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Especialistas temem retrocesso de Temer

Linha fina
Governo Temer começa marcado por investigados pelo Judiciário, ausência de mulheres e fusão de secretarias importantes, o que assusta setores como políticas para mulheres e direitos humanos
Imagem Destaque
Brasília – É ponto consensual no país que o presidente interino que assumiu ontem (12), Michel Temer, tem muitos desafios pela frente, sobretudo o de provar para os brasileiros que é digno de melhorar, com seu programa de governo, a economia e as más expectativas em torno do seu perfil. Principalmente, o da equipe ministerial, que tem nove nomes investigados ou alvo de ações no Judiciário. Mas dois temas específicos têm chamado a atenção desde o início da semana por especialistas, pela impressão de que haverá, daqui por diante, uma redução de importância: as políticas públicas que vinham sendo implementadas nos últimos anos para mulheres, e o campo dos direitos humanos.

No caso das políticas para mulheres, o principal "susto" começa a partir da informação de que, pela primeira vez em 37 anos, o Executivo federal não terá uma única representante do sexo feminino ocupando um cargo no primeiro escalão.

Mas a questão não se trata apenas de representatividade na equipe ministerial. Números divulgados quarta-feira (11) pela Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), durante conferência nacional sobre o tema, mostrou que embora tenham sido observados avanços nos últimos anos, por outro lado o Brasil continua carente de serviços públicos neste setor.

Conforme os dados apresentados, houve um salto de 700% nos últimos 13 anos, no número de órgãos e serviços especializados de atendimento à mulher em todo o país, mas este percentual ainda é insuficiente para fazer com que atinjam 10% dos municípios brasileiros. "Um dos desafios a serem discutidos é aumentar o alcance desta rede de atendimento e fazer com que mais municípios criem seus próprios serviços nos próximos anos", disse a técnica Aparecida Gonçalves, da área de enfrentamento à violência da SPM – mostrando bem os motivos pelos quais a perspectiva com o tratamento a ser dado à área é preocupante.

Para a socióloga e especialista no tema Márcia Andrade, que integra o Centro de Estudos Feministas, Cefêmea, a expectativa é de retrocesso com o governo que se inicia. "A equipe que está no centro de apoio ao Michel Temer, conhecido por ‘núcleo duro do governo’, já deixou claro que não será dada a mesma importância a essas políticas."

Atuação no Congresso - Márcia enfatizou que uma das estratégias a serem utilizadas pelas entidades da sociedade civil é o contato junto aos parlamentares, para fazer com que o Congresso Nacional atue na construção de uma agenda positiva no enfrentamento dos problemas relacionados às mulheres. Principalmente a aplicação da lei que trata do feminicídio, a valorização da Lei Maria da Penha e a ampliação dos centros de denúncias e prevenção de casos de violência.

"As políticas para mulheres nos últimos anos ajudaram no empoderamento feminino, ajudaram a reconhecer, no Brasil, o direito a melhoria de vida e à cidadania de muitas mães e mulheres que são arrimos de família, que hoje sustentam suas casas e filhos sozinhas. Fez com que elas tenham passado a ter direito a programas como o Minha Casa, Minha Vida e inclusão social", acentuou a socióloga.

"Como se tudo isso não bastasse, a questão tem a ver com a importância política da mulher como um todo. Representamos o maior número de eleitores do país, somos mais numerosas do que os eleitores do sexo masculino e um descaso para com as políticas para mulheres não é coerente com nenhum projeto que fale em retomada do desenvolvimento", acrescentou.

Segundo a cientista política da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar, no interior paulista) Maria do Socorro Braga, a baixa participação feminina no primeiro escalão do governo é um reflexo da participação feminina na vida política como um todo. De acordo com Maria do Socorro, o fato dos partidos políticos serem a principal força de indicação de nomes para ministérios explica a baixa participação feminina, já que ainda há poucas lideranças femininas nessas legendas.

'Junção errônea' - Já por parte dos direitos humanos, uma das principais expectativas negativas em relação ao governo Temer partiu do especialista na área, diplomata e ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro. Ele alerta para consequências negativas sobre a junção, proposta pelo novo governo, entre as secretarias de Direitos Humanos, Mulheres e Igualdade Racial, todas sob o Ministério da Justiça, cujo titular da pasta é o até anteontem secretário de Segurança Pública estadual de São Paulo, Alexandre de Moraes.

De acordo com o ex-ministro, a decisão "significa pôr abaixo uma política de Estado que vem de vários governos" – antes mesmo das gestões do PT.

"O governo que se instala parece que vai voltar ao passado, criar uma divisãozinha no Ministério da Justiça para tratar dos assuntos de cidadania. A sociedade civil e as organizações de direitos humanos têm de ficar alertas, porque esse é apenas o primeiro sinal da ofensiva contra os direitos humanos. É o momento de pensar no significado e de que formas resistir a esse profundo retrocesso", afirmou.

Entre os ministros de um modo geral, sobretudo os que saíram do Congresso Nacional e os ex-parlamentares, a expectativa não é muito diferente, dada a proporção de envolvidos em ações no Judiciário. Dos nomes indicados para compor a equipe ministerial, sete são citados ou investigados em inquéritos criminais: Gilberto Kassab, Geddel Vieira Lima, Bruno Araújo, Mendonça Filho, Osmar Terra, Romero Jucá e Henrique Eduardo Alves.

O ex-deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB), que voltará ao Ministério do Turismo menos de dois meses depois de deixar o cargo, é um exemplo típico. Alves teve sua casa alvo de busca e apreensão por parte da Polícia Federal em dezembro, em uma das fases da Lava Jato, batizada de Catilinárias.

Investigados e réus - Geddel, que agora cuidará do relacionamento do governo com o Congresso, é outro citado nas investigações da Lava Jato, por ter tido seu nome encontrado em várias mensagens trocadas com o empresário Léo Pinheiro, da empresa OAS, para tratar do atendimento de interesses da referida empreiteira em órgãos do governo. Principalmente, na Caixa Econômica. Além de ex-ministro da Integração no governo Lula, Geddel foi vice-presidente da Caixa no primeiro mandato de Dilma, antes de passar a integrar a ala oposicionista do PMDB ao governo.

"Ser investigado não é problema, porque estas investigações podem levar à comprovação de que não houve ilegalidade ou crime por parte da pessoa. O problema é quando o nome mencionado vira réu", explicou, falando em causa própria e em nome dos colegas, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) –  um dos mais envolvidos com ações na Justiça e agora ministro do Planejamento do novo governo.


Hylda Cavalcanti, da Rede Brasil Atual - 13/5/2016
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