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Gushiken é exemplo de vida e de coragem

Linha fina
Ex-presidente do Sindicato, deputado federal constituinte e ministro do governo Lula, o “China” ajudou o Brasil a retomar rumos da democracia e teve a vida pautada pelo trabalho por uma sociedade mais justa
Imagem Destaque

São Paulo – “Naquele período, o ânimo das massas no Brasil estava tão eletrizado e infundia tão grande confiança nas lideranças que os mecanismos de repressão não atemorizavam os dirigentes. Aliás, foi esse grandioso movimento de massas o que verdadeiramente solapou os alicerces da ditadura militar, fermentando as condições para a histórica campanha pelas Diretas-já e a derrocada do regime militar no Brasil.”

> Fotos: galeria em homenagem a Gushiken
> Vídeo especial sobre Luiz Gushiken

O trecho foi extraído de artigo de Luiz Gushiken publicado na Revista dos Bancários de março/abril de 2003 (leia aqui) e revela um pouco da trajetória do ex-dirigente sindical bancário e de outros militantes de esquerda no final dos anos 1970 quando o país respirava ares de mudanças em movimentos contra a ditadura. Cenário em que o movimento sindical ressurgia a partir de novas lideranças forjadas no chão das fábricas e nas agências bancárias.

No movimento sindical – Luiz Gushiken nasceu na cidade de Oswaldo Cruz, interior de São Paulo, em 8 de maio de 1950. Em meados dos anos 1970, já na capital paulista, iniciou sua militância política na troskista Libelu (Liberdade e Luta) com colegas da Fundação Getúlio Vargas, na qual cursava administração de empresa, e estudantes de outros cursos e universidades.

Também nessa época exercia a primeira experiência na liderança de trabalhadores, eleito cipeiro de uma agência do antigo Banespa. Nesse período passou a integrar grupo de bancários de várias tendências que passaram a compor a oposição à então diretoria do Sindicato. Oposição essa que ganhou identidade com os trabalhadores de bancos públicos e privados a partir da greve de 1978, vencendo, no ano seguinte, a eleição na chamada Retomada. Além das bandeiras por salários mais justos e melhorias nas condições de trabalho, as palavras de ordem eram pelo fim da ditadura militar e pelas liberdades democráticas.

Na direção da entidade chegou a ser cassado em duas oportunidades, a primeira em 1980, quando foi preso pela ditadura ao lado de outros três dirigentes e, posteriormente, em 1983, quando a entidade passou por intervenção. Chegou a ser transferiso da agência do Brás para o prédio da Praça do Patriarca. Mesmo cassado participava de todas as decisões da diretoria.

À frente do Sindicato – Em seu primeiro mandato como dirigente sindical, na gestão de Augusto Campos, Gushiken auxiliou na organização das oposições bancárias do interior e de outros estados, ampliando a unidade da categoria em todo o país. Teve papel importante na formação sindical de vários trabalhadores. Fruto dessa aproximação com lideranças de outras localidades e de outras categorias como o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – à época presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, por quem era chamado de “China” – é que foi possível fundar a CUT (Central Única dos Trabalhadores), em 1983, e em 1985, quando já ocupava a presidência do Sindicato, construir uma das mais fortes greves nacionais da categoria bancária, após a ditadura militar.

“Fizemos várias greves, mas a de 1985 foi emblemática, pois ocorreu no país inteiro. Ela foi fruto de muita organização política, com adesão de toda a sociedade”, disse Gushiken em entrevista publicada na edição nº 3 da Folha Bancária Especial 90 anos.

> Abaixo à ditadura e pelas liberdades democráticas

Fissurado por trabalho – De acordo com o ex-dirigente sindical e assessor do Sindicato Nelson Silva, Gushiken era fissurado por trabalho. “Muitas vezes as pessoas chegavam das agências após a distribuição da Folha Bancária. Aí o japonês encarava quem estava chegando e perguntava: 'o que vocês estão fazendo aqui?' A gente respondia: 'já acabamos de distribuir a Folha Bancária'. E ele disparava: 'podem voltar para a base, pois as agências ficam abertas até quatro horas.'"

Nelson Silva lembra da época em que o Sindicato passou por intervenção no início dos anos 1980, Gushiken e os demais dirigentes afastados pela ditadura procuravam formas de manter a comunicação viva com os bancários. “Para economizar, ele teve a ideia de irmos até a Rua 25 de Março depois que as lojas fechavam. Lá recolhíamos papelões e varetas para fazer cartazes para usar nas manifestações”, recorda.

Outra marca de Gushiken eram os “pinga-fogo”, nos quais em cima de um banquinho e com um megafone na mão soltava o verbo contra os abusos dos bancos contra os trabalhadores.

No parlamento – Foi durante uma assembleia com funcionários do extinto Comind (Banco do Comércio e Indústria) que Gushiken foi pego de surpresa por um colega que lançou sua candidatura a deputado federal constituinte em 1986. Saiu vitorioso pela legenda que ajudara a fundar em 1980: o Partido dos Trabalhadores (PT).

Ocupou a cadeira na Câmara dos Deputados por três mandatos consecutivos (1987- 1998) sempre pelo PT. Gushiken – coordenador das campanhas presidências de Lula em 1989 e em 2002 – foi chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República e do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) da Presidência da República durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Em seu mandato parlamentar chegou a propor projeto de lei para que as agências bancárias tivessem horário de atendimento estendido para das 9h às 17h. “Na oposição, com uma bancada bem pequena, era praticamente impossível aprovar qualquer projeto de lei que beneficiasse os trabalhadores. Mas Gushiken teve um papel importante como articulador no Congresso. Sempre ponderado e prático tinha uma visão que ia além de seu tempo. Foi um dos grandes defensores, por exemplo, da previdência complementar” recorda Tirso Marçal, assessor político de Gushiken durante os três mandatos.   

De volta ao Sindicato – Ao se afastar da vida pública, foi homenageado em algumas oportunidades no Sindicato. Em cada um desses encontros, mostrou de forma apaixonada um pouco de sua trajetória de lutas ao lado da categoria.

Em evento que marcou os 30 anos da Retomada, em 2009, a todo instante pedia o microfone para contar causos: “Teve uma assembleia lotada em que eu estava discursando, quando veio um coronel em minha direção. A ditadura sempre mandava gente para vigiar nossas assembleias. O coronel chegou e eu falei: ‘como a gente luta pela democracia, temos de fazer assembleias democráticas. Por isso, com a palavra, o coronel’. E passei o microfone para ele, que discursou e até agradeceu o uso da palavra, dizendo para os manifestantes se comportarem.”

Em outro encontro no Sindicato, em maio de 2010, disse: “Quando uma categoria de trabalhadores é audaciosa, forte e combativa não só constrói a organização da classe, mas também forma novas lideranças. E essa categoria é um manancial de lideranças.”

Em seu último encontro na entidade, em junho de 2011, ressaltou: “O Sindicato é uma coisa muito forte dentro da gente”. Também elogiou o governo Lula: “O Brasil pós-Lula se configurou entre as nações mais importantes do mercado global, estrategicamente e por longo período”, disse, sobre o que chamou de “feito inédito”.

Serenidade – Gushiken faleceu na noite da sexta 13, após uma batalha de cerca de doze anos contra o câncer.

Tirso Marçal foi um dos últimos a estar com Gushiken quando estava internado. “Nos momentos em que estava acordado sempre perguntava como estava a economia, a situação do país. Ele enfrentou a situação com muita serenidade.”

Ministério Público – O Conselho Nacional do Ministério Público leu nota de pesar pela morte de Gushiken, durante sua 14ª Sessão Ordinária de 2013, em 17 de setembro. “Fiz questão de salientar que o ministro Gushiken, durante o julgamento da Ação Penal 470, foi vítima de denúncias vazias e manchetes sensacionalistas, que cessaram somente após sua absolvição pelo Supremo Tribunal Federal que, de forma lúcida, corrigiu a injusta condenação pela mídia”, afirma Luiz Moreira Gomes Júnior, conselheiro nacional do MP. “Destaquei, ainda, a importância do ex-ministro para a democracia, para o estado brasileiro e para toda sociedade.”

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Jair Rosa - 16/9/2013
(atualizada às 18h20 de 18/9/2013)

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