São Paulo – Mais uma vez, o presidente do Santander Brasil, Sérgio Rial, revela o interesse dos bancos privados na redução da função do Estado na economia a fim de aumentarem ainda mais seus lucros. Função essa que nunca interessou a essas instituições, porque sempre preferiram lucrar aplicando em papéis da dívida pública, atrelada à taxa Selic, que estava em 14,25% ao ano, e agora se encontra a 7%.
Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, o CEO cobrou uma atuação ainda menor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para que os bancos privados enfrentem ainda menos concorrência no já concentrado – e por essa razão, com juros estratosféricos – setor bancário brasileiro.
> Governo Temer dilapida BNDES, o que favorece bancos privados
> Governo Temer e Congresso Nacional intensificam destruição do BNDES
“espero (...) que o “S” [social] seja muito maior do que o “E” [econômico] nos próximos dois anos. (...) Dando um exemplo concreto, país desenvolvido não é o que tem aeroporto novo, é o que tem aeroporto novo e saneamento básico resolvido (...). Esse é um exemplo concreto do “S” em que as empresas poderiam ter todo o interesse, numa área como o saneamento.”
Cabem as perguntas: por que esse interesse repentino do Santander em financiar obras sociais? E por que esses bancos nunca investiram nessas obras?
O próprio Rial responde: “A Selic a 7% ao ano posiciona os bancos de forma muito melhor para serem parte da solução, e não, como até aqui, para estarem ausentes da solução. Porque é impossível você viabilizar qualquer projeto quando a Selic está em 14%. A conta não fecha. (...) Veja o crédito rural. O que acontecia com ele com a Selic a 14% ao ano? Ele era subsidiado a 9% ou 10%. Com a Selic a 7%, isso deixa de fazer sentido. E os bancos privados podem agora fazer parte do processo de financiamento da agricultura, no qual até então era impossível competir.”
> Reforma silenciosa aumenta o poder dos bancos privados
“Essa declaração comprova que os bancos privados nunca quiseram ajudar no desenvolvimento econômico e social do país, porque era muito mais lucrativo aplicar nos juros da dívida pública”, afirma Maria Rosani, coordenadora da Comissão de Organização dos Empregados e diretora executiva do Sindicato.
“E se a taxa Selic voltar a subir? Os bancos privados continuarão financiando esses projetos? Por isso a Caixa Econômica Federal [crédito para a casa própria], o Banco do Brasil [crédito rural] e BNDES [crédito para indústria e infraestrutura] são fundamentais. Onde os bancos privados não atuam, entra o setor público”, acrescenta a dirigente.
Mas agora que a taxa Selic está baixa e os bancos não podem mais lucrar como antes com a dívida pública (que remunera com base na taxa Selic), essas instituições privadas voltam a atenção para a fatia de mercado que esses bancos públicos sempre supriram.
FGTS – Rial também mais uma vez demonstrou interesse em colocar as mãos no FGTS dos trabalhadores brasileiros. “Por que não levar isso a uma proporção maior ainda? Por que não dar a cada cidadão o direito de gerir, ele mesmo, o seu recurso de FGTS?”, indagou o CEO.
Rial talvez tenha se esquecido que o FGTS financia justamente obras de infraestrutura como habitação, mobilidade urbana e saneamento básico.
Ou seja, Rial quer que os recursos do FGTS, hoje administrados pela Caixa (um banco público), sejam geridos pelos bancos privados.
Saneamento básico e habitação – Ao mesmo tempo, Rial defende que as obras de saneamento também sejam financiadas pelas instituições privadas; e ainda abraça a ideia da privatização das companhias públicas que ofertam esse serviço: “E temos ainda a resistência de alguns estados e municípios a privatizar [empresas de saneamento]”.
A água é um recurso natural, essencial e esgotável, imprescindível ao ser humano. Portanto, a gestão da água ultrapassa o caráter financeiro e econômico e deve ser vista como direito do ser humano, e não como mercadoria. Por essa razão, o setor de saneamento não pode ser considerado como um ambiente de negócios, como almeja o setor privado.
Capitais europeias como Berlim e Paris estão justamente reestatizando suas companhias de saneamento. Mas, no Brasil, o governo Temer caminha na contramão, e empreende um amplo Programa de Parcerias de Investimento (PPI), que abrange diversas companhias estaduais de saneamento, e poderá representar uma ameaça à universalização desses serviços no Brasil.
A mesma linha de raciocínio pode ser aplicada no crédito imobiliário, hoje 70% nas mãos da Caixa, financiados com recursos do FGTS, a juros muito mais baixos do que os ofertados pelos bancos privados.
Se o FGTS cair nas mãos dos bancos privados, essas instituições poderão cobrar o quanto quiserem na oferta do crédito imobiliário. E sem a concorrência da Caixa.
“É fácil chegar ao objetivo de Rial: que as coisas mudem para continuar como estão e os bancos privados continuem lucrando à custa da sociedade. Ou, como ele mesmo disse na entrevista, ‘tirar os obstáculos’, o que pode ser entendido como a eliminação dos bancos públicos”, finaliza Maria Rosani.