Nós estamos estudando um desenho de uma atuação mais efetiva do poder público, e tem algumas pendências, sem o que fica muito difícil de imaginar esse horizonte. Por exemplo, a renegociação da dívida com a União é um fator importante para viabilizar esse projeto, porque nós teríamos que ter uma empresa capaz de contratar empréstimos para compra e aquisição de uma frota própria.

A prefeitura não tem recursos para adquirir uma frota própria se não houver uma possibilidade dada pela renegociação da dívida, então depende de alguns pressupostos que ainda não estão resolvidos. Está no Senado, a Câmara já aprovou, mas nós temos que evoluir nessa direção. E mesmo que nos tivéssemos a empresa, imagina você montar um aparato… isso é uma tarefa de anos, porque a CMTC foi, décadas atrás, desmontada, e hoje o transporte público não é mais encargo de uma empresa pública, é de empresas privadas. Mas eu penso que São Paulo e o Brasil vão ter ter que discutir o modelo de transporte público daqui para frente. Uma das providências que eu anunciei, essa sim está saindo e eu acho que vai ser bom, é abrir as contas do sistema por meio de uma auditoria internacional.

Como está andando isso?
Está andando. Ela foi contratada, a licitação é muito complexa, é uma licitação de técnica e preço. Foram meses de negociação, inclusive com o Tribunal de Contas, para fazer compreender a necessidade dessa auditoria, já que supostamente todas as contas já são auditadas, tanto internamente pela SPTrans, quanto externamente pelo Tribunal de Contas. E nós tivemos um percurso longo de convencimento de que esses expedientes não eram suficientes para aquilo que nós pretendíamos, que dá total transparência para o sistema, e aí a licitação tem que ser como foi, uma licitação internacional, porque nós não queríamos limitar a parceria a consultorias nacionais. Foi uma grande consultoria internacional que ganhou, a Ernst & Young, que enfim, tem um faturamento de US$ 20 bilhões.

Então o contrato com a prefeitura é de R$ 4 milhões, uma fração diminuta do seu orçamento mundial, isso dá segurança de que eles tenham o aval da prefeitura para fazer um trabalho realmente independente. Um dos legados que nos queremos deixar são as contas abertas do sistema, para dar segurança aos prefeitos, à sociedade, aos trabalhadores, de que tudo está organizado de maneira coerente. O lucro do empresário tem que existir, mas não pode exorbitar a um determinado patamar, os salários dos funcionários têm que ter espaço, o poder público tem que ter um limite do que pode remunerar.

Está próximo o prazo para conclusão desse trabalho?
O prazo é de seis meses, que já estão correndo. Acho que talvez em mais quatro ou cinco meses nós tenhamos o resultado.

A conclusão desses estudos é condicionante para discutir um novo reajuste da tarifa?
É condicionante para a licitação. Suspendemos a licitação no ano passado porque entendemos que uma parcela significativa da sociedade tinha um ponto importante, que era mais transparência. Como é que eu vou assinar um contrato de 15 anos quando a sociedade está pedindo mais transparência? Então julguei que era o caso de fazer um contrato de emergência por um ano, sobrestar a licitação, fazer a auditoria para só depois relançar o edital. Então eu acho que a responsabilidade de um prefeito em um momento de crise é agir para dar segurança para as partes, sendo que a sociedade é a parte mais interessada nessa relação.

Poucas cidades do Brasil fazem isso. Conheço dois ou três casos. Um que é mais evidente, que é Belo Horizonte, acho que foi a única capital que fez, e São Paulo está seguindo esse caminho. Você viu que a gente não impediu a instalação da CPI, acho importante esse gesto. Pelo contrário, falei: ‘Olha, se os vereadores quiserem colaborar, é bem-vinda a colaboração’. Assim como eu criei a Controladoria Geral do Município para abrir todas as gavetas da prefeitura e colocar tudo em pratos limpos. Acho que é uma atitude incontornável hoje na administração pública, e acho que a minha administração dá um bom exemplo ao tomar as providências para que as pessoas conheçam os números e possam ajudar a administração a fazer as melhores opções.

Ainda sobre as greves, os servidores municipais vão fazer uma assembleia esta semana, e algumas categorias reclamam que não tiveram nenhum reajuste da base.
Olha, estamos apresentando propostas para as principais categorias. Você veja no caso do nível superior, que não teve um reajuste expressivo no ano passado. Até o nível médio, o reajuste chegou a 80%. Estávamos com uma defasagem de salário absurda, tinha muita gente na prefeitura ganhando menos de um salário mínimo, e todo esse contingente foi atendido com um generoso e justo reajuste, e quero dizer claramente: justo aumento da sua remuneração.

Os professores, em 16 meses de governo tiveram 26% de reajuste. Esse reajuste não atingia quem ganhava o piso, e por isso que nós demos os 15% de abono para quem ganha o piso. E hoje é um dos maiores pisos salariais do país, paga mais que o governo do estado. São Paulo é muito mais endividava que o estado, e não obstante a gente remunera melhor o professor. Cerca de dez mil professores atuam na rede municipal e também na rede estadual, então, do que nós estamos falando?

No caso do nível superior, nós temos uma proposta que está em discussão. No caso da Guarda Civil Municipal, que era um reinvindicação histórica, já foi feito acordo, e, no caso da
saúde, nós estamos discutindo também, depois de oito anos, a retomada do protagonismo do Estado na área da saúde, que foi todo relegado para as Organizações Sociais (OSs). São bem-vindas as parcerias, mas o Estado também tem que ter o seu espaço na rede, no SUS. Em São Paulo, toda a tendência era a delegação de competências para parcerias privadas, então, com essa proposta que nós estamos montando, nossa ideia é resgatar o protagonismo do poder público sem prejuízo de parcerias que precisam ser mais transparentes e mais eficazes.

O senhor fala muito do endividamento, mas o que falta para sair a renegociação da dívida com a União?
Caminhou quase tudo o que podia. Aprovou na Câmara, aprovou em todas as comissões do Senado, agora é uma questão do presidente do Senado colocar em plenário para votar. Eu acho que está maduro e que o governo fez bem em dar uma segurada, porque havia muito mal entendido em relação a isso. Imaginava-se, sobretudo muitos economistas conservadores, que isso abriria espaço para uma nova rodada de endividamento dos estados, o que é absolutamente inverídico. Não é verdade.

São Paulo, por exemplo, com a renegociação, vai superar ainda o limite de endividamento previsto na resolução do Senado, que é de 120% da receita líquida. Então nós demonstramos, inclusive em várias rodadas de reuniões, que o temor não tinha fundamento. Uma coisa é você temer, outra coisa é, diante dos números, teimar contra a matemática. Não é justo os entes mais fracos, estados e municípios, pagarem à União um juro superior ao que o que ela paga para sua própria dívida. Não tem cabimento, porque é o enriquecimento sem causa da União.

Como eu vou pagar para a União mais do que ela paga? Ela, que assumiu minha dívida, está pagando um juro menor do que o que eu pago para ela? Não faz sentido. É disso que se trata. Um equilíbrio econômico do contrato. Você vê que hoje ninguém mais está tocando muito no assunto. Foi um momento em que a histeria tomou conta do mercado financeiro e eles fizeram pressão sobre o Senado para não avançar.

O senhor tem a expectativa de que a renegociação possa ser aprovada ainda este ano, portanto.
Eu acredito que sim. Ficam falando de São Paulo, mas são 180 municípios na mesma situação, onde vivem 25% da população brasileira. Como alguém pode ser contra isso? Depois que apresentamos as contas, acho que essa questão está, em parte, superada. Perdemos o timing, já podíamos ter resolvido isso. Mas é melhor tomar uma medida segura do que votar na base da maioria e deixar em dúvida parte da população. Acho que se criou um ambiente de consenso hoje.

Ainda na questão financeira, o senhor desistiu do reajuste progressivo do IPTU? É arriscado fazer este debate em ano eleitoral?
Nós vamos aguardar a decisão da Justiça. A decisão do ano passado era provisória, foi uma liminar. Nunca se questionou uma atualização de planta genérica de valores de terrenos no Brasil. Eu nunca vi isso acontecer. Acho que foi uma excessiva politização por parte do PSDB e da Fiesp, que agiram contra a cidade, na minha opinião. A atualização de base de cálculo nunca foi discutida no Brasil judicialmente.


Sarah Fernandes e Diego Sartorato, da Rede Brasil Atual - 26/5/2014

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