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Candidatos não representam realidade brasileira

Linha fina
Segundo especialistas, atual sistema eleitoral prejudica postulantes negros, indígenas e mulheres a cargos eletivos, que contam com menos recursos financeiros e exposição na mídia
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São Paulo – Pela primeira vez o Tribunal Superior Eleitoral divulgou o perfil étnico dos candidatos às eleições, o que permitiu a comprovação da sub-representação de etnias no processo eleitoral. É o que revela pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

A população negra, apesar de constituir parcela expressiva de candidatos – com 44,2% do total –, ainda encara dificuldades para eleger representantes. Na atual legislatura, apenas 8,5% dos congressistas (43 deputados e senadores) pertencem à etnia, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Os indígenas também possuem participação considerada inexpressiva. Dos cerca de 890 mil ameríndios – segundo o IBGE e o Censo 2010 – apenas 83 são candidatos nas eleições deste ano, dos quais 27 são mulheres. Atualmente, ainda segundo o Diap, não possuem qualquer representação no Congresso Nacional.

Empresário branco  O perfil dominante dos candidatos é de idade acima de 50 anos, empresário e branco. Os postulantes que se consideram dessa etnia são maioria em todas as regiões do país (55%). Apesar de as candidaturas de negros terem sido consideradas significativas, os pesquisadores do levantamento questionam os motivos que levam tão poucos a se eleger.

“As candidaturas dos negros, indígenas e mulheres contam com menos dinheiro, menos tempo de TV, por isso não conseguem fazer os eleitores conhecerem as propostas e não acabam eleitos”, avalia a assessora política do Inesc Carmela Zigoni.  “O Brasil ainda é uma sociedade com uma estrutura racista, por isso as ações afirmativas, como o sistema de cotas, são tão importantes”, acrescenta.

Trabalhadores –  Na legislatura atual, dos 594 parlamentares, 273 são empresários, 160 compõem a bancada ruralista e apenas 91 são egressos da classe trabalhadora. “É um sistema perverso que facilita quem tem mais dinheiro. Como o processo eleitoral é muito competitivo, quem não tem recursos não tem condições de concorrer”, reforça o cientista político e pesquisador da Unicamp Valeriano Mendes Ferreira Costa.

O pesquisador avalia que a correção da desigualdade representativa passa pela urgência de uma reforma política, que instituiria, dentre outras regras, o sistema de lista fechada, no qual o eleitor vota na legenda e seus dirigentes, por sua vez, decidem quem ocuparia o cargo eletivo. “Outra ação que neutralizaria as desigualdades dentro do processo eleitoral seria o fim do financiamento privado de campanha, que privilegia quem tem mais dinheiro”, afirma Valeriano.

Negros e esquerda – O estudo do Inesc revelou também que negros e pardos aparecem proporcionalmente em maior número em partidos de esquerda, como PCB, PCdoB, PCO, PSTU e Psol. As etnias representam 41% dos candidatos do PT; 37,7%, do PSB; 32,8%, do PSDB; e 26,5%, do PMDB.

Para Valeriano, a maior afinidade entre as legendas de esquerda e os negros e pardos tem origem nas relações de trabalho. “Os partidos de esquerda recrutam das classes trabalhadoras, nas quais predominam o pardo, o negro, o pobre.”

Mulheres e jovens – Não só etnias minoritárias aparecem sub-representadas. Esse é um problema também de gênero e idade. Os jovens, apesar de corresponderem a 51% da população brasileira, também aparecem sub-representados, com 6,8% das candidaturas.

Mesmo compondo mais da metade da população brasileira (51,04%), a pesquisa revela que o sexo feminino continua sendo minoria: de um total de 25.919 candidatos registrados no TSE, apenas 30,7% são mulheres, das quais 16,5% são brancas e 14,2% são negras. Em 2010, as mulheres somavam 22,4% do total de candidatos. Na atual legislatura, segundo o Diap, apenas 9% são de congressistas.

Segundo Carmela Zangoni, a evolução da participação das mulheres no processo eleitoral está principalmente relacionada à exigência legal que prevê percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas, mas sua eleição ainda esbarra em valores sociais e no sistema político vigente.

 “Ainda vivemos em um Brasil patriarcal, racista. Precisamos combater o atual sistema eleitoral para que os brasileiros possam se ver representados no parlamento”, completa a integrante do Inesc.

Plebiscito pala reforma política – Os movimentos social e sindical realizaram um plebiscito, entre 1º e 8 de setembro, por meio do qual os brasileiros puderam opinar se o Congresso Nacional deve convocar uma assembleia constituinte exclusiva e soberana para  votar mudanças no sistema político atual.

O resultado final da votação nas urnas fixas do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político será apresentado nesta quarta-feira 24, às 14h, em coletiva de imprensa no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

A proposta prevê que os eleitos pelo povo para a assembleia constituinte deverão discutir questões como a representatividade no Parlamento, mecanismos de democracia direta e o fim do financiamento privado de campanhas políticas que, segundo os organizadores do plebiscito, favorecem as candidaturas mancomunadas com interesses financeiros de grandes corporações.


Rodolfo Wrolli – 23/9/2014

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