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Chapéu
Norma regulamentadora

Seminário debate problemas na redação da nova NR-1

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Imagem mostra auditório cheio durante o seminário “NR-1 e a Saúde Mental dos Trabalhadores”.

Diante do número cada vez maior de bancários afastados por doenças mentais causadas pelo trabalho, e da nova redação da Norma Regulamentadora número 1 (NR-1), o Sindicato dos Bancários de São Paulo e a Fetec-CUT/SP realizaram, nesta quarta-feira 24, o seminário “NR-1 e a Saúde Mental dos Trabalhadores”.

A NR-1 define os princípios e responsabilidades de empregadores e empregados para garantir ambientes de trabalho seguros e saudáveis, além de abranger a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais.

Sua atualização está prevista para maio de 2026. A norma passará a determinar que as empresas considerem e gerenciem riscos como assédio moral e sexual, bem como outros fatores que afetam a saúde mental dos trabalhadores.

A nova redação da NR-1, contudo, determina que caberá exclusivamente às empresas gerenciar e avaliar esses riscos. Os trabalhadores serão apenas consultados nesse processo, mas não haverá nenhuma determinação ou garantia de que suas sugestões e críticas serão acatadas.

“Os bancos negam que há risco de adoecimento causado pelo trabalho, contestam todas as pesquisas e dados que o Sindicato apresenta e alegam que as doenças psíquicas são causadas por fatores alheios ao trabalho. Como os bancos explicam os afastamentos por transtornos mentais no Brasil serem cerca de 14% do total, e nos bancários serem 53%, segundo o INSS, em 2024?”, frisou Valeska Pincovai, secretária de Saúde do Sindicato.

“E com a mudança da NR-1, os bancos e demais empresas serão os responsáveis exclusivos por gerenciar os riscos como assédio moral e sexual, além de qualquer outro fator que afete a saúde mental dos trabalhadores. Daí a importância de se discutir essa questão”, acrescentou.

A secretária de Saúde do Sindicato, Valeska Pincovai (à direita)

NRs violam convenções internacionais

A assessora jurídica do Sindicato e advogada Maria Leonor Poço Jakobsen observou que as normas regulamentadoras, de forma geral e inclusive a NR-1, violam as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil que versam sobre saúde e segurança no trabalho, e também sobre direitos humanos e trabalho decente.

“As convecções internacionais consideram essenciais a participação dos trabalhadores na elaboração de qualquer política pública, seja nacional ou local. E na NR-1 não há essa garantia de participação das políticas de saúde dentro das empresas. A mera consulta não garante que suas demandas farão parte das medidas implementadas pelas empresas”, afirmou Jakobsen.

O advogado Jorge Ussier fez uma crítica contundente à atual redação da NR-1, destacando que sua estrutura confere exclusivamente às empresas — cujo objetivo primário é o lucro e não a promoção da saúde — os instrumentos de promoção e prevenção da saúde do trabalhador, o que gera desequilíbrio estrutural.

Expressões vagas e conceitos imprecisos

Ussier apontou o uso de expressões vagas e conceitos imprecisos que favorecem interpretações lenientes em relação à responsabilidade empresarial, bem como a ausência de qualquer protagonismo sindical no processo. Defendeu, como alternativa, uma norma eminentemente técnica, com base científica e controle social.

No segundo momento de sua fala, ressaltou dois pontos da NR-1 relevantes para a ação sindical: o direito de recusa ao trabalho em condições de risco — considerado um avanço — e o alerta sobre os riscos psicossociais nos inventários de risco, que estariam sendo instrumentalizados por empresas, especialmente do setor bancário, como forma de mitigar passivos trabalhistas ligados à saúde mental dos empregados.

Risco psicossocial encarado de forma individualizada

Andreia De Conto Garbin, psicóloga e docente da Faculdade de Saúde Pública da USP, abordou as concepções sobre os riscos psicossociais na atualidade, em específico os inseridos na nova NR-1.

“Com a nova redação, existe a ameaça de se adotar uma concepção muito restrita do que é o psicossocial, porque seu risco está sendo encarado de forma muito individualizada, focando no comportamento e no histórico do trabalhador, quando na verdade esse risco decorre da organização do trabalho", afirmou

Limites das NRs

Renata Paparelli psicóloga docente da PUC-SP na área de saúde mental e trabalho, abordou os limites das novas NRs em geral, e da NR-1 em especifico, para o enfrentamento das questões relacionadas aos transtornos mentais vinculados ao trabalho.

“As NRs têm a lógica de analisar uma variável. Por exemplo, a NR sobre ruído vai olhar somente a variável do ruído, enquanto uma pessoa não pode ser reduzida a um ouvido. No caso dos transtornos mentais, é uma articulação de elementos, nunca algo isolado que os causa. Nunca é uma bronca que vai gerar o transtorno mental. É uma bronca dentro de um processo de pressão por produção, junto com metas abusivas. É sempre um conjunto. Para compreender os transtornos mentais relacionados ao trabalho, precisamos analisar a organização do trabalho como um todo, e especialmente ter a participação dos trabalhadores tanto no diagnóstico quanto na construção das estratégias de enfrentamento dos problemas.”

Doenças mentais: terceira principal causa de afastamento

Rosângela Lorenzetti Secretária de Saúde da Fetec-CUT/SP, lembrou que o adoecimento mental já é a terceira principal causa de afastamento pelo INSS.

“Estes números alarmantes, levaram à uma atualização da NR-1, incluindo a identificação, análise e gestão dos riscos psicossociais, estas medidas estabelecidas na NR-1, precisam ter a participação dos trabalhadores, para que de fato expressem a realidade do ambiente do trabalho. Temos pesquisas que comprovam que o ambiente do trabalho bancário está adoecendo os trabalhadores.”

Ela destacou que em 2022, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a síndrome de burnout como uma doença ocupacional. E em 2023, o Ministério da Saúde atualizou a lista de doenças relacionadas ao trabalho, incluindo os transtornos mentais.

“Ou seja, essas instituições reconhecem que o ambiente do trabalho é insalubre e adoecedor, ainda assim, os bancos continuam negando todas as estatísticas. Sem mudanças reais no ambiente laboral, qualquer programa de bem-estar implantado pelos bancos será inócuo.”

Trabalhadores querem participar da avaliação dos riscos psicossociais

Valeska enfatizou que os bancos não medem as causas do adoecimento mental nos locais de trabalho. "Também se negam a negociar as metas e recusam a reconhecer que as elas são abusivas, enquanto a categoria bancária é uma das que mais sofrem com o adoecimento mental. E não podemos deixar que os bancos sejam os protagonistas na implementação da NR-1, porque na propaganda eles se vendem como as melhores empresas para se trabalhar. Quem está fora e vê isso acha que é tudo lindo e maravilhosos, mas a propaganda é enganosa, tendo em vista o número de bancários afastados por adoecimento mental”, afirma Valeska.

“Nós queremos de fato participar da construção do mapa de riscos como assédio moral e sexual, bem como outros fatores que afetam a saúde mental dos trabalhadores. E vamos cobrar do Ministério Público do Trabalho e do Ministério da Saúde que a participação efetiva dos trabalhadores neste processo seja incluído na NR-1”, acrescentou a dirigente.

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