
O direito a existir, viver com dignidade, amar, ser respeitado. Isso é lindo. E isso é lei! Está na Declaração Universal dos Direitos Humanos datada de 1948. Mas tantas décadas depois ainda é necessária muita luta para fazer valer o que deveria ser o óbvio. Afinal, o que pode ser mais justo e preciso do que sermos, todos, iguais como seres humanos. E “sem discriminação de qualquer tipo, como raça, cor, sexo, etnia, idade, idioma, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, deficiência, propriedade, nascimento”, afirma a Declaração. Se para o que é direito ser respeitado precisa ter luta, o Sindicato está junto. Por isso, a categoria bancária debate, desde a década de 1990, a prerrogativa da igualdade de oportunidades para todos os trabalhadores. Fruto desses intensos debates com os bancos, no ano 2000 a promoção da igualdade passa a fazer parte da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) nacional dos bancários. Nove anos depois, conquistas históricas garantem a extensão dos direitos da CCT a casais homoafetivos, a exemplo do plano de saúde. Também a realização do primeiro censo para traçar o Mapa da Diversidade da categoria.
- Este texto está originalmente publicado no site 100 Anos de Luta por Direitos e Democracia, realizado em comemoração aos 100 anos do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. Visite o site e conheça mais da história da entidade
Segundo o dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, diversidade é a qualidade daquilo que é diverso. Também trata de um conjunto que apresenta características variadas; multiplicidade.
“Diversidade é uma palavra bela, imensa. E os bancários sabem bem disso, e da força que ela tem”, afirma a presidenta do Sindicato, Neiva Ribeiro, saudando a chegada do mês de junho, do Orgulho LGBT+. “A diversidade talvez seja uma das mais importantes características da raça humana. O que nos qualifica, nos torna múltiplos, e nos fortalece”, avalia a dirigente que sempre esteve imersa nos debates sobre igualdade de oportunidades na categoria. “Cada vez mais, e mesmo a custa de grande sofrimento, mais pessoas podem assumir sua orientação sexual e de gênero. O Sindicato está ao lado desses trabalhadores para que possam viver dignamente, com todos os seus direitos respeitados.”

Com base nos dados de diversidade – já foram realizados três censos dos bancários e o quarto vem aí (leia mais abaixo) – a CCT soma novas conquistas também nesse campo. “Na Campanha 2024 garantimos importantes avanços na Convenção Coletiva de Trabalho, como o uso do nome social para todas as pessoas trans inseridas nos bancos. Também, o compromisso das instituições de acelerar a empregabilidade e ascensão das pessoas trans no mercado financeiro. Além disso, a possibilidade do uso do banheiro adequado de acordo com a identidade de gênero e o repúdio dos bancos, em suas políticas internas, a qualquer forma de discriminação”, ressalta Neiva. “Convencionar essas cláusulas representa um reconhecimento à realidade da categoria. E contribui para a ampliação de direitos e a manutenção de ambientes de trabalho mais saudáveis e justos.”
Mais de 19 milhões
No Brasil, 12% de pessoas adultas se declaram como assexuais, lésbicas, gays, bissexuais e transgênero. O levantamento, realizado em 2022 pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pela Universidade de São Paulo (USP), demonstra que esse percentual corresponde a algo em torno de 19 milhões de brasileiros (de acordo com dados populacionais também de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE).
A pesquisa mapeou a diversidade sexual e de gênero no país a partir de uma amostra representativa da população brasileira, similar ao que é feito nas pesquisas eleitorais. Para tanto, foram entrevistadas 6 mil pessoas maiores de 18 anos, em 129 cidades, nas cinco regiões do Brasil, entre novembro e dezembro de 2018.

O psiquiatra Giancarlo Spizzirri, da Faculdade de Medicina da USP, relatou à época ter sido essa a primeira vez que um estudo como esse é feito em um país latino-americano. Outro diferencial são as perguntas do questionário. Em vez da autodeclaração, que poderia incorrer em uma incompreensão dos conceitos pelos participantes, optou-se por fazer perguntas objetivas e depois categorizar as respostas.
“Se eu chegasse pra uma pessoa e perguntasse assim: ‘Você é homossexual? Dentre as [opções] abaixo: homossexual, hétero ou bi’, talvez pudesse provocar muito constrangimento dependendo da maneira como é conduzida a pergunta. Ou mesmo a pessoa não saber o que responder. Outra maneira de se indagar isso é: ‘Você tem atração física, romântica e sexual por pessoas do mesmo gênero que o seu? Ou somente por pessoas do mesmo gênero?’”, explicou Spizzirri.
Os pesquisadores reforçam que o trabalho ajuda a tirar a população LGBT+ da invisibilidade e, por se tratar de um estudo no campo da saúde, contribui para que sejam pensadas políticas públicas voltadas para esses grupos.
O levantamento, feito com base na diversidade sexual e de gênero, mostra que entre os 12% categorizados, 5,76% são assexuais, 2,12% bissexuais, 1,37% gays, 0,93% lésbicas, 0,68% trans e 1,18% pessoas não-binárias.
Violência criminosa
A pesquisa realizada pelas universidades mapeou também informações sobre episódios de violência psicológica, verbal, física e sexual. Os números que mais impressionam, contudo, dizem respeito à violência sexual. Levando em comparação a violência sofrida por homens hétero cisgênero, as mulheres hétero cisgênero reportaram sofrer quatro vezes mais episódios de violência sexual. Para as mulheres lésbicas a situação era ainda pior: elas relataram sofrer seis vezes mais episódios de violência sexual.
O quadro se agrava com mulheres bissexuais, que relataram 12 vezes mais episódios de violência sexual. As pessoas trans, por sua vez, são 25 vezes mais agredidas sexualmente na comparação com homens cisgênero.
Em 2024, o Brasil registrou 291 mortes violentas de pessoas LGBT+ ou movidas por LGBTfobia, de acordo com levantamento anual realizado pelo Grupo Gay Bahia (GGB), a mais antiga Organização Não Governamental (ONG) LGBT da América Latina. O número mantém o país no absurdo posto do mais homotransfóbico entre as nações que realizam estudos sobre o tema. E representa um óbito violento a cada 30 horas. A maioria das mortes violentas de LGBT+ em 2024 foi classificada como homicídio (239 casos), seguida por latrocínio (30 casos), suicídio (18 casos) e outras causas (4).

“E, tristemente, muitas pessoas que sofrem violência deixam de denunciar por medo. E mesmo quando buscam os serviços de saúde para atendimento, não colocam a orientação sexual ou a identidade de gênero por receio ou vergonha da exposição, o que faz aumentar os casos de subnotificação”, explica Neiva.
Justamente para ajudar a tentar superar essa barreira, desde 2021 o Sindicato passou a disponibilizar atendimento jurídico especializado também para pessoas LGBT+ (bancários e público em geral) por meio do projeto Basta, Não Irão nos Calar. Os atendimentos são realizados via agendamento por meio da Central de Atendimento do Sindicato ou mensagens de WhatsApp pelo (11) 97325-7975.
Sindicato Cidadão premiado
A luta do Sindicato foi reconhecida também pela Associação da Parada do Orgulho LGBT+. Em junho de 2011, dias antes desse que figura entre os maiores eventos de rua do país, a entidade homenageou o Sindicato com o 11º Prêmio Cidadania e Respeito à Diversidade.
O Sindicato participava da luta árdua travada há anos pela aprovação de um projeto de lei para criminalizar a homofobia. E que se tornou direito. Desde junho de 2019, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a homofobia passou a ser enquadrada como crime no Brasil.
“Uma decisão que resulta da mobilização constante da comunidade LGBT+, sempre organizada em torno de seus direitos”, reforça Neiva. “Mais uma luta da qual participamos como Sindicato Cidadão, uma entidade que atua diariamente não só por melhores salários e condição de trabalho, mas também por qualidade de vida e um país com mais direitos, mais justo e equânime para todos os trabalhadores.”

Em debate realizado pelo Sindicato em 2021, o antropólogo e advogado Lucas Bulgarelli lembrou que as lutas contra a discriminação LGBTfóbica derivam da esquerda. “Durante quase todo o século XX, nós, pessoas LGBTQIA+, éramos considerados doentes. Até 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) colocava no catálogo internacional de doenças (CID), no número 302, o nome homossexualismo, uma forma de dizer que uma pessoa que manifestasse ser LGBTQIA+ era compreendida como doente. Foi no dia 17 de maio de 1990 que isso mudou”, relatou o fundador e diretor do Instituto Matizes. “Um contexto de lutas junto ao movimento sindical, ao movimento negro, feminista. Era um movimento de democratização. A gente não podia falar de direitos em uma ditadura. Tivemos que reconstruir a democracia para que a gente pudesse começar a falar de direitos.”
Novo Censo da Diversidade
O quarto censo dos bancários, para traçar um novo Mapa da Diversidade nos bancos, vem aí. Em negociação nacional sobre diversidade, inclusão e pertencimento, realizada no último dia 30 de maio, o Comando Nacional dos Bancários cobrou da federação dos bancos (Fenaban) a realização do censo. Ficou definida a criação de um grupo de trabalho formado por bancários, Fenaban e Ceert – empresa contratada para a produção do censo –, a fim de elaborar as perguntas da pesquisa, que chegará aos trabalhadores até a terceira semana de setembro. O resultado deve ser divulgado em fevereiro de 2026.

A realização do censo é fundamental, ressalta a presidenta do Sindicato que é uma das coordenadoras do Comando Nacional. “Ter esse mapa em mãos ajuda o movimento sindical a apontar políticas para todos os públicos ditos minorizados nos bancos. E, claro, indica também questões para a construção de reivindicações que busquem mais avanços também para o público LGBT+”, afirma a dirigente. “As agências bancárias e departamentos têm de ser espaços onde o racismo, a violência de gênero e a LGBTfobia sejam intoleráveis.”
Avanços sociais
Neiva lembra a construção desse projeto, desde o início dos debates sobre igualdade de oportunidades, até a primeira conquista, histórica, da extensão de todos os direitos da CCT dos bancários para parceiros do mesmo sexo em 2009. “Talvez só quem viva uma rotina de segregação possa ter dimensão da importância de uma conquista como essa, que mudou a realidade de milhares de bancárias e bancários em todo o Brasil”, avalia Neiva, destacando a imensa importância dessas garantias estarem na CCT e movimentarem o debate público que faz a sociedade avançar. Nesse caso específico, em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a união homoafetiva como um núcleo familiar. Direito ao qual os bancários já tinham acesso há quase dois anos.

A discriminação ainda hoje é terrível e destruidora para muitos casais. Mas naquela época, nos idos dos anos 2000, era ainda pior, lembra a presidenta. “Os integrantes do Comando Nacional dos Bancários e dos coletivos LGBT+ dos sindicatos foram muito atentos e sensíveis a essa situação. Então, cobramos dos bancos que a opção pela extensão dos direitos da CCT aos casais homoafetivos fosse feita diretamente aos departamentos de RH ou de Gestão de Pessoas. O objetivo é evitar qualquer tipo de exposição ou constrangimento aos trabalhadores que querem fazer uso dessa conquista e preservar a intimidade do trabalhador postulante”, relata Neiva. “Hoje em dia isso está bem mais tranquilo, mas à época foi uma garantia importante que o Comando proporcionou aos trabalhadores.”
Apesar dos avanços, o mundo ainda é um lugar hostil para muita gente, lamenta ela. “Por isso mesmo nunca relaxamos na luta por igualdade de oportunidades, de direitos. E assim, seguimos. Mais lentamente do que gostaríamos, mas sem admitir retrocessos jamais. O Brasil tem a maior parada LGBT+ do mundo, realizada todo mês de junho desde 1997. E isso prova que os que celebram o amor, a igualdade, a justiça social somos muitos mais”, finaliza Neiva.
