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Especialista alerta que déficit de fundos de pensão tem várias causas

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Cláudia Ricaldoni, ex-presidente da Anapar e especialista em Fundos de Pensão aponta causas dos deficits e diz que conhecimento é fundamental para chegar às soluções
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“O déficit de planos de previdência é como um acidente de avião: você nunca tem uma causa única. Para entendermos esse conjunto de eventos, temos de analisar os balanços verificando a evolução do plano ao longo do tempo. A maior parte das informações que requeremos explicativas está disponível nos demonstrativos contábeis e nas notas, apenas temos de organizá-las”, destacou a Especialista em Fundos de Pensão e ex-Presidente da Anapar, Cláudia Ricaldoni em seu artigo intitulado “Deficit de fundo de pensão tem várias causas”.

Segundo Cláudia quando falamos de déficit, logo pensamos em rombo ou roubo na gestão dos investimentos. Entretanto, a maior parte dos deficit que temos não é causada principal ou exclusivamente por problema nos investimentos, mas pelo aumento dos compromissos do plano. O REG/Replan Saldado e Não Saldado não é diferente disso.

Além de apontar as várias causas dos déficits, Cláudia destaca que conhecimento é fundamental para chegar às soluções. “Estamos todos sofrendo no mesmo barco. Conhecimento é fundamental. Temos de entender o problema do nosso plano de previdência para poder resolvê-lo. Diagnosticar a doença é 90% da cura. Se ficarmos com o diagnóstico suspeito, criaremos expectativas equivocadas e não resolveremos”, ressaltou.

Cláudia conclui seu artigo com um alerta: “Vamos nos informar e estudar”. Para a especialista, todos devem se informar, inclusive, os participantes da ativa, que não pagam equacionamento, mas que já sofrem o impacto da queda dos retornos dos investimentos. “É dever das fundações serem transparentes e o nosso cobrar essa transparência e nos empoderar deste conhecimento para interferirmos no patrimônio que é nosso”, conclui.

Leia na íntegra o artigo.

Deficit de fundo de pensão tem várias causas

Por Cláudia Ricaldoni

Especialista em Fundos de Pensão e ex-Presidente da ANAPAR

O deficit de planos de previdência é como um acidente de avião: você nunca tem uma causa única. Para entendermos esse conjunto de eventos, temos de analisar os balanços verificando a evolução do plano ao longo do tempo. A maior parte das informações que requeremos explicativas está disponível nos demonstrativos contábeis e nas notas, apenas temos de organizá-las.  

Quando falamos de deficit, logo pensamos em rombo ou roubo na gestão dos investimentos. Entretanto, a maior parte dos deficit que temos não é causada principal ou exclusivamente por problema nos investimentos, mas pelo aumento dos compromissos do plano. O REG/Replan Saldado e Não Saldado não é diferente disso.

Ao analisarmos a evolução dos compromissos do plano (passivo), e rentabilidade das várias modalidades de investimentos ao longo tempo, fica claro que de 2012 a 2019, tivemos aumento do passivo e problemas com a rentabilidade de alguns ativos. O aumento do passivo se deveu, entre outras causas:

- A diminuição da taxa de desconto em 2017, utilizada para calcular o passivo, impactando as reservas dos planos em quase R$ 7 bilhões.

- Impacto do passivo contingencial e aumento do passivo decorrente de aumento de benefícios decorrentes de ações judiciais;  

Em relação aos ativos do Plano, observamos que de 2012 a 2015 a economia do país se desestabilizou, impactando todos os planos de previdência. Em 2012, a carteira de renda variável, respondia por 35% de todo o patrimônio do plano e apresentou rentabilidade negativa de 1,11% contra meta atuarial de 12%.

Analisando o histórico do período, fica claro que, o grande vilão foi a renda variável com rentabilidades abaixo da meta atuarial ou mesmo negativo na maior parte desse tempo. A rentabilidade dos fundos de investimentos, os famosos FIPs, a partir de 2013 também apresentaram queda, mas com impacto menor no resultado final já que o Plano investiu nesta modalidade pouco menos que 10% do seu patrimônio.  

Os planos administrados pela FUNCEF investem bastante em renda variável, ações e participações em empresas como Vale, Belo Monte e INVEPAR. Tais investimentos são muito impactados pela conjuntura. Quando observamos o retrato da maior parte dos planos de previdência do Brasil é muito parecido com este RX que temos da rentabilidade dos investimentos da FUNCEF.

Outra questão importantíssima a ser levada em conta é a queda da taxa de juros no país. A maior parte dos recursos dos planos de previdência, e a FUNCEF não é exceção, está investida em títulos do governo federal. A taxa de rentabilidade de tais papéis está caindo de forma contínua, o que representa um grande desafio para os gestores:  buscar rentabilizar os investimentos correndo um pouco mais de risco, ou ajustar o passivo a esta nova realidade e cobrar a conta, que aparece por meio de deficit dos participantes e patrocinadoras.

A maior parte das informações que precisamos para fazer a pergunta certa e obter a resposta certa está disponível nos relatórios anuais. Precisamos acompanhar melhor e ter em mente que o resultado do ano é a fotografia de um momento. Para vermos se o plano é saudável ou não temos de ver o histórico e, afirmo, que neste ano não é bom.

Lembramos também que temos uma conjuntura econômica complicada que reflete nos fundos de pensão. Significa que não tivemos problemas com investimentos pouco republicanos? Não. Mas esse não é o objeto de nossa análise. O que podemos afirmar ao analisar os dados disponibilizados pela própria FUNCEF é que ainda que possam ter havido eventuais desvios na carteira de FIP’s, tais fatos, nem de longe, explicariam o tamanho dos deficit que o REG/Replan Saldado e Não Saldado. Tais deficit são decorrentes de uma soma de fatores: a conjuntura econômica, impactando fortemente a carteira de renda variável aumento do compromisso dos planos.  

Tocou-me muito, numa audiência pública no Senado, ouvir de uma participante aos prantos dizer que não sabia responder de onde via o deficit e porque estava pagando aquela contribuição extraordinária.

Para sabermos de onde vieram tais deficit, temos de saber analisar os números que são obrigatoriamente fornecidos a todos os participantes. O desempenho da maioria dos planos de previdência de 2013 a 2015, foi muito ruim, variando de acordo com o perfil da carteira de investimentos de cada um. Chamamos o ano de 2015 de “ano do fim do mundo”, porque a maioria dos planos de previdência tiveram resultados negativos, principalmente, aqueles que tinham muito investimento em renda variável, e/ou participações. Com economia desequilibrada, a rentabilidade da renda variável, de participação em empresas emergentes e de FIP’S são as primeiras a serem impactadas.  

Temos um problema de conjuntura grave no país que se recuperou um pouco em 2016, 2017 e 2018, em alguns casos e outros menos, em 2019, andamos meio de lado e, em 2020, ainda não fechamos o balanço, mas as expectativas não são boas.

Estamos num problema de crise conjuntural que afetará os planos de forma diferenciada conforme o compromisso de pagamento de benefício de cada um deles e sua carteira de investimentos.

O pano de fundo é uma crise econômica grande onde a economia do Brasil tem patinado e, a partir daí, analisarmos a especificidade de cada plano. Poderemos ter feito investimentos corretos, por exemplo em projetos de infra-estrutura, mas iremos ver que a crise econômica afeta a área produtiva, o que acaba prejudicando o investimento.

Há alternativas? Precisamos fazer um movimento nacional para tentar alternativas e pressão política para rentabilizar nossos investimentos com risco razoável, pois não temos investimentos sem riscos.

No REG/Replan, algumas medidas podem ser pensadas. Era mesmo necessário reduzir a taxa de juros em 2017? A FUNCEF trabalhava com 5,1% e passou a 4,5%. A taxa máxima permitida pela PREVIC está hoje em 5,7%. Então, a primeira coisa a fazer é analisarmos os estudos que indicaram para à Diretoria da FUNCEF a necessidade de reduzir a taxa de descontos o levou ao aumento do passivo.  

O segundo ponto a observarmos é o passivo contingencial. Quanto é de responsabilidade da CAIXA? Ao acionarmos a Justiça, temos de definir de quem é a responsabilidade pela integralização das reservas para o aumento do benefício. É possível que a maior parte dos impactos com majoração de benefícios decorrentes de ações judiciais tenham na patrocinadora sua origem. Então, é necessário verificar o valor e cobrar do responsável. De outra forma, o impacto destas ações atingirá, como estão atingindo, todos os participantes, por meio do pagamento dos deficits.  

Alongar o perfil desses equacionamentos de deficit também é uma possibilidade. É necessário analisar, à luz da legislação vigente, se será vantajoso equacionar todo o deficit existente, por um tempo maior. Tem que se fazer a conta.  

Outra solução é verificar se é possível recuperar recursos investidos nos FIP’s que foram liquidados. A maioria deles tem alguma espécie de garantia para o investidor, no caso a FUNCEF. Executar tais garantias poderia recuperar algum recurso para os Planos. Por exemplo, o investimento na Sete Brasil, efetuado com o compromisso de compra, pela Petrobras, das sondas a serem construídas. Entretanto, a Petrobras desistiu da compra das sondas no Brasil e voltou a alugar tais equipamentos no exterior, o que inviabilizou o negócio.  A Previ e a Petros estão cobrando da Petrobras os impactos nos planos decorrentes da mudança estratégica ocorrida na estatal. Até onde sabemos, as negociações estão muito adiantadas para o ressarcimento de algum recurso ao plano.   Importantíssimo que a FUNCEF proceda da mesma forma, o que aliviaria bastante o bolso dos participantes. Então, vamos atrás dessa garantia da Sete Brasil e de outros?

Estamos todos sofrendo no mesmo barco. Conhecimento é fundamental. Temos de entender o problema do nosso plano de previdência para poder resolvê-lo. Diagnosticar a doença é 90% da cura. Se ficarmos com o diagnóstico suspeito, criaremos expectativas equivocadas e não resolveremos.

Vamos nos informar e estudar. Inclusive, os participantes da ativa, que não pagam equacionamento, mas que já sofrem o impacto da queda dos retornos dos investimentos. É dever das fundações serem transparentes e o nosso cobrar essa transparência e nos empoderar deste conhecimento para interferirmos no patrimônio que é nosso.

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