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“Chávez buscou a emancipação dos mais pobres”

Linha fina
Para sociólogo, líder venezuelano promoveu inclusão social com maior acesso da população à educação, saúde e emprego
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Em entrevista ao Sindicato, o professor doutor da USP Wagner Iglecias* analisa os 14 anos de chavismo na Venezuela e afirma: “as camadas pobres tornaram-se, definitivamente, um ator político relevante” e “ninguém mais, daqui por diante, poderá governar a Venezuela sem ter isto em conta”. Confira:

> Povo se tornou protagonista na Venezuela

Que mudanças o projeto político de Chávez proporcionou à Venezuela?
O projeto político de Chávez pode ser definido, em linhas gerais, como um conjunto de ações visando a emancipação política dos mais pobres, a expansão de políticas sociais destinadas a eles e sua inclusão no mercado de consumo. A Venezuela, que é um país rico em termos de petróleo e recursos minerais foi historicamente governada por elites que foram pouco sensíveis à questão social. Em outros termos, apesar de ser um dos mais importantes produtores e exportadores de petróleo do mundo, a Venezuela, por meio de suas elites tradicionais, se construiu ao longo do século XX como uma sociedade profundamente desigual e com um elevadíssimo percentual de pessoas vivendo na pobreza e na miséria.

Em termos bastante práticos, Chávez colocou a questão social no centro da agenda pública daquele país. Nos anos 2000, a Venezuela foi o país que mais avançou em termos de IDH (melhoria dos indicadores de educação, saúde e renda) e Índice de Gini (diminuição da desigualdade social) na América Latina.

Ao homenagear Chávez, a presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, destacou a inclusão social promovida por seu governo. Que programas o senhor destacaria?
A inclusão social se dá exatamente por conta do maior acesso da população aos serviços públicos e gratuitos de saúde, educação e à geração de empregos. Destacaria ainda os programas de "vivienda", ou seja, o combate que o governo Chávez buscou promover ao histórico déficit habitacional venezuelano. Em resumo: o modelo bolivariano repartiu melhor, entre os venezuelanos, os recursos obtidos com a exportação do petróleo, antes quase que exclusivamente em mãos de uma pequena elite, e o fez na forma da expansão de políticas sociais voltadas aos mais pobres.

Qual a contribuição de Chávez para as relações entre os países da América Latina?
Chávez teve uma enorme contribuição à questão da integração latino-americana. Em primeiro lugar porque buscou estreitar laços entre os países da região, buscando complementaridades econômicas e relações de cooperação. Obviamente que as relações foram melhores com Cuba, Bolívia e Equador, que fazem parte do arco bolivariano, digamos assim, e não tão intensas com Peru, Chile, México etc., que estão mais à direita do espectro político. Com os países do Mercosul, embora todos com governos mais moderados que o de Chávez, as relações foram de aprofundamento de relações econômicas e cooperação política. E com a Colômbia foram sempre relações tensas, um pouco mais tensas no período da presidência de Uribe e um pouco menos tensas nos últimos anos, na presidência de Manuel Santos.

A mídia brasileira insiste em chamar Chávez de ditador e populista. Alguns comentaristas chegaram a “lamentar” o estado em que o ex-presidente deixou a Venezuela. Qual sua opinião sobre essa visão da grande mídia?
Há leituras e interpretações para todos os gostos na imprensa de modo geral. Há os blogs mais a esquerda, que veem em Chávez um líder que buscou um lugar mais autônomo para a Venezuela e a América Latina no cenário mundial contemporâneo. E há os grandes grupos da mídia corporativa, que por questões ideológicas jamais aprovaram as ações de Chávez e buscaram caracterizá-lo como um inimigo da democracia e um mal gestor da economia. Fato é que muitas vezes se criou, para consumo interno no Brasil, a imagem de uma Venezuela idealizada e extremamente democrática ou de uma Venezuela despótica e arrasada, a depender das visões e interesses em questão. Em todo caso na maior parte das vezes tratam-se de visões simplificadoras da realidade daquele país.

Menção especial deve ser feita à figura do "caudilho", sempre evocada por certa imprensa conservadora brasileira para referir-se a líderes de países latinos de fala hispânica que não fazem os tradicionais governos submissos, elitistas e privatistas que tantas vezes vimos existir ao longo da História da América Latina. Neste sentido, Perón (Argentina), Cárdenas (México), Alvarado (Peru) e Chávez (Venezuela) sempre foram chamados de "caudilhos" por nossa imprensa. No entanto foram governos progressistas que buscaram inserir seus países de maneira mais autônoma no cenário internacional e buscaram fazer políticas sociais de combate à pobreza.

O projeto bolivariano sobrevive à morte dele?
Acho que sobrevive. Porque embora dependesse fortemente da figura pessoal do líder, o projeto tem também um outro ator político muito relevante: as camadas pobres, que com Chávez não apenas passaram a estar no centro da agenda social do país mas também tornaram-se, definitivamente, um ator político relevante naquele cenário. Ninguém mais, daqui por diante, poderá governar a Venezuela sem ter isto em conta. Acredito que é grande a chance de vitória do PSUV na próxima eleição presidencial. Por outro lado há diversas correntes no chavismo, e nas eleições futuras não se pode garantir que não venham a estar divididas e concorrendo entre si.

Na sua opinião, como a oposição, neoliberal, reagirá a esse novo contexto, sem Chávez?
A oposição venezuelana em particular, e a própria oposição latino-americana, em geral, não tem projeto político alternativo ao projeto dos governos progressistas que governam a América Latina desde o início deste século. A agenda da direita latino-americana é a velha agenda neoliberal dos anos 1990, com privatizações de empresas estatais, mais exposição da economia nacional à competição externa e mais desregulamentação para poder atrair investimentos externos. Trata-se de um projeto que, se por um lado ajudou a estabilizar a economia da região, após a falência generalizada observada na década de 1980, por outro não trouxe grandes melhorias em termos sociais, não melhorou a renda dos mais pobres e não distribuiu a riqueza. A oposição venezuelana, se quiser vencer uma eleição e voltar ao poder, terá de levar em conta este novo tema da agenda política do país, que são os mais pobres e suas legítimas demandas por políticas sociais e participação política.

* Wagner Iglecias é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), onde hoje também atua como professor, no curso de graduação em Gestão de Políticas Públicas, e no de pós-graduação em Integração da América Latina.


Andréa Ponte Souza - 15/3/2013
 

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