São Paulo – Não durou nem 24 horas o decreto presidencial que solicitava a presença das Forças Armadas em Brasília por conta dos protestos pelo fim das reformas que retiram direitos dos trabalhadores, contra Michel Temer e por eleições diretas já. Na manhã da quinta-feira 25, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, anunciou que o decreto estava revogado e que “a lei e a ordem estavam reestabelecidas”.
A presença dos militares foi considerado pelos organizadores do Ocupa Brasília uma demonstração de força bruta de Temer contra os manifestantes que já haviam sido massacrados pela Polícia Militar do Distrito Federal.
A advogada e ativista Graça Pacheco, que esteve no ato, relata um cenário de guerra contra os milhares de manifestantes que estiveram em Brasília. “As pessoas foram recebidas com balas, bombas, cassetetes. O povo deste país foi recebido na sua capital com uma agressividade e hostilidade sem precedente. Nunca vimos um caso tão sério como essa manifestação de hoje”, conta.
Segundo o relato do secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre, a violência foi despropositada e fez "lembrar os piores tempos da ditadura”. "Mal a marcha chegou ao parlamento e já começou a ser reprimida com bombas em mulheres, crianças e trabalhadores que estão aqui só para defender seu direito de trabalhar livremente, ter seu direito trabalhista garantido, o acesso à Previdência”, disse o dirigente.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) emitiu nota, ainda na quarta-feira, repudiando a decisão de Temer de convocar o Exército, além de criticar a "brutal repressão policial contra os manifestantes, comprometendo a estabilidade das instituições democráticas e republicanas deste país".
Inconstitucional – A decisão de convocar as Forças Armadas para 'proteger' a Esplanada dos Ministérios é considerada ilegal por especialistas. Regulada pelo artigo 142 da Constituição Federal, a medida é lançada pelo presidente da República quando há “esgotamento das forças tradicionais de segurança pública” e “em graves situações de perturbação da ordem”. Portanto, apenas em casos de inequívoca ameaça à ordem pública, bem diferente do que ocorreu na capital federal.
Para o mestre e doutor em Direito do Estado, Pedro Serrano, a ação truculenta da PM e a convocação dos militares acrescentam mais razões para o impeachment de Temer.
“Como há interferência do governo no funcionamento regular do Estado de Direito é possível cogitar crime de responsabilidade para fim de impeachment. Porque o presidente da Câmara (Rodrigo Maia) provou que não pediu as Forças Armadas, mas sim a Força Nacional, o que é correto, porque a Força Nacional nada mais é do que a contribuição da polícia de um estado com outro. Houve, portanto, interferência no funcionamento do Legislativo, porque o presidente não se circunscreveu ao que pedia o presidente da Câmara. E fez isso com evidente desvio de poder, na medida em que não pretendia reestabelecer a ordem, mas sim reprimir opositores à reforma”, explica.
Além disso, aponta Serrano, trata-se de um atentado à Constituição. “Primeiro, porque a medida interpreta isoladamente o artigo 142, o que é um erro primário em Direito. Em Direito não se interpreta um artigo isolado, mas um texto integral constitucional. Segundo, porque interpreta equivocadamente, houve exagero consciente na avaliação do fato para poder aplicar a medida autoritária”, define.
O jurista Dalmo Dalari também considera que a ação é inconstitucional e que os objetivos das Forças Aramadas foram deturpados pela convocação de Temer. "Os fundamentos constitucionais que justificam o decreto, os incisos do artigo 84, estão completamente errados. O inciso 4º (veja o decreto aqui) dá competência ao presidente para sancionar, publicar leis, nada a ver com segurança, com polícia e Forças Armadas. É genérico, não dá fundamento, só diz que pode fazer decreto. Já o inciso 13º diz que o presidente é supremo para exercer o comando das Forças Armadas, nomear comandantes etc. Também não tem nada a ver com a determinação de uma ação policial das Forças Armadas. Esse decreto é um completo absurdo e inconstitucional”, critica.