São Paulo – No último domingo 10, o Santander Cultural de Porto Alegre (RS) informou que cancelou a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, em cartaz desde 15 de agosto. A mostra reunia 270 obras de 85 artistas e tinha como proposta discussões relacionadas à questão LGBT.
A série recebeu uma sequência de ataques de grupos conservadores, que consideraram as obras de arte como uma espécie de apologia à pedofilia, zoologia ou blasfêmia. Em nota, o Santander Cultural se desculpou e afirmou que entende que “que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas”, o que, segundo o texto, não estaria alinhado com a “visão de mundo” da instituição. A decisão foi criticada por artistas e ativistas sociais.
Para Anderson Pirota, dirigente do Sindicato e funcionário do Santander, a arte também tem o papel de provocar um debate sobre temas recorrentes na sociedade.
“A partir do momento que uma obra de arte não provoca, ela não é arte. A exposição tem a função de provocar um incômodo, de trazer questões à tona para uma reflexão por parte da sociedade. Quem respeita a diversidade não recua dessa forma, mas enfrenta o debate com respeito à divergência de opiniões. Hoje se censura uma exposição de arte; amanhã irão queimar livros?”, questiona o sindicalista.
Mauro Salles Machado, secretário de Políticas Sociais da Contraf-CUT, entende que o fechamento da exposição é um ato de intolerância de um setor social a uma mostra artística que retrata uma realidade que costuma ser escondida pela sociedade.
“Não é só a hipocrisia social que se revela aí: trata-se do caráter repressivo de um banco que se esconde atrás de uma fachada de modernidade, enquanto trata seus empregados com autoritarismo e exploração”, declarou.
Iran Giusti, criador das imagens e frases do Tumblr Criança Viada, que inspiram os quadros da artista Bia Leite (foto acima), explicou no seu perfil no Facebook que as fotos foram enviadas, em 2012, pelos próprios donos. A obra de Bia Leite está entre as mais criticadas por supostamente fazer apologia à pedofilia, como mostra a matéria da Rede Brasil Atual.
“Obras sobre crimes, sobre guerras, sobre violência são apologia para estas coisas? Vai ter boicote ao Museu do Prado que expõe O Jardim das Delícias Terrenas, do Bosch, e que conta com várias imagens de zoofilia? A gente vai proibir a publicação de 120 dias de Sodoma, do Sade, ou A Casa dos Budas Ditosos, do João Ubaldo Ribeiro, por ter cenas de zoofilia? É nesse ponto que a gente chegou?”, questiona o artista.
Já a ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda comparou o episódio com a peça de teatro Roda Viva, proibida pela ditadura civil-militar, em 1968, após atos de violência cometidos contra o elenco por integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
“Ataques violentos por parte de alguns visitantes, além da campanha agressiva nas redes sociais fizeram com que os responsáveis pelo espaço cultural resolvessem fechar a exposição prevista para se estender até outubro. É a intolerância exibindo a sua cara através da força”, disse a ex-ministra também em seu perfil no Facebook.