São Paulo – A equipe do filme Aquarius manifestou-se terça 17 contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, durante o tapete vermelho de Cannes, na França. Os incentivos do estado, que deram fôlego ao setor nos últimos anos, encaram perspectivas nebulosas com o 'governo' do interino Michel Temer.
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“Hoje, o audiovisual brasileiro se sustenta basicamente por editais. Existem exceções, mas é um mercado pouco sustentável e arriscado. O mundo inteiro precisa de subsídio estatal. Mesmo nos Estados Unidos eles contam com incentivos”, diz Diana Almeida, produtora do filme Hoje eu Quero Voltar Sozinho. O longa dirigido por Daniel Ribeiro foi escolhido para representar o Brasil no Oscar de 2015 e é um dos representantes da ascensão do cinema nacional.
Ascensão que fica evidente com o filme de Kleber Mendonça Filho Aquarius. O longa concorre ao prêmio máximo em Cannes, a Palma de Ouro. Estrelado por Sônia Braga e Irandhir Santos, a produção é a única representação latino-americana no maior festival de cinema do mundo neste ano. Sua estreia foi bem recebida pelo público no festival, bem como as manifestações da equipe.
Na premier do filme, membros da produção carregaram cartazes com dizeres como “misóginos, racistas e golpistas como ministros” e “o mundo não pode aceitar este governo ilegítimo”, em referência à Temer e sua equipe ministerial – pela primeira vez em 37 anos sem uma representante mulher. O próprio diretor do festival, Thierry Fremaux, quebrou o protocolo e pediu para que a imprensa filmasse a manifestação em defesa da democracia brasileira.
Integrantes do audiovisual brasileiro temem a ligação do golpe com retrocessos. Diana participa de um coletivo chamado “Audiovisual pela Democracia” e revela a preocupação. “Podemos desenhar uma conjuntura. O governo destina dinheiro para uma área que os neoliberais enxergam como perfumaria. É muito fácil dar um destino nesta grana. Então, imaginamos reduções no Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Existe possibilidade até de acabar”, diz.
Fundo setorial - “No Brasil, as verbas para o audiovisual vêm da Lei do Audiovisual e do FSA. O último funciona como um fundo de investimento público. Você recorre a ele para conseguir fundos para a sua produção, depois tem que retornar o investido. Caso o retorno não aconteça, o produtor perde credibilidade e fica mais difícil acessar novamente”, diz Diana.
O FSA foi criado em 2006, quando o recém-extinto Ministério da Cultura (Minc) estava sob gestão de Gilberto Gil. O mecanismo incorpora a Lei Rouanet, e visa a equilibrar a distribuição de verbas públicas entre diversas regiões, democratizando a produção cultural. “Temos o exemplo da SPcine, em São Paulo. A prefeitura investe, o governo do estado teoricamente também colocaria um dinheiro – mas acho que isso nunca aconteceu nestes anos de gestão tucana – e o governo federal também, pelo fundo. Isso pelo Brasil todo. Cidades que nunca tiveram audiovisual desenvolveram o setor”, relata Diana.
Caso se concretize, os ataques ao fundo não são inéditos. Os recursos do FSA são obtidos, em sua maioria, através da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), que incide nas próprias produções do setor. Desde de 2011, a partir da Lei 12.485, a Lei da TV Paga, o Condecine também recolhe contribuição de empresas de telecomunicações.
No início do ano, o Sindicato Nacional de Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel de Celular e Pessoal (SindiTeleBrasil) moveu ação judicial contra a cobrança do Condecine, alegando que o setor não faria parte da cadeia produtiva do audiovisual. A liminar foi concedida em primeira instância pelo juíz Itagiba Catta Preta Neto, da Justiça de Brasília.
A Agência Nacional do Cinema (Ancine) recorreu e o processo chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nas mãos do presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, a liminar foi derrubada, fazendo o audiovisual brasileiro respirar novamente. Caso tivesse passado, a anulação do Condecine sobre as empresas de telecomunicações iria impactar o FSA em cerca de R$ 1 bilhão, ou 90% de seu aporte. “Apenas com esta contribuição foi possível criar o programa Brasil de Todas as Telas, focado na regionalização e democratização do audiovisual. É incrível, existem cotas por regiões do país”, diz Diana.
“Agora, com esta situação, ficamos com muito pânico. Esses são os caminhos que imaginamos para o governo Temer. Cortar de vez este imposto ou redirecionar este dinheiro. Mesmo com a crise, o setor do cinema ainda não tinha sido afetado. Quando analisamos o programa do PMDB "Uma ponte para o futuro", vemos que ele pretende beneficiar empresas, cortando impostos apenas delas. É um programa neoliberal”, afirma a produtora.
Gabriel Valery, da Rede Brasil Atual - 18/5/2016
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Protestos de brasileiros em Cannes e os ataques das empresas de telecomunicações ao Fundo Setorial do Audiovisual se encontram no governo de Michel Temer
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