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Celso Amorim quer política externa altiva e ativa

Linha fina
Para o ministro da Defesa, a partir de Lula o Brasil começou a exercer protagonismo na construção de uma nova ordem mundial
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São Paulo - “Uma política externa altiva e ativa. Foram essas palavras que me ocorreram depois de ter a confirmação do presidente Lula da minha indicação como ministro das Relações Exteriores. Foram palavras para definir uma diferença de atitude, da consciência do povo brasileiro de mudar o seu destino”.

Com esta avaliação o atual ministro da Defesa, Celso Amorim, abriu sua conferência “Início de uma Política Externa Altiva e Ativa”, terça-feira 16 à noite, na Universidade Federal do ABC. Diante das centenas de participantes que tomaram o recém-inaugurado auditório San Tiago Dantas, o ministro pontuou o significado da política externa que começava a ser descortinada em 2003.

“Altiva porque não deveríamos nos submeter aos ditames de outras potências, ainda que mais poderosas, pois tínhamos condições de defender os nossos pontos de vista. Ativa como refutação de uma concepção anterior que costumava dizer que o Brasil não podia ter papel protagônico para não desencadear algum tipo de retaliação”. Foi em contraposição a essa “visão domesticada da política externa”, frisou, que o governo Lula começou a “reagir e influenciar a agenda internacional”. Acima de tudo, “o Brasil queria contribuir – como contribuiu - para uma nova ordem mundial”.

Entre as inúmeras atuações certeiras do período, Amorim recordou a luta contra o locaute petroleiro na Venezuela - com o qual a oposição de direita queria depor o presidente Hugo Chávez e retroceder os avanços econômicos e sociais do país bolivariano – e o projeto imperialista da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), com o qual os Estados Unidos planejava impor sua hegemonia em inúmeros setores, “como o de serviços, investimentos e propriedade intelectual”. “Com diplomacia, conseguimos impedir o retrocesso”.

Amorim lembrou da “imensa pressão da mídia” contra os interesses nacionais e seu alinhamento à pauta neoliberal, bastante vinculada às pretensões hegemônicas dos EUA. Além disso, recordou da firme oposição brasileira à guerra do Iraque, da solidariedade à Palestina, e de como o governo Lula bloqueou o acordo na Organização Mundial do Comércio, “que seria extremamente prejudicial aos nossos interesses”.  “Na OMC, colocamos o pé na porta e ela não pôde ser fechada na nossa cara”, contou orgulhoso.

Defesa da Nação - “Nós vivemos num mundo de Estados-nação e ataques, dos mais variados, continuarão a ocorrer”, alertou, frisando que a melhor maneira do país garantir a sua independência e manter a paz é estar preparado para a guerra. “E estar capacitados a defender nossas estruturas críticas significa fazer pesados investimentos em ciência e tecnologia nacional”, acrescentou o ministro, citando a recente espionagem cibernética feita pelo governo dos Estados Unidos e denunciada pelo ex-agente da CIA, Edward Snowden. Amorim destacou também o papel das parcerias regionais com a Argentina - no caso do projeto do novo avião cargueiro, que substituirá o Hércules -, e do navio patrulha, com a Colômbia e o Peru.

“Em nosso país temos recursos altamente cobiçados e cada vez mais escassos como alimentos, energia e água. Precisamos estar preparados para nos defender. Não com as armas dos séculos 19 e 20, mas com as armas e escudos do século 21. Este é um longo caminho que precisará ser percorrido”, concluiu Amorim, sob extensos aplausos.

Estados Unidos - Os Estados Unidos também compareceram ao debate, em sentido figurado. Embora não tenham sido o único tema nem tampouco o objetivo original do encontro, foram trazidos pelas perguntas do auditório e intervenções dos palestrantes.

A conclusão mais evidente sobre é que o país do Hemisfério Norte vive um declínio "relativo" ou, ao menos, sofre com um "deslocamento geopolítico", em função da crise econômica que os atingiu fortemente e devido ao surgimento de novos atores - blocos, como os que são construídos nesse momento pelos países da América do Sul, por exemplo, ou países, sendo a China o exemplo mais sonoro.

Para a professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Maria Regina Soares de Lima, "a pressão vai aumentar". Sintomas dessa reação, cita ela, são os instrumentos de bisbilhotagem recentemente revelados, lembrando que os grampos dão aos grupos privados daquele país e ao próprio governo informações privilegiadas para uma espécie de sabotagem dos negócios comerciais alheios.

Outro debatedor da mesa, o assessor especial da Presidência da República Marco Aurélio lembrou que a disputa dos Estados Unidos se dá especialmente no plano interno, entre um modelo com maior presença do Estado e outro mais tradicional. "E não me parece que eles estejam muito dispostos a resolver esse problema", disse. "Historicamente, toda a vez que os Estados Unidos alteraram significativamente sua relação com os demais países, respondiam a algum conflito externo, como quando saíram do Vietnã. Portanto, é difícil fazer previsões".

Integração - Ambos concordam que uma estratégia para o Brasil é aprofundar esforços de integração regional, no caso da América Latina, e multipolar, como o governo brasileiro tem procurado fazer há 10 anos.

O mediador, Renato Martins, professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), recdordou episódios como a consolidação da Unasul, entidade capaz, recentemente, de opor-se diplomaticamente e com peso político a episódios como o golpe no Paraguai ou ao fechamento do espaço aéreo europeu ao presidente boliviano Evo Morales.

"Estamos chegando a um mundo multipolar. A questão é: queremos comparacer com nossos vizinhos ou sozinhos?", provocou Marco Aurélio. "Devemos fazer os Estados Unidos restringirem sua influência para cima do Rio Grande", afirmou Pomar, em referência ao rio que demarca a fronteira dos EUA a partir do México.

Marco Aurélio Garcia continua apostando na força da negociação para avançar na política externa. Lembrou o barão do Rio Branco: "Ele deixou uma herança indelével na nossa diplomacia. Ele comandou a definição de nossas fronteiras, sem nenhum confronto. Fez essa obra sem deixar pra trás nenhum passivo com nossos vizinhos".

Por outro lado, ao comentar o porquê de tantas críticas à política externa adotada a partir do primeiro mandato de Lula, por parte da imprensa e dos analistas conservadores, lembrou outro diplomata brasileiro, Santiago Dantas (que dá nome ao auditório da UFABC onde se deu o debate): "Ele foi duramente criticado, e ao mer ver por causa de uma posição que ele proclamava: a de que a política externa deve estar vinculada a uma política interna que procurasse alçar os trabalhadores ao seu merecido lugar". Citando outro diplomata, Afonso Arinos, completou: "Sempre sofreu críticas por parte daqueles que não queriam que as mudanças no plano interno chegassem à Casa de Rio Branco".


Leonardo Severo, da CUT, com edição da Redação - 17/7/2013

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