Brasília – Raras vezes um decreto presidencial tomou tanto tempo de debate entre deputados e senadores. O Decreto 8.243/14, da Presidência da República, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS), já caminha para o terceiro mês de embates entre oposição e base aliada no Congresso.
Entre a noite de terça 15 e a manhã de quarta 16, a oposição até que esperneou e tentou votar o Projeto de Decreto Legislativo nº 1.491/2014, de autoria do líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), que suspende o decreto, mas não teve jeito: sem quórum, a decisão ficou mesmo para o retorno das atividades dos parlamentares, no dia 5 de agosto.
O decreto não cria órgão, apenas regulamenta os conselhos populares que já existem em todo o país, mas está sendo visto como “uma alternativa para o próprio governo definir quem serão os titulares destes conselhos”. É até citado como “medida bolivariana e antidemocrática”, por parte dos parlamentares da oposição, e tem servido para novas demonstrações de infidelidade dentro da base de apoio a Dilma Rousseff.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), chegou até a pedir aos deputados e senadores que “lessem melhor o conteúdo do decreto” para que pudessem chegar a uma conclusão. E até o líder do Psol, que faz oposição ao governo, senador Randolfe Rodrigues (AP), saiu em defesa do decreto e reclamou dos colegas por estarem “procurando chifre em cabeça de cavalo”. De nada adiantou.
Na noite de ontem (15), o assunto monopolizou o plenário da Câmara e os deputados chegaram a debater por cinco horas o assunto. Mendonça Filho definiu a Política Nacional de Participação Social como “inimiga do Legislativo” e disse considerá-la uma medida arbitrária. Ele afirmou que o que avalia como mais crítico no texto do decreto é a parte referente aos conselhos populares, que a seu ver serão “criados para influenciar políticas governamentais, com integrantes indicados pelo próprio governo”.
“Até hoje, os mecanismos de participação social criados no país passaram pela análise do Congresso. O decreto se aproxima de modelos autoritários como os praticados na Venezuela e na Bolívia. A sociedade brasileira não aceitará isso, pois a prática nada tem a ver com nossas raízes democráticas. A presidenta Dilma pode muito, mas não pode tudo”, destacou o deputado, rebatido por vários colegas e aplaudido por outros.
Já o líder da minoria, deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), embora tivesse a intenção clara de reclamar, caiu em contradição ao afirmar que não é contrário à criação dos conselhos populares. "Sou contra o fato de o decreto atribuir ao governo a escolha de quem vai integrar tais conselhos, abrindo assim um precedente para que só participem os nomes quem o governo quiser, pois todas as ditaduras populistas do mundo tiveram início a partir de atitudes dessa natureza”, colocou.
'Nada alterado' - Para o líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), o Decreto 8.243/14 não merece a confusão toda criada em torno do seu teor porque não mexe em prerrogativas do Congresso, nem cria conflitos entre as democracias direta e representativa. “O Executivo apenas organiza tudo o que já existe. A presidenta Dilma Rousseff só quis reforçar o papel dos milhares de conselhos já existentes para que possam contribuir com as políticas públicas, mas nada será alterado na escolha dos conselheiros”, frisou.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS), ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, também entrou na discussão para salientar que a democracia não pode se limitar à delegação aos parlamentares eleitos, pois deve ser exercida também quando o governo ouve diretamente a sociedade. “Estamos aqui estabelecendo como deve ser a ação democrática de uma nação. Devemos ter a coragem de Ulysses Guimarães para dizer que a vontade do povo serve para legitimar e referendar nossos atos.”
Mesmo assim, a confusão continuou e vários deputados pediram para se manifestar favoráveis ou contrários ao tema. Em tempos de baixa participação dos parlamentares às sessões e de acordos de bastidores para dar início a um período de recesso branco, o debate foi visto como pretexto para protelar as votações.
“É lamentável isso. Em vez de chegarmos a alguma decisão, as pessoas ficam aqui querendo dizer mais alguma coisa sem que nada seja votado”, queixou-se o deputado Onofre Agostini (PSD-SC). Mesmo o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), chegou a pedir aos parlamentares: “Pelo amor de Deus, acabem logo com os pronunciamentos para que possamos votar”. O apelo de Alves não deu certo.
Erro estratégico - Alguns parlamentares alegam que a irritação se dá não em torno do teor do decreto, mas pelo fato de o tema não ter sido submetido a debate no Legislativo. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, já disseram anteriormente que não existia necessidade da apreciação do Congresso, mas, em conversas reservadas ontem, alguns parlamentares da base aliada ponderaram que houve um erro estratégico do Palácio do Planalto, uma vez que nem os líderes foram ouvidos sobre o assunto.
“O tema é simples e sem necessidade de todo esse impacto. O problema não é o teor do texto, como estão querendo pregar, e sim, o decreto ser visto como uma manobra para passar por cima do parlamento”, chegou a afirmar um deputado do PMDB. O desfecho, agora, só poderá ser visto no retorno dos deputados e senadores do período de recesso branco, que tem início a partir de quinta 17.
Hylda Cavalcanti, da Rede Brasil Atual - 17/7/2014
Linha fina
Oposição brigou e pediu, mas baixo quórum impediu a votação da matéria. Tema foi objeto de mais de cinco horas de discussões na Câmara dos Deputados
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