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Cúpula dos Povos e Rio+20 sob avaliação

Linha fina
Movimentos sindical e social, ONGs e academia destacam unidade e pensam nos próximos passos. América do Sul é apontada como centro irradiador das mudanças
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São Paulo - Três meses após seu encerramento, a Cúpula dos Povos foi avaliada por um grupo de dirigentes sindicais e de movimentos sociais, professores universitários e ambientalistas, em recente reunião realizada em São Paulo. O encontro foi organizado por iniciativa da CSA (Confederação Sindical das Américas) e do Idecri (Instituto para o Desenvolvimento da Cooperação e Relações Internacionais) e contou com a participação da CUT.

A unificação dos movimentos sociais no decorrer da Cúpula dos Povos, atividade paralela à agenda oficial da Rio+20, foi interpretada como importante resultado. Especialmente pelo fato de essa unidade ter sido vista por setores do movimento, antes do início da Cúpula, como um objetivo difícil de ser atingido.

O que teria produzido essa unificação foi a busca, dentro de uma série de reivindicações e ideias ampla e multifacetada, por propostas que pudessem ser mais facilmente traduzíveis para a sociedade, factíveis no longo prazo e em torno das quais houvesse consenso de todos os movimentos e ONGs envolvidos no debate.

Destaque para a proposta de criação de uma taxa internacional sobre a especulação financeira – apelidada de “Taxa Robin Hood” – para financiar o que foi definido como “transição justa”. Esta, por sinal, outra formulação que unificou os movimentos sociais que participaram da Cúpula.

A transição justa pode ser definida como a definição e execução de etapas que levem a uma mudança nas formas de produção e consumo, em defesa da preservação do meio ambiente e de um desenvolvimento sustentável, sem esquecer que os trabalhadores e trabalhadoras hoje em atividade em setores econômicos considerados poluentes possam, junto com as futuras gerações, preparar-se para as mudanças e ao mesmo tempo garantir requalificação, emprego e renda.

No tocante ao mundo do trabalho, outro resultado da Cúpula destacado pelos debatedores foi a clara definição do que devem ser os chamados “empregos verdes”, expressão candidata a modismo. “Emprego verde é emprego com direitos e remuneração justa, deve ser instrumento de combate às desigualdades sociais e não uma nova forma de apropriação capitalista”, comentou Artur Henrique, secretário adjunto de Relações Internacionais da CUT.

Vânia Viana, assessora que representou a Secretaria de Meio Ambiente da CUT na reunião, destacou também que um dos resultados positivos da participação na Rio+20 e na Cúpula é que o debate sobre o desenvolvimento sustentável e seus quatro pilares – social, ambiental, econômico e político – foi incorporado às propostas da CSI, CSA e CUT, passando a compor a agenda sindical.

A unidade conquistada ao final da Cúpula, sintetizada no documento final e na realização de uma marcha pelas ruas do Rio de Janeiro, tornou-se, na opinião dos dirigentes que participaram do encontro de avaliação, ainda mais importante tendo em vista certo desânimo e descrença em relação à Rio+20, em virtude da ausência de líderes mundiais importantes e a recusa de países como EUA, China e Rússia em se comprometer com metas de desenvolvimento sustentável avançadas em relação ao que havia sido acordado vinte anos antes, na Eco 92.

Enfraquecimento da ONU - Como pano de fundo político para as ausências e recusas, está o enfraquecimento institucional da ONU como fórum de decisões multilaterais. “O sistema ONU está em crise. Criado no contexto do pós-Segunda Guerra, num mundo cada vez mais bipolarizado, não consegue mais avançar na conjuntura atual, em que o mundo está multipolarizado”, comentou o professor João Paulo Veiga, pesquisador da USP.

Tal cenário abre, por outro lado, uma oportunidade para que a América do Sul  coloque peso na questão e interfira nas decisões internacionais, na opinião de Josué Medeiros, pesquisador do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da UERJ.

Ele ainda comentou, sobre este ponto: “Os organismos multilaterais continuam pensando as saídas apenas pelo ponto de vista neoliberal, e não conseguem caminhar porque não têm mais hegemonia, não têm base social”. Na Europa, onde o sistema financeiro tem conseguido impor soluções recessivas para os países em crise, Josué comenta: “Os neoliberais ainda têm importantes governos por lá, mas isso pode mudar nas eleições futuras, mesmo na Alemanha, onde a Angela Merkel sofreu derrotas eleitorais recentes”.

Josué enxerga no debate ambiental uma grande oportunidade de reconstruir a unidade dos movimentos sociais na América do Sul, da mesma forma como o combate à ALCA o foi, em 2002, como reflexo e ao mesmo tempo agente do processo de ascensão de governos progressistas na região. “Acredito que o meio para avançar essa agenda passa pela América do Sul”, afirmou.

Foco e prioridade – Artur Henrique lembrou que “o grande saldo” da Cúpula foi resultado de um esforço real por sistematizar as propostas apresentadas nas assembleias que ocorriam, muitas vezes de maneira simultânea, durante a atividade. Isso foi, em sua opinião, essencial para permitir a construção do documento final conjunto. “Para avançar essa pauta social, sindical e ambiental temos de ter organização, foco e prioridade”, lembrou. O Fórum Social Mundial foi citado, por mais de um debatedor, como referência, e sua prática de não produzir documentos finais como um dos fatores de seu “esvaziamento” político com o passar dos anos.

Os participantes também destaram que os capitalistas têm se apropriado rapidamente da plataforma ambiental, e com muita habilidade comunicacional. Rafael Freire, secretário de Desenvolvimento Sustentável da CSA, lembrou que não se pode aceitar nada que vier do Norte, como imposição, e muito menos soluções de mercado, que passam pela privatização ou mercantilização do ambiente. Algo como os comerciais da Coca-Cola que apresentam a empresa como amiga da natureza através de reciclagem de garrafas PET, lembrou Daniel Angelim, da área de Meio Ambiente e Trabalho da CSA.

Ou a abertura de novas minas de platina na África do Sul, onde recentemente aconteceram trágicos embates entre trabalhadores explorados e forças de repressão, com o propósito de usar o metal, ironicamente, na construção de carros “ecológicos”, citou Analu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres.

Kjeld Jakobsen, consultor da CUT, propôs que a forma de fazer frente às tentativas dos governos de trazer aporte financeiro dos grandes conglomerados para projetos na área é a taxação das transações financeiras internacionais. “Essa é a nossa forma de sustentar financeiramente essa luta”.

Outra forma de barrar o caminho da mercantilização do tema, lembrou, é defender o patrimônio ambiental como bem público, por sinal outra resolução reafirmada no documento final da Cúpula, notadamente no caso da água, energia, alimentos.

A unidade alcançada pela Cúpula já trouxe, na opinião de Daniel Angelim, reflexos positivos nos movimentos sociais aqui no Brasil. Citou como exemplo o Encontro Unitário dos Trabalhadores, trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas, realizado em Brasília entre os dias 20 e 22 de agosto.

O grupo que debateu o tema pretende realizar novas reuniões e, desde já, cada um em seus espaços, fazer avançar as propostas firmadas na Cúpula. Em 2015, segundo cronograma estabelecido pela Rio+20, os Objetivos do Milênio da ONU serão substituídos por Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – e, neste ponto, os movimentos sociais acreditam que o maior desafio é atrelar esses objetivos com instrumentos concretos de medição de resultados e cumprimento de prazos.


CUT - 27/9/2012

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