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Estado Letal

Polícia comete um quarto dos homicídios em São Paulo

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Mais de 12% das denúncias recebidas pela Ouvidoria tiveram relação com assassinatos por agentes públicos
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Foto:  Eduardo Saraiva/ A2IMG

A cada dois dias, três denúncias de mortes causadas por policiais foram protocoladas na Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. No total, o órgão recebeu 227 queixas de homicídio envolvendo agentes públicos de segurança nos primeiros cinco meses deste ano. De janeiro a maio de 2018, a Ouvidoria colheu 2.214 reclamações e 272 elogios às polícias Civil e Militar. As manifestações foram feitas presencialmente, por telefone ou por e-mail. A reportagem é do Brasil de Fato.

No primeiro semestre de 2017, as notificações envolvendo homicídios representaram 8,46% das denúncias, ocupando a quarta posição. Já nos primeiros cinco meses deste ano, as mortes causadas por agentes públicos foram o terceiro tipo de reclamação mais registrado: 12,5% do total.

Jacqueline Sinhoretto, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), ponderou que o aumento da letalidade policial não acompanhou a queda da taxa de homicídios em São Paulo, hoje uma das menores do país. No estado, o número mortes caiu de 27 para 10 homicídios para cada 100 mil habitantes entre 2005 e 2015.

"O peso delas [mortes por policiais] no total dos homicídios cresceu muito. Passou de mais ou menos 5% de todas as mortes violentas cometidas para 25%. Ou seja, hoje, um quarto das mortes é cometida pela polícia", explicou.

Despreparo 

As denúncias envolvem casos como o que ocorreu em janeiro deste ano, quando policiais foram chamados por causa de uma briga de família. Na ocasião, um dos agentes disparou em uma das pessoas, que morreu. Os policiais afirmaram que foram ameaçados com uma garrafa de vidro. Para Jacqueline Sinhoretto, episódios como este demonstram que a formação dos policiais é pautada pela iminência do confronto.

"Outras técnicas de administração de conflitos não têm espaço na formação da Polícia Militar e nem no desenho de operação do policiamento. Pouco se investe em uma forma de policiamento mais comunitária, mais próxima, onde os policiais conhecem a realidade do bairro que eles vão policiar, onde a população conhece o policial. Isso faz uma diferença muito grande."

Já Valdênia Paulino Lanfranchi, integrante da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, afirmou que a letalidade policial é uma atuação política e deliberada.

"Esse mau policial não é [um comportamento] individual, como sempre diz o discurso oficial que justifica esses homicídios. O modus operandi dos homicídios é o mesmo. Então, a forma como um jovem é executado no Capão [Redondo, bairro da zona sul da capital paulista] é a mesma que matou em Mogi Cruzes, em Limeira [cidades paulistas]. Esses policiais, de lugares diferentes deste estado, têm a mesma formação. É a mesma instituição, a cartilha é a mesma."

Recomendações

No relatório, a Ouvidoria indicou oito recomendações ao governo estadual, hoje a cargo de Márcio França (PSB). Três delas, relacionadas à má qualidade no atendimento e ao abuso de autoridade, foram propostas há 18 anos e ainda não foram implementadas.

Valdênia Paulino Lanfranchi afirma que o poder público freia a participação das entidades civis na efetivação das políticas para a segurança pública. 

"Essas recomendações, entre elas o enfrentamento dos autos de resistência seguidos de morte, na verdade, não são levadas a cabo porque elas contradizem a política adotada pelo governo do estado. Há uma não escuta das propostas construídas por profissionais, organizações da sociedade civil e institutos que estudam a segurança pública", afirmou a ativista. 

Ariel de Castro Alves, integrante do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana (Condepe), afirma que os direitos humanos não são prioridade do governo estadual.

"Existe também essa questão de uma ampla aceitação da violência policial por vários setores da sociedade e da frase 'bandido bom é bandido morto'. Tudo isso contribui para que essas recomendações não sejam acatadas. Inclusive, a violência policial é usada como plataforma política pela própria gestão do governo de São Paulo e por muitos parlamentares", diagnosticou.

Castro disse, ainda, que a falta de priorização do governo resulta na restrição da atuação dos órgãos independentes. 

"A Ouvidoria colabora bastante com o enfrentamento à violência policial, mas têm problemas, como a falta de estrutura e a falta de pessoal, que geram a dificuldade de acompanhamento dos casos, dos processos administrativos e criminais", pontuou.

A principal recomendação é o estabelecimento de um piso estadual para policiais de São Paulo, um dos mais baixos do país. O relatório completo da Ouvidoria pode ser lido neste link

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