Em entrevista à AFABB-SP (Associação dos Funcionários Aposentados do Banco do Brasil - São Paulo), o diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e coordenador da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil, João Fukunaga, revela as dificuldades de mobilizar a categoria bancária em tempos de pandemia e faz importante alerta: o Banco do Brasil corre sério risco de ser privatizado.
Ele aponta ainda a necessidade de ações conjuntas de funcionários da ativa e aposentados para defender o banco público, a Cassi e a Previ.
AFABB-SP - Como foram as negociações salariais com o Banco em momento tão complicado?
João Fukunaga - De fato a negociação com o Banco do Brasil e os demais bancos neste cenário de pandemia se tornou mais difícil. Logo no início das negociações a Fenaban (Federação Nacional dos Bancos) veio com proposta de retirada de direitos. Depois de intensos debates conquistamos aumento real nos salários e a manutenção de todas as cláusulas de nosso acordo aditivo por dois anos.
Mas nosso desafio para mobilizar a categoria não foi apenas a pandemia, mas também o home office. Para terem uma ideia, cerca de 60% dos funcionários do BB lotados em centros administrativos na cidade de São Paulo estão em home office, o que impõe dificuldades ainda maiores para organizar essas pessoas para a mobilização.
Passada a campanha salarial, o grande desafio que se apresenta ao movimento sindical é como deverá ser feita nossa atuação nesse novo cenário.
Aposentados e pessoal da ativa têm de estar unidos na defesa do BB
AFABB-SP - Como você analisa a atual conjuntura nacional nestes tempos de pandemia?
Fukunaga - Em termos de conjuntura nacional a categoria bancária, graças a seu comando nacional, foi a primeira a se mobilizar para garantir a segurança dos trabalhadores e da população. A partir de março, antes mesmo de o Ministério da Saúde soltar qualquer orientação, brigávamos pelo isolamento das pessoas em grupo de risco e acabar com a aglomeração nos departamentos e agências.
Discutimos com os bancos a estabilidade no emprego durante a pandemia e conquistamos este direito. O Santander cumpriu por três meses, mas os demais bancos seguem com esse compromisso. No caso do BB, asseguramos a manutenção do salário por meio do não descomissionamento neste período de pandemia.
De um modo geral, essas condições são distintas ao que vem acontecendo com o restante da população que sofre com o desemprego, com a redução de salário ou tenta sobreviver com o auxílio emergencial de R$ 600.
Para finalizar, os bancos públicos poderiam atuar melhor para minimizar essa situação, propiciando crédito para micro e pequenas empresas.
O Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), por exemplo, só saiu em julho, quando milhares de pequenas e micro empresas já haviam demitido pessoas ou baixado suas portas. Faltou ação governamental para que os bancos públicos atuassem prontamente.
O que faz lembrar a fala do ministro Paulo Guedes naquela famosa reunião ministerial de que “vamos ganhar dinheiro salvando grandes empresas e vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”. Creio que foi a partir daí que foi desencadeado o desequilíbrio financeiro no País.
AFABB-SP - De que forma a renovação do acordo coletivo beneficia também aposentados e pensionistas?
Fukunaga - O acordo coletivo, embora seja para regulamentar o contrato de trabalho do pessoal da ativa, possui coisas que refletem nos aposentados. Quando ocorre atualização na base de salários, atualiza também os repasses que são feitos à Cassi, tanto da parte dos funcionários quanto do BB.
É uma nova injeção de recursos que auxilia no equilíbrio financeiro da Caixa de Assistência. Há também o Plano de Assistência à Saúde (PAS) – odontológico e oftalmológico -, uma conquista antiga que conseguimos manter nos acordos e que beneficia grande parcela dos aposentados. Claro que sempre buscamos aprimorar mais e é isto que buscamos nas negociações com o BB.
Todo governo neoliberal, que tenta implantar a lógica de tudo para o mercado e nada para o Estado, torna o risco de privatização iminente. Foi assim no governo FHC e está sendo assim agora, no governo Bolsonaro.
AFABB-SP - O Ministro da Economia, Paulo Guedes, já declarou mais de uma vez que o BB está pronto para ser privatizado, este risco realmente existe?
Fukunaga - Todo governo neoliberal, que tenta implantar a lógica de tudo para o mercado e nada para o Estado, torna o risco de privatização iminente. Foi assim no governo FHC e está sendo assim agora, no governo Bolsonaro. O BB hoje é o maior banco de varejo do mercado e faz frente aos principais bancos privados. Nesse sentido, a instituição ocupa um lugar estratégico.
Por outro lado, a importância de um banco público se dá quando ele atua no sentido do desenvolvimento social e econômico do País. Recordemos, por exemplo, como o BB foi importante em momento de crise econômica mundial, liberando crédito e sem prejudicar sua estrutura. Pelo contrário, a instituição cresceu muito naquele momento e se tornou no principal financiador de micro e pequena empresa, além do agronegócio.
Além disso, programas sociais como o Minha Casa Minha Vida só acontecem devido a atuação dos bancos públicos. Quando esse papel social é esvaziado pelo governo, abre a brecha para o discurso da privatização como vemos nas declarações de Paulo Guedes.
Também naquela reunião ministerial ele disse com todas as letras que a Caixa era 100% do governo e poderiam fazer o que quisessem com ela. E que “O Banco do Brasil é um caso pronto de privatização” porque lá o governo não conseguia fazer o que queria.
Essa dificuldade de interferência se dá porque a instituição tem uma governança corporativa, ou seja, está submetida a regras do mercado. O Banco está listado na Bolsa de Valores de Nova Iorque e tem de seguir a lei das S.A.
Será que foram essas barreiras que levaram o Rubens Novaes a deixar a presidência da instituição? As barreiras impostas pela governança que impediram que colocasse em prática seu projeto para o BB? Talvez.
O fato é que agora está na direção da empresa um executivo do mercado, que veio do HSBC, André Brandão, que conhece bem essas regras. Aliás, nos preocupa também o fato de não estar à frente do BB uma pessoa que não seja do quadro do banco.
Esse debate temos travado em vários lugares, pois existe de fato risco iminente de privatização do BB.
Os efeitos da privatização também chegam aos aposentados. Ninguém tem nada garantido nessa situação. E esse é um debate que temos de travar com toda a comunidade Banco do Brasil.
AFABB-SP - Se o BB fosse privatizado, quais seriam os efeitos para o funcionalismo e como ficariam a Cassi e a Previ?
Fukunaga - Os impactos seriam significativos. Os bancos públicos, por exemplo, possuem as maiores médias salariais, comparados aos privados, e possuem direitos próprios como a Cassi e a Previ, no caso do BB.
Isso tudo é visto como elevação de gastos e o banco privado não quer saber desses custos e fará de tudo para acabar com eles e trocar tudo por mão de obra mais barata.
Veja o exemplo do Banespa, entregue ao Santander. À época da privatização foi conquistado acordo de não demissão na contrapartida de salários congelados. Mas, ao longo dos anos, o banco lançou PDVs (Planos de Demissão Voluntária) ou criou situações que forçaram as pessoas a pedirem demissão.
Bancários experientes e capacitados trocados por outros com salários muito, mas muito, mais baixos e com menos direitos. Não à toa o Santander remete 20% de seu lucro para a matriz, na Espanha. Muito em função dessa política. E agora está propondo alteração estatutária no fundo de pensão Banesprev, querendo atingir até direitos adquiridos dos participantes. E a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) tem permitido esse tipo de coisas.
Numa hipottica privatização do BB, vamos supor que o banco queira mudar a regra para não mais contribuir com a Cassi. Virão com tudo para fazer isso.
Além disso, qualquer plano de saúde que não pode ser colocado à venda nem comercializado, é visto como ônus. E a Cassi é um plano interno que não pode ser comercializado. Se o banco for privatizado, pode inserir uma lógica de mercado, diminuir seus custos e elevar os gastos dos trabalhadores para forçar o pessoal da ativa a buscar um outro plano, deixando a Cassi minguar como estão fazendo com o Economus (Instituto de Seguridade Social dos funcionários do antigo Banco Nossa Caixa).
O BB não tem inserido recursos no Economus e o está deixando acabar por si só. Se nada mudar, até o fim do ano acaba o fundo de amparo da entidade, o que atingiria os aposentados daquele banco. Estamos tentando evitar isso na mesa de negociação.
Já a Previ é o maior fundo de pensão da América Latina. Paulo Guedes vive falando dela e a Previc tem pressionado para que sejam colocados “homens do mercado” em sua gestão. Não é estranho querer colocar “homens do mercado” num fundo de pensão que rende bilhões, mantém estabilidade financeira e possui representantes eleitos em sua governança?
Os efeitos da privatização também chegam aos aposentados. Ninguém tem nada garantido nessa situação. E esse é um debate que temos de travar com toda a comunidade Banco do Brasil.
Nossa principal aliada nesse momento é a opinião pública. Temos de ter a população ao nosso lado nessa luta. Aproveito a oportunidade para destacar o papel da AFABB-SP, por sempre realizar debates de qualidade sobre Cassi e a Previ.
AFABB-SP - Como aposentados e pensionistas podem contribuir na luta em defesa do banco público, da Cassi e da Previ?
Fukunaga - Um papel importante dos aposentados e pensionistas na defesa de suas conquistas e do banco público é sempre resgatar o papel do BB para o País. Seja nas conversas informais ou nas reuniões familiares (virtuais nestes tempos de pandemia).
Nesse sentido, as associações de aposentados poderiam produzir seminários em parceria com os sindicatos, municiando seus associados de informações sobre a atuação e a importância dos bancos públicos para toda sociedade. A ANABB, por exemplo, está com uma campanha excelente que tem dialogado com o segmento de aposentados.
Nossa principal aliada nesse momento é a opinião pública. Temos de ter a população ao nosso lado nessa luta. Aproveito a oportunidade para destacar o papel da AFABB-SP, por sempre realizar debates de qualidade sobre Cassi e a Previ.
Hoje temos duas chapas na Cassi eleitas por aposentados. Em nossa chapa, na Previ, temos pessoal da ativa e aposentados. Então o segmento de aposentados e pensionistas tem se envolvido mais nas discussões, o que é excelente.
AFABB-SP - Como você vê o fato de os colegas da ativa não criarem vínculos com entidades como AABB, AFABB, ANABB?
Fukunaga - Acho que o grande problema é o pessoal da ativa não conhecer as entidades ou associações como a AFABB-SP – que faz um trabalho excelente junto a aposentados e pensionistas. É a falta de conhecimento de nossa história e isto é uma perda muito grande.
Ouvir um aposentado relatar como era o banco, como o banco atua e como deveria ser é fundamental para qualquer pessoa da ativa para criar uma identidade. Somos uma grande família do BB e nos orgulhamos disto. E os aposentados têm um grande papel na criação desse elo.
Hoje, por exemplo, temos um aposentado na coordenação do Conselho de Usuários da Cassi em São Paulo (Adelmo Vianna que também é diretor da AFABB-SP) que se dedica muito e ajuda qualquer pessoa, seja ela da ativa ou aposentado.
Essa relação tem de crescer. O Sindicato precisa se aproximar mais, criar mecanismos conjuntos com a AFABB-SP. Já temos uma boa relação, mas podemos aprofundar mais.
As AABBs também são espaços de convivência importantes. Temos de criar projetos conjuntos para podermos promover grandes debates e enfrentar juntos essa difícil situação.