Um imposto equivalente a 0,3% dos ganhos dos super-ricos do Brasil liberaria recursos para melhorar a vida dos outros 97,7% dos brasileiros. Por exemplo, enquanto os trabalhadores recebem os salários já com desconto retido na fonte, os banqueiros recebem milhões de reais em dividendos sem pagar nenhum imposto. Mudar isso é possível. A grande reforma tributária brasileira depende apenas de leis ordinárias, não de emenda constitucional. Mas não adianta arrecadar mais e não poder investir em setores essenciais, como saúde e educação, devido ao “teto dos gastos” que congela a injeção de recursos públicos. Essas frases foram o centro do debate promovido na noite da segunda-feira 7 pela campanha Tributar os Super-Ricos, criada em outubro de 2020 e que conta com a participação de mais de 70 entidades da sociedade civil.
O foco da discussão foram as propostas de regulação e tributação do sistema financeiro nacional. Entre elas, a ampliação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) por cinco anos, para investir no social, explicou o diretor institucional do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), André Horta. "Elevar os tributos de setores altamente lucrativos não representa risco para os trabalhadores", lembra a campanha. A entidade reúne secretários da Fazenda dos estados e do Distrito Federal.
Todos ganhariam
O debate precisa ser apropriado pelo povo brasileiro para se transformar em justiça fiscal e social, defende a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira. A Contraf-CUT é uma das entidades parcerias da campanha. "Esse é o caminho. Eles falam em reforma tributária, mas nós estamos falando de uma que promova justiça fiscal, igualdade, e não concentração de renda", ressalta. "No Brasil, vivemos um sistema tributário completamente injusto. Essa campanha traz uma nova proposta para a tributação da pessoa física isentando quem ganha menos e cobrando de quem ganha muito mais. Não do trabalhador."
Para o economista Sérgio Mendonça, a proposta de tributar os super-ricos é importante do ponto de vista macroeconômico. “Pobre paga mais imposto que o rico, proporcionalmente. Exatamente por essa distorção econômica é que nós temos chance de mudar, e essa proposta é trocar R$ 300 bilhões de impostos indiretos para impostos diretos sobre renda e patrimônio. Mudança de 4% do PIB. Ganharíamos em escala, por exemplo, com a venda de automóveis."
A campanha Tributar os Super-Ricos propõe a elevação da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) do setor financeiro e do setor extrativo mineral. Ambos tiveram aumento de lucros mesmo em tempos de crise econômica. Isso já resultaria em aumento de cerca de R$ 40 bilhões na arrecadação.
Mais Estado
Ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Sérgio Mendonça, ressaltou a importância da campanha Tributar os Super Ricos para a redução da desigualdade no Brasil. "A grande maioria da população não sabe como é tributada. Essa desinformação interessa aos grupos econômicos que são muito pouco tributados", reforçou, lembrando a oportunidade diante da mudança de conjuntura. "Se já era importante ver o papel do Estado na economia, após a pandemia, vamos precisar de muito Estado para sair da crise", afirmou, sugerindo aumentar a tributação como o governo americano vem propondo.
"No Brasil é muito evidente. Sem Caixa, sem SUS (Sistema Único de Saúde), sem os bancos públicos, sem o Butantan, sem a Fiocruz, não teríamos como enfrentar a pandemia. Está difícil, mas sem eles seria muito pior. E não adianta arrecadar mais, tributar mais e não poder gastar por causa do teto dos gastos", alertou. De acordo com o economista, foi vendida a ideia de que menos imposto é bom. "As empresas pagariam menos e investiriam em mais empregos, mais produtividade, bem-estar, e isso nunca aconteceu. Menos imposto foi apropriado pelos setores mais poderosos e agravou a desigualdade, a concentração da riqueza nas últimas décadas no mundo."
Oligopólio lucrativo
A presidenta da Contraf-CUT relatou que os bancos distribuíram quase R$ 29,772 bilhões de dividendos no Brasil em 2020, em plena pandemia. O valor é maior do que todo o investimento feito em Cultura pelo governo federal, segundo dados do Portal da Transparência.
"Crianças em casa sem condição de estudar porque não têm internet, computador. Estão excluídas. Enquanto a gente vê 20 milhões de brasileiros passando fome, vemos alguns entrando na lista dos mais ricos do mundo. Os dividendo são responsáveis por isso, os juros sobre capital próprio, a tabela de imposto de renda injusta. A gente começa a fazer distribuição de renda quando começar a fazer essas mudanças", disse Juvandia.
Esse grande oligopólio, no qual cinco bancos dominam mais de 80% do mercado, tem dois grandes bancos públicos, observou Sérgio Mendonça. "Além do debate sobre o aumento da tributação, o que é perfeitamente defensável, temos uma regulação importante que pode ser feita, que é utilizar os dois bancos para forçar para baixo a rentabilidade do setor. Isso já foi feito, não é uma tarefa simples, mas temos como regular esse mercado."
Só mudar a lei
Estudioso do tema desde os tempos de presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, o ex-ministro Ricardo Berzoini criticou o atual modelo de tributação "exagerado no consumo" que expropria renda dos mais pobres. "O Ipea fala em 43% em contas de luz, telefone, produtos de consumo básico. E todas as reformas tributárias não tocaram no essencial, inclusive no nosso governo", admite. "No G20, o Brasil é o único pais com a tributação concentrada no consumo e na produção. Uma contradição flagrante: medo de tributar alta renda, e metem a faca na energia elétrica da qual as pessoas e as empresas dependem."
Eleito quatro vezes deputado federal, entre 1998 e 2010, Berzoini reconhece o impasse político do tema no Congresso Nacional, "onde os grandes interessados em manter a coisa como está fazem uma pressão violenta para que não se aprecie a questão dos dividendos, a tributação de heranças, o imposto sobre grandes fortunas, a tabela do imposto de renda".
Mas a grande reforma tributária brasileira depende, segundo ele, apenas de leis ordinárias, não de emenda constitucional. Ou seja, a maioria simples de parlamentares, na Câmara dos Deputados e no Senado, bastaria para mudar a situação injusta do sistema tributário brasileiro. "Não é fácil, terá oposição dos detentores de renda no país. Mas temos de fazer o debate com o povo que é esfolado no ICMS, no ISS, no PIS e na Cofins sobre a comida, os móveis, os automóveis, ou não teremos sucesso. Leva tempo de acumulação e esforço político unificado do movimento social, popular, sindical", destacou. "E antes que me acusem de bolivariano, aviso que já ficaria feliz se adotássemos os sistema tributário americano que o Joe Biden está propondo nos Estados Unidos."
Bancos têm que contribuir mais
Um setor que lucra mais a cada ano, há décadas, certamente poderia contribuir mais, inclusive por meio do pagamento de mais impostos. Somente no primeiro trimestre de 2021, o lucro dos cinco maiores bancos do país somou R$ 26,4 bilhões, com alta média de 47,1% em 12 meses.
Entre 1997 e 2019, o lucro líquido do segmento cresceu 2,4 vezes mais do que os valores pagos de CSLL e duas vezes mais do que os valores pagos de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). No período, o lucro líquido dos bancos cresceu 423% acima da inflação, enquanto valores pagos a título de Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido aumentaram 179% e a título de IRPJ aumentaram 211%.
Mesmo com o crescimento mais lento por conta da pandemia, em 2020 o lucro dos bancos cresceu 100% mais que a CSLL e 160% mais do que o IRPJ. São muitas as razões para estarem no foco da campanha Tributar os Super-Ricos.
Apesar disso, segundo denuncia a Contraf-CUT, em plena pandemia, causaram mais desemprego. Levantamento do Dieese mostra que, em 2020, houve redução de 13.071 postos de trabalho bancário. Entre março de 2020 e março de 2021, os cinco maiores bancos do país (Caixa, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander) extinguiram 16.948 vagas e fecharam 1.622 agências bancárias. Segundo dados do Banco Central, 43,3% dos municípios brasileiros não têm agência bancária.